Jessica Bernardo/Agência Mural
Por: Jessica Bernardo
Notícia
Publicado em 01.03.2023 | 19:28 | Alterado em 27.03.2023 | 15:29
Quem desce na estação Jardim Helena – Vila Mara, da Linha 12 – Safira da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), não demora nem cinco minutos para encontrar os primeiros ciclistas andando pelo bairro da zona leste de São Paulo.
São entregadores de comida, crianças começando a pedalar e famílias inteiras que se equilibram sobre duas rodas para percorrer as ruas planas da região.
Na subprefeitura de São Miguel Paulista, onde fica a estação, as bicicletas acompanham os moradores em todas as atividades. São mais de 11 mil viagens diárias com as bikes, segundo a última pesquisa Origem e Destino do Metrô.
Mas é só virar a esquina da Rua Conceição do Almeida para perceber que a cultura forte do ciclismo na região não é acompanhada por investimentos públicos no modal.
Dezenas de bicicletas ficam amarradas em árvores e corrimões bem em frente ao bicicletário da CPTM. As 256 vagas do local são insuficientes para a demanda enorme de ciclistas que passam por ali todos os dias.
A reportagem da Agência Mural visitou a região e conversou com moradores que utilizam a bicicleta em seus deslocamentos.
Ciclistas contam que ficam até uma hora na espera por uma vaga no bicicletário. “Teve dia que não dava pra esperar e eu deixei [amarrada na árvore]”, afirma Adimilson do Nascimento, 32, morador do bairro Jardim Helena.
A atendente Rafaela Zorette, 25, diz que só coloca a bike na árvore “quando não tem jeito”. O medo, conta a moradora do Jardim Pantanal, na mesma subprefeitura, é que o veículo seja roubado.
“Deixo aqui [na rua] insegura. Dentro [do bicicletário], eu sei que os meninos cuidam”, explica Rafaela, citando os funcionários da CPTM.
Na estação Itaim Paulista, também na subprefeitura de São Miguel, o cenário de lotação no bicicletário se repete. Um espaço particular, localizado na mesma rua da estação, ajuda a aumentar a oferta de vagas para os ciclistas. Mas para estacionar é preciso pagar R$ 4. O plano mensal custa R$ 70.
Dona do espaço, Mara Arlene, 66, conta que o marido decidiu abrir o bicicletário ali há mais de 15 anos, quando a CPTM ainda não tinha um espaço próprio para as bicicletas dos passageiros.
Em 2008, quando o bicicletário da estação foi inaugurado, ela pensou que o negócio da família iria degringolar: “Achei que ia ter que fechar”, conta Mara.
Ao contrário do que ela imaginava na época, no entanto, o número de ciclistas só aumentou com o tempo. Hoje, o espaço dirigido por ela e o marido consegue receber até 50 bikes por dia.
Para receber e devolver os veículos aos donos, Mara dorme só depois que o último trem passa, por volta da uma hora da manhã. No dia seguinte, acorda quando a estação abre. “Tem que estar de pé quatro horas [da madrugada]”, conta ela.
Um dos usuários do bicicletário, Eidson Edmundo, 40, diz que a escolha por andar de bicicleta envolve uma economia para os usuários, mesmo estacionando na garagem particular. Montador de drywall em casas da região, ele relata que consegue economizar até R$ 250 por mês usando a bicicleta ao invés do transporte público.
Além disso, conta Eidson, pegar ônibus em São Miguel Paulista é sempre um problema. “O ônibus demora muito”, afirma o morador.
O cicloativista Rogério Rai, 33, explica que três fatores principais ajudam a entender por que as bicicletas são tão utilizadas na região: o relevo formado por ruas planas, o transporte público ineficiente e a economia nos custos com deslocamento, já que o pedal é a uns dos modais mais acessíveis.
Além disso, comenta ele, as bicicletas proporcionam lazer e esporte dentro do bairro.
“A bicicleta tem esse fator também de ser lazer, de ser esporte e uma forma de mobilidade para qualquer lugar. Então você acaba colocando na sua cultura local”
Rogério Rai, 33, cicloativista
O ativista é coordenador da campanha Delivery Justo, um projeto criado durante a pandemia para capacitar entregadores de bicicleta e ajudá-los na relação com os comerciantes locais.
A iniciativa é um exemplo da presença forte dos chamados “ciclo entregadores” na região. O vai-e-vém das entregas nas ruas lembra o bairro de Pinheiros, na zona oeste da capital. As duas subprefeituras, no entanto, têm uma diferença gritante quando o assunto é infraestrutura cicloviária.
Enquanto em São Miguel há 18,75 km de ciclovias e ciclofaixas implantadas, a subprefeitura de Pinheiros tem mais de 30 km.
A expansão da malha cicloviária é uma das reivindicações de moradores da subprefeitura, que cobram que melhor infraestrutura no acesso às estações e também dentro dos bairros.
Para o ciclo-entregador Ewerton da Silva Oliveira, 31, que mora em São Miguel, a prefeitura também deveria investir em transformar os bicicletários da região em espaços de descanso para os ciclistas. “Quem trabalha com entregas normalmente não tem um lugar para parar”, diz.
“Ele [o entregador] tem que comer em uma praça, comer às vezes em uma calçada. Os bicicletários hoje deveriam ser repensados não só para guardar as bicicletas, mas também para ser um local de repouso, de descanso para o próprio ciclista”, defende o jovem.
Ewerton é membro de uma iniciativa surgida a partir do Delivery Justo, a Ciclo Log leste, que oferece serviços de logística com bicicletas.
Os vários projetos locais envolvendo o uso do modal chamam a atenção para o potencial que o incentivo às magrelas pode trazer para a economia local. Atualmente, a subprefeitura tem até grupo de rota turística feita com bicicletas.
“Muita gente acha que não existe cicloturismo na quebrada, mas muito pelo contrário”, conta João Vitor Santos, 18.
Ele é membro da Pedale-se, uma empresa que oferece roteiros de turismo contando a história de pontos importantes da região, como a construção da Capela São Miguel Arcanjo, primeiro templo religioso de São Paulo.
Para moradores da subprefeitura, a implementação de uma ciclorrota por parte da prefeitura poderia ajudar a suprir a ausência de atividades de cultura e lazer ligadas à bicicleta nos bairros.
Moradores do Jardim Pantanal fizeram uma proposta para que a prefeitura apoie a criação de uma ciclorrota de turismo na região da subprefeitura de São Miguel. A demanda está entre outras listadas pela população no Plano de Bairro do Jardim Pantanal, projeto que mapeou as principais necessidades da comunidade.
O documento foi publicado no fim do ano passado e tem a intenção de servir como um guia para ações e políticas públicas na região.
Em nota, a prefeitura de São Paulo afirmou que o Plano de Metas da Prefeitura de São Paulo prevê implantar até o ano de 2024, mais 300 km de novas estruturas cicloviárias na cidade, e que a subprefeitura de São Miguel Paulista receberá mais 3,7 km de novas estruturas cicloviárias.
A nota diz ainda que todo o processo de planejamento e implantação da malha cicloviária é feito de maneira transparente.
Em resposta aos questionamentos sobre a demora dos ônibus em São Miguel Paulista, a SPTrans afirmou que fiscaliza o intervalo e o cumprimento das viagens de ônibus em São Paulo eletronicamente, “com cobertura de 100% da frota de coletivos por meio de tecnologia GPS”.
“Para que se possa verificar a necessidade de ajustes nos intervalos ou na fiscalização das viagens, é preciso informar as linhas e horários em que estariam ocorrendo os intervalos excessivos relatados pela reportagem. As duas regiões citadas são atendidas por linhas de ônibus”, finaliza a nota.
A CPTM não respondeu se tem planos de expandir os bicicletários das estações Jardim Helena – Vila Mara e Itaim Paulista. A companhia citou que 20 estações de suas linhas possuem bicicletários, totalizando 5.703 vagas.
Jornalista, cria de uma família de cearenses. Apaixonada por São Paulo, bolos e banhos de mar. Correspondente do Grajaú desde 2017.
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