Matheus Oliveira / Agência Mural
Por: Matheus Oliveira
Notícia
Publicado em 03.03.2023 | 14:58 | Alterado em 06.03.2023 | 15:28
Eram duas horas da manhã quando Ivonete Dias dos Santos, 57, acordou com os gritos de uma vizinha. Quando foi se levantar, o filho gritou: “Mãe, não pisa aí”. Embaixo dela havia um buraco. “O meu quarto já tinha desabado”, relembra a dona de casa, que mora na favela do Caboré, na zona leste de São Paulo.
Hoje ela não consegue olhar para os escombros da antiga casa, onde vivia com dois filhos e três netos.
“Eu queria a minha casa de volta. Vendi a antiga que era pequena e comprei aqui. Eu paguei R$ 37 mil. Ia fazer três anos que eu estava aqui. Perdi cama, armário, máquina de lavar. Vi a minha compra do mês ir embora na chuva”, conta Ivonete.
Atualmente, a família mora em uma casa emprestada na Caboré, mas ela afirma que o dono já pediu o imóvel de volta.
A dona de casa não tinha cadastro do imóvel em programas de habitação, por isso ainda não conseguiu receber o auxílio aluguel. “Se o pessoal me desse uma ajuda com material e essas coisas eu voltava pra cá. Agora é entregar na mão de Deus.”
Ivonete é uma das que sofreram após as enchentes de fevereiro na região. A favela do Caboré fica na divisa entre as subprefeituras de São Mateus e Itaquera.
O último alagamento foi em 21 de fevereiro. Dois dias depois, uma forte correnteza se formou no dia 23, na rua Tineciro Icibaci.
Mas a chuva do dia 2 de fevereiro foi a mais devastadora para a região. Na data, choveu cerca de 42,88 mm na região de São Mateus, enquanto a média para a cidade foi de 5,9 mm, segundo a prefeitura de São Paulo. O Rio Aricanduva subiu, e na madrugada do dia 3, Ivonete perdeu a moradia.
Outras chuvas marcam a história da favela do Caboré, no Iguatemi. Em setembro do ano passado, uma enchente invadiu as casas dos moradores e no começo de 2022 o jovem Diogo Donatello, 21, morreu afogado ao cair no Rio Aricanduva, que corta a comunidade.
A mãe de Diogo, Catia Daniele Costa, 43, conta que as chuvas recentes invadiram a casa dela. “Encheu o quarto onde meu filhos dormem. Eles perderam tudo que tinha, nem cama eles tem pra dormir. Eu tava com todos os netos e bisnetos do meu marido na minha casa nessa hora. Foi a maior correria.”
As enchentes recorrentes na favela trazem um sentimento de impotência para Catia. “Por mais que a gente lute, não tem para onde ir. Dinheiro eles [governantes] têm para fazer um uma casinha e tirar a gente daqui, mas ficamos aqui impotentes e sujeitos a eles”, argumenta.
Catia mora na Caboré há 15 anos e recentemente tem visto a força das chuvas e das enchentes aumentar. Ela aponta que casas que não enchiam, hoje, são invadidas pelas águas.
“Aquele dia [2 de fevereiro] foi demais. Tava tudo limpo e daqui a pouco ficou cheio de barro, veio água, não sei da onde, porque foi fora do normal e é o que tá acontecendo. Casas que nunca entraram água perderam tudo dessa vez”
Catia Costa, moradora da favela Caboré
Catia se refere às casas próximas a rua Tineciro Icibaci.
O presidente da associação Hope Box e morador da comunidade, Wellington Adriano da Silva, 35, conta que terra, detritos e árvores estão atrapalhando o escoamento da água da chuva pelo rio. A Hope Box, associação presidida por ele, organiza serviços públicos como o cadastramento em programas de habitação, por exemplo, e oferece cursos de capacitação aos moradores.
“Na Tineciro Icibaci há algumas obras com desmatamento e todo o lixo está vindo para o córrego. O pessoal que a casa não enchia está enchendo”, relata Wellington.
Na região, fica a empresa de vidros Space Glass, A unidade afirma não ter relação com o problema e que tem ajudado a fazer a limpeza do espaço. “Existem algumas obras terceiras em andamento aqui nas proximidades da nossa fábrica que podem contribuir para o acúmulo de água nas imediações da comunidade. Somos parceiros de líderes da Caboré e sempre apoiamos ações da comunidade “, justifica a companhia.
Wellington argumenta ser necessária uma intervenção do poder público para fiscalizar as obras na região, para impedir que o lixo acumule nas margens do córrego. Procurada, a prefeitura de São Paulo afirma ter entregue os piscinões Taboão, Aricanduva R3, R6, R7 e R8 para minimizar as enchentes na zona leste.
Sobre as enchentes do último dia 2, a prefeitura indica que a subprefeitura de São Mateus iniciou os trabalhos de limpeza de ruas e de galerias pluviais na mesma noite e o serviço foi até a madrugada do dia 3.
Também de acordo com a prefeitura, a subprefeitura de Itaquera faz a limpeza do córrego, sempre que solicitado, e monitora diariamente o corpo d’água.
Segundo o presidente da associação Hope Box há conversas para a canalização do trecho do córrego que atravessa a favela do Caboré. “O que a prefeitura pode fazer de imediato é limpar o córrego, interditar as casas e dar as cestas, colchão e cobertor. Mas o mais importante é a obra, porque vai vir outra chuva e vai levar tudo novamente. Fazer a canalização é algo permanente.”
Em entrevista ao jornal Gazeta de São Mateus, o subprefeito da região, Roberto Bernal, afirma que o problema das enchentes será resolvido com a realocação das famílias. “É um erro do passado que hoje não há como corrigir de uma tacada só, pois depende remoção das residências afetadas, o que leva tempo e orçamento para construir”, explica Bernal.
Jornalista, educomunicador e correspondente de São Mateus desde 2017. Amante de histórias e de gente. Olhar sempre voltado para o horizonte, afinal, o sol nasce à leste.
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06.03.2023Após a publicação desta reportagem, o presidente do Instituto Hop Box, Wellington Adriano da Silva, 35, afirmou que a empresa Space Glass não tem relação com os problemas apontados, diferente do que havia declarado inicialmente. Moradores da favela do Caboré visitaram a fábrica da companhia em fevereiro e constataram que o problema está na parte externa. A Space Glass doou três manilhas para ajudar na prevenção das inundações e colaborou com a limpeza do rio que corta a favela. Por conta disso, o texto foi alterado.