Por: Redação
Publicado em 23.11.2018 | 11:20 | Alterado em 27.02.2024 | 16:35
Beatriz Oliveira
Colaborou Paula Rodrigues
”Não diminua o universo que existe em você por causa de alguém que não sabe admirá-lo”. Era o que dizia uma das pequenas folhas de papel adesivo colada na parede do banheiro feminino da Escola Estadual Professor José Vieira de Moraes, localizada no subdistrito de Interlagos, zona sul de São Paulo.
Na época, o banheiro tinha vários problemas: desde 2014 não existia espelho no local, por causa de uma briga entre alunas que quebraram o objeto, as portas não fechavam, as pias eram muito baixas e as torneiras não funcionavam, além de ter paredes sujas e rabiscadas.
Carla Silva Dias, 17, mora na zona sul de São Paulo, no Jardim Colonial, e é aluna da escola há 3 anos. Ela conta que começou a perceber que uma renovação no banheiro feminino da escola fazia falta para todas as alunas.
Foi então que ela e algumas colegas de sala se reuniram com o objetivo de melhorar o local. Tudo começou em abril deste ano, e o intuito era de colar textos e desenhos na parede onde ficava o espelho.
“Eu me juntei com as outras garotas da minha sala e disse a minha ideia para elas. Elas amaram, nós fomos pensando e pensando no que colocar lá. Pensamos em desenhos ou placas, mas isso daria muito trabalho. Então resolvemos que seriam os post-its com mensagens animadoras e motivadoras”, conta a estudante.
A ideia era começar a espalhar mensagens que fizessem as meninas se sentirem mais contentes com sua autoestima, reafirmando que todas elas eram importantes e especiais.
“Tinham muitas frases motivadoras e lindas. Uma que eu amei do fundo do coração foi: ‘não seja uma menina que reproduz o machismo’. Eu me considero realmente uma feminista, e essa frase eu achei que realmente define meu pensamento”, é o que conta a estudante do primeiro ano, Julia Neves, de 15 anos.
Laura Beatriz Guimarães, 15, também é estudante do primeiro ano da escola José Vieira. Para ela, a parede colorida com post-its trouxe uma nova forma de se sentir bem com a vida na escola.
Ela conta que em sua antiga escola sofreu muito preconceito racial por causa de sua cor e do seu cabelo, que não era igual ao das outras garotas. “Por conta disso eu sempre chegava em casa muito chateada, porque sempre caçoavam de mim na escola, durante quase dois anos, e eu até cheguei a pensar em suicídio por conta disso”, relembra Laura.
Os pais de Laura decidiram transferir a menina para a José Vieira. No colégio atual, a adaptação foi melhor, especialmente quando ela viu uma das mensagens colada no banheiro.
“Uma que eu gostei bastante foi: ’você é bela, não importa a sua cor’. Eu me senti bem lendo ela, e lendo outras parecidas, eu fiquei feliz com isso porque já sofri muito racismo, muito preconceito por ser negra”, conta Laura.
Para a professora de filosofia Vânia Amorim, 47, a “ação de colar os post-its construiu, de alguma forma, um humano melhor que futuramente vai entender que as diferenças das pessoas são boas, e que não há problema algum em ser diferente”.
Ela acredita que o ambiente escolar é um dos melhores locais para acontecer tal manifestação, visto que é na escola onde há mais dificuldade de lidar com isso. “Para mim, isso foi uma coisa linda para a escola, e que deve ser levada para o mundo”, completa a professora.
Depois que os primeiros post-its foram colados, as meninas da escola ficaram tão encantadas com a ideia que começaram a colar também. Quase todos os dias se via novos post-its com diversas mensagens.
“Eu colei alguns lá, e percebi que quando as meninas liam aquelas mensagens, aparecia um sorriso nos rostos delas e isso é muito demais. Eu colocava sempre que tinha inspiração”, comenta a estudante Julia Neves, ao contar que boa parte das meninas que frequentavam o banheiro, deixava um recado para as outras.
Quando Carla e suas amigas perceberam que a ideia havia realmente dado certo, elas resolveram criar algo mais para que o banheiro ficasse ainda mais acolhedor.
Foi aí que tiveram a ideia de montar uma caixinha para colocar absorventes e outras coisas, como cotonetes e chocolates, por exemplo.
“As meninas aceitaram muito bem a ideia. Acho que isso foi uma das melhores coisas que aconteceu esse ano no Vieira, porque eu percebi que as garotas da minha sala ficaram bem mais unidas”, afirma Carla.
Ela completa dizendo que muitas das meninas da escola criaram até mesmo amizades por causa disso. Mas lamenta que a união entre elas tenha sido momentânea: durou apenas enquanto os post-its ainda estavam colados na parede.
Atualmente, o banheiro da escola está sem os post-its. As caixinhas com absorventes e cotonetes também foi retirada. Durante as férias escolares, as faxineiras da escola precisaram tirar os papéis que começaram a descolar e a caixinha de papelão que molhou quando lavaram o banheiro.
Apesar de não darem continuidade a atividade depois das férias escolares, as meninas da José Vieira ganharam uma nova surpresa. Ao voltar para as aulas, o banheiro estava reformado: arrumaram a encanação e uma nova pia foi colocada para facilitar o uso.
“Ainda pretendemos fazer uma reforma geral, tanto no banheiro feminino quanto no masculino. Trocar o piso, os vasos sanitários, trocar as portas… Deixar o ambiente mais agradável para todos os alunos”, conta Domênico Silva, 49, o atual coordenador da escola.
Para ele, ações como essa, por mais que momentâneas que sejam, transformam a escola em um espaço mais humano.
“Atividades assim são realmente importantes, isso ajuda a construir um ser humano mais humilde e de bom coração. Eu acho que esses post-its fizeram com que essas garotas vissem que são belas do seu jeito, e entendessem que devem sempre ser unidas , não importa oque aconteça”, afirma o coordenador.
Beatriz Oliveira é estudante do 1ª série do ensino médio na escola estadual Professor José Vieira De Moraes
Paula Rodrigues é correspondente de Vila Albertina
Essa reportagem foi produzida por uma participante do programa de bolsa de jornalismo Acontece na Escola da Agência Mural, no qual estudantes do ensino médio de escolas públicas da região metropolitana de São Paulo produzem conteúdo jornalístico sobre temas do cotidiano escolar. A iniciativa integra o projeto Mural nas Escolas.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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