Lendário guerreiro Yasuke ganha traços de jovens das quebradas ‘por sentir que está em um local que não é de pertencimento e por buscar seu espaço’
Léu Britto/ Agência Mural
Por: Jacqueline Maria da Silva
Notícia
Publicado em 19.11.2023 | 17:09 | Alterado em 27.02.2024 | 16:46
Yasuke, um homem preto, africano, que viveu Japão no século XVI e é conhecido e reconhecido em muitas partes do mundo como o “Samurai Negro”, por ter sido um guerreiro que serviu ao império da época.
Apesar de ter exercido essa função com extrema habilidade, ele não possuía o título de Samurai formalmente, já que ele só poderia ser repassado para descendentes de japoneses. Mas isso não tira o caráter mítico e inusitado do personagem, que já ganhou destaque em filmes, séries e agora quadrinhos periféricos do ilustrador Isaac Ferreira dos Santos, 36, que mora na Brasilândia, zona norte da capital paulista.
O jovem mergulhou na cultura do país asiático e na de Yasuke após receber o convite de uma editora para contar a história do guerreiro. Estava dado o desafio, já que não há informações tão precisas sobre esse personagem. E essa foi justamente a grande oportunidade do trabalho: “eu quis representar o encontro entre a cultura negra e japonesa”.
O elo entre duas regiões tão distintas do mundo foi a valorização do pacifismo, que Isaac encontrou nas duas culturas. “Eu representei Yasuke como um guerreiro, mas não alguém ansioso por uma batalha, nem com uma cara nervosa. Isso não é parte da cultura africana e do zen budista”.
O “Samurai Negro” de Isaac possuí elementos típicos das periferias brasileiras, inspirado no “Afrosamurai” e “Samurai Champloo”, dois animes dos anos 2000, baseados na história do guerreiro Yasuke. “Eles são marcantes por serem um encontro de cultura Hip Hop com a cultura samurai”, acrescenta.
Aliás, o Hip Hop foi essencial na formação do personagem de Isaac, pois teve como referência e inspiração celebridades desse universo artístico, como o cantor Frank Ocean e o Dj Japonês Nujabes. “Eu ouvi muito esses artistas para me ambientar. Usei falas retiradas das músicas nos quadrinhos”.
“Eu quis representar ele como alguém que tem ciência de onde ele vive e de onde veio. Isso faz com que ele consiga desenvolver melhor as suas relações, o seu trabalho como guerreiro e sua espiritualidade”
Mas 137 páginas de “Yasuke”, lançado no ano passado e apresentado na Perifacon 2023, o roteirista é fiel à história do guerreiro, aproximando-o de quem vive nas quebradas, a partir do conceito de “excelência negra”, que refuta a ideia preconceituosa de que profissionais negros de sucesso são uma excessão.
Mas além de unir cultura africana, japonesa e periférica, este Yasuke também traz uma boa pitada da autobiografia do autor, como ele mesmo assume.
“Toda a minha história e vivência se refletem nesse personagem. Seja por ser um homem negro e muitas vezes sentir que está em em um local que não é de pertencimento, ou por buscar o seu espaço e saber lidar com situações e pessoas diferentes”.
Excelência Negra: termo usado para exaltar que pessoas pretas não são somente bons profissionais, mas também inovadores e brilhantes. Expressão rompe com a ideia de que negros de sucesso não são execessão e sim regra.
Fonte: Blog Nathália Braga
A paixão de Isaac pela cultura oriental começou quando o artista entrou em contato com o universo dos animes, na década de 1990, e depois com os mangás, nos anos 2000. Ambos os estilos se tornaram febre no país, sobretudo nas periferias.
“Tinha aquele medo [da família] de ficar eu na rua, então acabava ficando muito dentro de casa. Eu sempre consumi cultura pop e a partir disso daí despertei o interesse [pela cultura japonesa]”.
Em 2011, ele produziu seu primeiro fanzine: “Chapeuzinho Negra”, feito por meio de xerox e com apoio financeiro dos amigos. “Era uma adaptação do conto do Chapeuzinho Vermelho, só que com ação e terror, temas que eu gosto de abordar no meu trabalho”.
A partir daí não parou mais: na sequência publicou uma coletânea de quadrinhos com outros artistas, com histórias de mistério e terror, e pouco depois participou do projeto “Narrativas Periféricas”, que incentiva a produção artística das quebradas. “Foi muito importante para pensar os quadrinhos para além do que eu já sabia”.
Com toda essa bagagem, ele criou “Shin”, um personagem pai solo que vive em uma São Paulo futurista na qual ele se divide entre o trabalho no escritório durante o dia e a função de Ninja, à noite, para sustentar a filha.
“É um quadrinho de ação, de mistério e de espionagem, mas também de crítica ao capitalismo”, diz. A obra rendeu a ele a indicação de Roteirista Revelação de 2021, no prêmio “HQ Mix 2021”, um dos maiores concursos de quadrinhos nacionais. A obra “Yasuke” também concorreu em 2023 em duas categorias.
Ainda neste ano, Isaac lançará outro quadrinho sobre detetives sobrenaturais na feira Comic Con 2023, uma das maiores do setor. Além disso, está trabalhando em um roteiro sobre robôs japoneses gigantes e vislumbra o mercado da animação em países como França e Estados Unidos.
A meta dele é, como o samurai Yasuke, chegar ao Japão. “Pretendo me inscrever para algumas premiações de mangás internacionais”.
Repórter da Agência Mural desde 2023 e da rede Report For The World, programa desenvolvido pela The GroundTruth Project. Vencedora de prêmios de jornalismo como MOL, SEBRAE, SIP. Gosta de falar sobre temas diversos e acredita do jornalismo como ferramenta para tornar o planeta melhor.
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