Prefeitura de Santana de Parnaíba
Por: Katia Flora
Notícia
Publicado em 30.10.2023 | 7:47 | Alterado em 29.10.2023 | 19:15
Vestido de vermelho, o homem tira o chapéu da cabeça e convida a dama para dançar. Enquanto tocam o bumbo, a mulher oferece um lenço para o par antes de começar uma tradição de mais de 70 anos e que busca manter a cultura negra na Grande São Paulo. Trata-se do Samba Lenço de Mauá, uma dança folclórica de origem afro-brasileira vinda das áreas rurais.
A performance começou nos anos 1950 com três moradores do bairro da Freguesia do Ó, zona norte de São Paulo, que se mudaram para a cidade do ABC Paulista, e levaram junto a prática ancestral.
Sebastiana Augusta da Silva (que era benzedeira), e os compadres dela, João Rocha e Isaura de Assis Rocha, deram início ao estilo que segue sendo passado de geração em geração no Jardim Zaíra 2.
“Meus avós migraram para cá e após algumas apresentações na região colocaram a nomenclatura Samba Lenço de Mauá”, conta a funcionária pública e coordenadora do samba Fabiana da Rocha Camargo, 41, neta do João e Isaura.
Atualmente, 40 pessoas participam dos eventos, desde crianças até idosos, e todos são da família da Fabiana. Alguns ainda residem na zona norte de São Paulo onde os primeiros fundadores moravam.
“Nosso grupo é tradicional, tem um legado transgeracional que passa de geração, começou com meus avós, pais e tios. A dança é caracterizada como samba de bumbo”, conta ela, que é moradora do Jardim Zaíra 2.
”Aprendemos desde pequenos a dança. A gente continua preservando, resistindo e percebendo que não é fácil levar um grupo de tanto tempo na estrada, com tantas faixas etárias”, conta.
O Samba do Lenço é uma manifestação folclórica, que simboliza a época da escravidão, quando os escravos dançavam na porta das senzalas, após as colheitas, em cidades como Santana de Parnaíba e Pirapora do Bom Jesus, na região metropolitana de São Paulo, e no Vale do Paraíba, no interior.
As vestimentas foram adaptadas ao longo dos anos. As cores são branco e vermelho, e as mulheres usam saias longas, blusas além de adereços como colares, turbantes e chapéus. Os homens vestem calças brancas, camisas vermelhas (tipo xadrez) e chapéu.
No início das apresentações, eles fazem uma oração a São Benedito (santo negro da igreja católica), cantam louvor, saúdam a bandeira com a imagem do santo e dançam. É nesse momento que o homem chama a dama para a dança e ela apresenta o lenço que dá nome ao estilo.
“As coreografias não são marcadas, não tem passos cada um dança de um jeito específico”, diz.
Além disso, os instrumentos usados pelo grupo são o bumbo (caixa circular de madeira), contra surdo, pandeiro e chocalho. As músicas são de improviso, com versos curtos de fácil assimilação que se repetem várias vezes durante a manifestação cultural. As apresentações nos espaços públicos duram cerca de 1 hora.
O Samba Lenço de Mauá, pelo tempo em atividade desde a década de 1950 e a preservação em relação à cultura negra, é reconhecido como patrimônio imaterial do Estado de São Paulo registrado pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico).
Atualmente passa pelo processo de registro pelo Iphan, para tornar-se patrimônio imaterial nacional. Porém, na cidade de Mauá, Grande São Paulo, poucas pessoas conhecem o grupo.
Fabiana, coordenadora do Samba Lenço, afirma que a representatividade deles é fora da cidade e destaca a falta de diversidade cultural.
“É muito pouco a parte cultural aqui da nossa cidade. Somente os vizinhos antigos sabem do nosso trabalho”, lamenta.
O grupo também enfrenta a falta de recursos. Todos são voluntários e conciliam com as atividades profissionais.
“Precisamos de recursos para fazer manutenção de instrumentos, manter nossas roupas e calçados. Os desafios que nós temos no primeiro momento é financeiro. Além das políticas públicas não são as ideais”
Fabiana da Rocha Camargo, coordenadora do grupo
A equipe tem usado as redes sociais para divulgar o trabalho. Na pandemia de Covid-19, fizeram várias lives com convidados, e isso proporcionou mais seguidores. Conseguiram também a aprovação de três Proacs (Programas de Ação Cultural do Estado de São Paulo), Municipal e a Lei Aldir Blanc.
Em agosto deste ano, o Samba Lenço de Mauá fez apresentação no 59° Fefol (Festival de Folclore em Olímpia), interior de São Paulo. Eles participam deste evento desde a década de 1960. No mês de novembro vão participar do Revelando São Paulo 2023 que será realizado no Parque da Água Branca.
Jornalista com experiência em jornalismo online e impresso, tem publicações em diversos veículos, como Uol, The Intercept e é ex-trainee da Folha de S. Paulo no programa para jornalistas negros. Correspondente de São Bernardo do Campo desde 2014.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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