Há 12 anos, bloco de carnaval faz festa nas ruas do bairro do extremo leste e tem as mulheres como maioria na bateria
Sheyla Melo/Agência Mural
Por: Sheyla Melo
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Publicado em 26.02.2020 | 16:07 | Alterado em 26.02.2020 | 16:11
Há 12 anos, bloco de carnaval faz festa nas ruas do bairro do extremo leste e tem as mulheres como maioria na bateria; temas abordam vida na periferia
Tempo de leitura: 4 min(s)Todo sábado de carnaval, a população de Guaianases, na zona leste de São Paulo, pode curtir o carnaval na porta de casa. O cortejo, realizado há 12 anos, é organizado pelo Cordão Popular Boca de Serebesqué.
Este ano, o grupo entoou um samba que prega a liberdade de expressão e temas que têm relação com o bairro. “Neste ano, a gente quis fazer uma letra para cima”, conta a historiadora e integrante do grupo Glória Orlando, 42.
Uma das partes celebra a cirurgia no coração, bem sucedida, de uma criança de 4 anos do grupo. “O surdão batendo na cadência forte e o coração do menino alegre a pulsar”, era o grito que enchia as ruas do bairro.
Em meio à descentralização dos blocos de carnaval da capital que beiraram os 800 neste ano, chegando a todas as subprefeituras, o Boca se destaca pois vem de um período anterior.
Surgiu em 2008, com a ideia de curtir o carnaval na quebrada. “A gente sempre via todo mundo viajar, começamos a fazer o carnaval ser aqui, no nosso território, inclusive com os instrumentos emprestados do Coletivo Dolores Boca Aberta”, conta a arte educadora Elaine Mineiro, 36, citando o grupo que também atua na região.
Boca de Serebesqué é uma expressão popular que significa aquele que fala demais, que fala pelos cotovelos. O grupo adotou um marreco como mascote. Nos desenhos que estampam as camisas, o pato aparece sempre com uma cerveja, às vezes uma garrafa de coquetel molotov, em memória às guerrilhas e protestos urbanos.
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Outro ponto forte é que hoje as mulheres são maioria na bateria. Do tamborim ao surdo lá estão elas. Elaine e Glória são as mulheres que tocam o instrumento que antes era inacessível. “A gente também tinha interesse de ocupar o surdo, que é um instrumento grandão, pesado, e só os homens tocavam, primeiro foi a Elaine a tocar, depois eu”, lembra Glória.
“A gente percebeu que tinha uma questão de gênero, teve uma oficina no Dolores que aprendi a tocar o surdo e fui falando que no carnaval que vem eu ia para o surdo”, ressalta Elaine.
Outros desafios também eram impostos às mulheres para participar do Cordão. Com o nascimento das crianças foi necessário um espaço educativo. Foi criada uma ciranda para os filhos das participantes. Outra reivindicação feminina foi que se criasse a marreca, personagem feminina do mascote do cordão.
Para a professora Neide Almeida, 50, o grupo resgata a cultura e trata do cotidiano de quem vive na periferia. “Traz nas letras as questões da sociedade, uma crítica social. Lutam contra as enchentes e questionam o corte de verba da cultura, na minha opinião eles tem uma participação muito importante aqui no bairro”.
Em 2015, houve uma enchente no bairro que levou a um protesto do Serebesqué.
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Foram ao menos 10 ensaios desde janeiro antes do cordão ir às ruas. “É uma batucada do povo, a gente se encontra nas nossas férias, somos todos trabalhadores e nos ensaios cada um escolhe o instrumento que gosta”.
Elaine reforça a escolha do grupo de fazer um carnaval de rua. “Nos últimos anos tem surgido blocos grandes, no centro da cidade e a nossa ideia é brincar com a comunidade, quem está na rua cola e brinca o carnaval com a gente”. “A galera espera o cordão, já no fim do ano já estão perguntando se vai ter de novo”, diz Glória.
Samba 2020
Simbora com a gente
Na folia bem quente
Pra ver como é que é (qué, qué, qué)
Aqui tem samba no pé
É Boca de Serebesqué aqui de novo
Eu sou o povo, eu sou o povo (bis)Eu vou sorrir eu vou cantar
Minha opinião não vou deixar de dar (eu vou dar, eu vou dar)
A alegria ao povão
Na batida do nosso cordão (Boca de Serebesqué)
Guaianases canta a vida
Com a força de quem não para de lutar
O surdão batendo na cadencia forte
E o coração do menino
Alegre a pulsar (bis)2020 ver, 20 buscar, 20 querer
juntos na batida do tambor
tamborim e agogô
Mostrar que a beleza de toda forma de amor
É sempre maior do que
Qualquer pudor (bis)Não venha com seu medo
Ódio, desprezo, violência e intolerância
Querer nossa cultura sufocar
De vocês não vamos mais falar
(quero amar, quero amar)
Junta o povo vem pra luta
Na resistência vamos continuar
Pois hoje vai ter samba na praça
Um brinde da nossa cachaça
La ia la la iaa
Guaianás é pauliceia guerreira
Indígena, preta
Nordestina, mulherQué qué qué
Qué qué qué
E viva os Boca de Serebesqué
Qué qué qué
Qué qué qué
E viva os Boca de Serebesqué
Pedagoga, estudante de jornalismo, correspondente de Guaianases desde 2017. Pernambucana, rapper, ativista e educadora social. Co-gestora do grupo Arte Maloqueira. Articula projetos com produção de comunicação comunitária e literatura periférica.
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