Ícone do site Agência Mural

Quais as cobranças das periferias na COP30

Por: Isabela Alves

Não ampliar os lixões em bairros periféricos; promover a educação ambiental nas escolas e em outros espaços da sociedade; criar uma moeda verde para ações de reciclagem; responsabilizar grandes poluidores e o poder público sobre a preservação.

Estas são algumas das propostas construídas nos últimos meses por ativistas das periferias de São Paulo e que serão levadas à COP 30 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025), que será realizado entre os dias 10 e 21 de novembro, em Belém (PA).

Ao todo são cerca de 30 ações necessárias e que estão na carta “Carta compromisso Periferias pelo clima – O clima tá tenso!”, lançada nos últimos dias no Galpão Cultural Elza Soares – Armazém do Campo do MST, em Campos Elísios, região central da cidade.

Entre as principais preocupações citadas pelos moradores de periferia, estão as enchentes causadas pelos córrego, a falta de arborização e moradia precária @Isabela Alves/Agência Mural

Além das ideias, o documento traz uma análise da situação das periferias perante as mudanças climáticas. “A gente pretende se conectar com pessoas de outros países, de outras regiões e outras periferias do Brasil, para que juntos a gente consiga se articular e apresentar um projeto que tenha a nossa marca da periferia”, afirma Edson Pardinho, 50, coordenador da Frente Periférica por Direitos, organizadora da carta.

Nos últimos meses, a Frente mobilizou ativistas que moram nas margens de São Paulo para discutir as pautas climáticas dentro das quebradas e elaborar uma carta coletiva, levando as principais reivindicações dos territórios ao evento.

“Os desdobramentos atingem primeiro os extremos das periferias, para só depois serem sentidos nas áreas mais protegidas. Quem vive na periferia já lida com as mudanças climáticas há bastante tempo”, ressalta Pardinho.

Na carta, as periferias apresentam as demandas mais urgentes das populações diante da crise climática, com o objetivo de orientar políticas públicas e práticas comunitárias que promovam justiça socioambiental, fortalecendo o protagonismo popular nas decisões sobre o território.

Os caminhos incluem ações voltadas à gestão de resíduos, educação ambiental, moradia digna, economia solidária e saneamento básico.

Vozes das periferias pelo clima

A Frente Periférica por Direitos é fruto de movimentos sociais já existentes, que se uniram principalmente durante a pandemia de Covid-19, quando atuaram para ajudar famílias por meio da distribuição de alimentos, kits de higiene e máscaras.

Com o fim do período emergencial, os coletivos mantiveram a articulação ao perceber que, juntos, poderiam realizar ações mais efetivas nos territórios.

Para elaborar o documento para a COP, foram realizadas rodas de conversa e seminários ao longo de 2025. O processo envolveu cerca de 1.050 lideranças comunitárias, pesquisadores, ambientalistas, empreendedores, cooperativas, mídias comunitárias, entidades sociais, sindicatos, grupos pastorais, parlamentares e suas assessorias.

Ponte construída na Cidade Ademar trouxe impactos ambientais negativos para a região @Isabela Alves/Agência Mural

“As pessoas têm desenvolvido suas próprias tecnologias para garantir a sobrevivência, mesmo com o agravamento da situação climática”, diz Pardinho, morador do Assentamento Dom Tomás Balduíno, em Franco da Rocha, na região metropolitana de São Paulo, e dirigente regional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).

“É importante ouvir esses depoimentos, para que aqueles que têm condições efetivas, possam agir e contribuir para a redução desses impactos.”

As periferias de São Paulo, historicamente, sofreram os impactos ambientais decorrentes da falta de planejamento urbano. A expansão acelerada da cidade não foi neutra: priorizou grandes interesses econômicos, como os do mercado imobiliário, cuja sua lógica da exclusão relegou a população periférica a áreas degradadas e de risco.

Trecho da carta COP30

Pontos de atenção do clima trazidos pelos moradores 

1

Dificuldade para deslocamento até o trabalho devido às chuvas, ou quem sequer seja chamado para trabalhar por viver em áreas de risco

2

Perdas materiais após enchentes, e medo de desabamentos

3

Impactos na alimentação

4

Dificuldade de mobilidade urbana e no direito de usufruir a cidade

5

Falta de arborização nos territórios.

Em São Mateus, no extremo-leste, queixas sobre o aterro sanitário e como ele contribui para as chamadas “ilhas de calor”, áreas que liberam calor e gases durante a decomposição de resíduos orgânicos, afetando diretamente a qualidade do ar

“Existem pontos de vulnerabilidade em comum entre as quebradas, e que também tem muita gente lutando por mudanças nesses territórios”, comenta Mateus Munadas, 34, um dos co-fundadores da Frente Periférica e morador de Itaquera, distrito da zona leste.

Para ele, é importante que os ativistas periféricos ocupem a COP, pois nunca antes havia sido considerado o ponto de vista de quem realmente sente os impactos da emergência climática no dia a dia.

Soluções que estão nascendo nas periferias

1

Reflorestamento comunitário

2

Fortalecimento das cooperativas de reciclagem

3

Ampliação das redes de captação de água de chuva

4

Incentivos à agroecologia urbana, criação de zonas de respiro ambiental nas áreas densamente ocupadas

5

Planos de adaptação local liderados pela própria comunidade

Apesar disso, as periferias constroem saídas: mutirões de limpeza de córregos, hortas e viveiros comunitários, brigadas solidárias em temporais, redes de vizinhança e comunicação popular. No campo da educação, os educadores sociais, coletivos de cultura e professores atuam incansavelmente na divulgação das ODS, sempre alertando sobre as condições de racismo ambiental vivida nas periferias.

Povos indígenas e crianças

Em visitas à Aldeia Indígena Tekoá Pyau no Jaraguá, na zona noroeste, o povoado reivindicou proteção aos povos indígenas, reforçando que sua sobrevivência é essencial para a preservação do meio ambiente.

“Não se trata apenas do aumento da temperatura, mas da sobrevivência de seres humanos que coabitam os espaços das matas e florestas. Eles [os povos indígenas] são vitimados diretamente pelos latifundiários e pela especulação imobiliária”, afirma Pardinho.

Jaison Lara é ativista ambiental nas frentes na cultura e educação de crianças e jovens @Isabela Alves/Agência Mural

Coordenador da Casa Ecoativa, Jaison Lara afirma que o manifesto também enfrenta a lógica de um evento historicamente composto por figuras que sempre ocuparam esses espaços: na maioria, homens mais velhos, brancos e cisgêneros, que falam em nome de uma diversidade de populações e territórios.

“Estamos indo para a COP problematizando esse evento. Se forem apenas figuras diplomáticas, os poderosos de sempre, tende a ser um evento esvaziado por não considerar os saberes periféricos, quilombolas, indígenas e ribeirinhos”, afirma Lara, morador da Ilha do Bororé, zona sul de São Paulo.

Crianças e adolescentes do Jardim Lucélia e Jardim Shangri-lá, do Grajaú, foram ouvidas sobre as mudanças climáticas @Isabela Alves/Agência Mural

Em um dos encontros promovidos, Lara ouviu mais de 200 crianças do CCA (Centro para Crianças e Adolescentes) do Jardim Lucélia e do Jardim Shangrilá, no distrito do Grajaú.

“São essas as principais pessoas que vão estar aqui enfrentando os desastres ambientais que vêm acontecendo. A gente está deixando um planeta em colapso e esse fardo não é deles. Não há política pública que atenda essa faixa etária, que olhe para essas crianças”, diz.

Moradia como porta de entrada

Uma causa central para quem vive nas periferias é o direito à moradia, especialmente em áreas como o extremo-sul da cidade, onde há casas construídas nas APAs (Área de Proteção Ambiental).

“Moradia e meio ambiente devem caminhar juntos”, afirma Clair Helena Santos, 67, coordenadora do movimento de moradia Missionária-Cidade Ademar e da Cecasul (Centro de Cidadania e Ação Social Sul).

Nos últimos meses, a Grande São Paulo tem vivido uma série de ações contra ocupações em diversas cidades e também bairros da capital.

Clair é ativista na causa por moradia desde os 17 anos, foi selecionada para ir à COP30 @Isabela Alves/Agência Mural

A carta para a COP propõe o “fim dos despejos e práticas violentas contra ocupações e favelas, programas de “chave-a-chave” que tratem o deslocamento de famílias residentes em área de risco”.

Também selecionada para compor o grupo de ativistas que irão à COP30, Clair entrou no movimento social aos 17 anos. “Tendo moradia, compreendi que ela é o canal para todos os outros direitos humanos: saúde, educação, transporte, lazer e tantos outros.”

Ela leva para a COP as principais demandas dos distritos de Cidade Ademar e Pedreira, regiões que vivenciam as mudanças climáticas de forma intensa, por conviverem à beira de represas ou próximos a córregos de esgoto.

Um exemplo recente de impacto foi a construção de uma ponte na Estrada do Alvarenga que passa por cima da Represa Billings, na Cidade Ademar, que causou impactos diretos na fauna e nas plantas aquáticas. Ela também diz que o novo Transporte Hidroviário, que liga o bairro do Cantinho do Céu ao Mar Paulista, tem soltado um óleo que tem poluído a Represa Billings.

Ela enfatiza a necessidades das periferias estarem presentes. “Não adianta os grandões ficarem lá discutindo meio ambiente e combate às enchentes se as periferias e os movimentos sociais não estiverem representados, né? A gente vive a máxima do ‘nada sobre nós, sem nós’”, afirma Clair.

Sair da versão mobile