Falta de especialidades médicas e demora na administração de medicações são reclamações de moradora que viu a mãe falecer em hospital da Cidade Tiradentes
Por: Redação
Publicado em 12.02.2019 | 20:28 | Alterado em 12.02.2019 | 20:28
Habitualmente, como fazia algumas vezes por semana, Juara Diniz, 57, moradora de Cidade Tiradentes, no extremo leste da cidade, se preparava para ir a uma clínica pública de hemodiálise no distrito vizinho, São Mateus.
Por ter diabetes, ela fazia o procedimento por conta de disfunções nos rins. Enquanto se vestia, fortes dores de cabeça, fala confusa e tontura a acometeram.
Sua filha Thaianne Diniz Silva, 30, preocupada com a sessão de hemodiálise da mãe, achou melhor levá-la ao centro clínico responsável pelo procedimento. Chegando ao local, o diagnóstico: um acidente vascular cerebral (AVC).
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“Eles não chamaram a ambulância. Disseram que demoraria muito e o estado dela era grave. Então a levamos por conta própria ao Hospital Cidade Tiradentes, por ser o mais próximo de casa”, comenta Thaianne.
Juara trabalhava na unidade em questão na área da lavanderia. “Um dos enfermeiros disse para colocá-la em uma sala próxima aos médicos. E que deixá-la na sala do choque era desumano”, diz.
No hospital, o único do bairro, o atendimento emergencial da equipe hospitalar foi rápida, mas a chegada de remédios para diminuir a pressão demorou mais de três horas, de acordo com a filha.
“Eles só aplicavam morfina para ela não sentir dor. A pressão dela estava muito alta. Essa demora com certeza agravou o quadro. Quando ela fez um movimento brusco e se deitou na maca na sala de choque, ela gritou de dor e, em seguida, entrou em coma”
Thaianne Diniz, moradora da Cidade Tiradentes
Thaianne também reclama da falta de especialidades médicas no local. Sua mãe teve que ser transferida para Itaquera para receber atendimento de um neurocirurgião e depois retornou ao Hospital Cidade Tiradentes para cuidados paliativos.
NOME ÀS ESTATÍSTICAS FÚNEBRES
Juara passou cerca de quatro meses internada no hospital e completou 58 anos de idade no local. Alguns dias depois, faleceu por conta das complicações no quadro do acidente vascular cerebral.
Chefe da família, a morte foi um baque para Thaianne, que morava com ela, a tia, o marido e quatro filhos em um apartamento da Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação).
O triste evento para a família Diniz também se agregou à fúnebre estatística do distrito, que tem um dos menores indicadores da idade média ao morrer em toda capital: 58,45 anos, de acordo com o estudo Mapa da Desigualdade 2018, feito pela Rede Nossa São Paulo.
São cerca de 23 anos a menos do que no Jardim Paulista, distrito onde se registrou a maior idade média de vida (81,58 anos), segundo a pesquisa.
OS MAIS POBRES VIVERÃO MENOS?
Para Paulo Alexandre de Moraes, bacharel e mestre em Ciências Sociais pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), a pobreza não se mede apenas pela falta de dinheiro ou de bens de consumo.
“Falta de moradia adequada, de saneamento básico, de água tratada e de atendimento médico são fatores essenciais tanto para compreender a pobreza, quanto a expectativa de vida menor entre os mais pobres”
Paulo Alexandre de Moraes, sociólogo
Em 2017, a expectativa de vida ao nascer dos brasileiros era de 76 anos, conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). No mesmo ano, a idade média ao morrer só foi compatível com a expectativa de vida em 20 dos 96 distritos de São Paulo.
“Há, de fato, uma diferença entre idade média ao morrer e expectativa de vida ao nascer. Expectativa é algo para o futuro de quem nasce. Idade média de óbito reflete fatores do percurso de vida, do passado até os dias de hoje. São coisas diferentes, ainda que relacionadas”, explica Moraes.
O Hospital Cidade Tiradentes foi inaugurado em 2007. Antes disso, a população tinha à disposição apenas UBSs (Unidades Básicas de Saúde) e prontos atendimentos no bairro. Quadros de saúde mais graves precisavam ser transferidos para os distritos de Guaianases e Itaquera, que já contavam com hospitais na época.
“Pense quantas pessoas deixaram de ser atendidas ou não procuraram atendimento por causa da distância antes de 2007. Um rico que mora no bairro Praia Azul, na beira da Guarapiranga, por exemplo, pega seu carro e vai até o [Hospital Israelita Albert] Einstein. A senhorinha lá do fundo da Cidade Tiradentes vai no farmacêutico e toma um Tylenol”, exemplifica o sociólogo.
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Para Eline Ethel, especialista em saúde da família pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), o problema da mortalidade vai além e também está ligado diretamente ao baixo acesso à informação nos extremos.
“Eu vejo no meu trabalho a luta para que as pessoas tenham acesso à informação e à saúde de qualidade. E, assim, possam decidir sobre o que fazer (ou não) com a sua saúde e com o seu viver”, comenta Eline, que trabalha com atenção básica à saúde como médica da família.
A especialista observa que, nas periferias, as pessoas estão morrendo cada vez mais cedo.
“Os eventos cardiovasculares estão muito relacionados à forma e ao estilo de vida e alimentação que a pessoa tem. Isso está muito ligado com o quanto a pessoa ganha para conseguir se alimentar adequadamente e as informações sobre a forma de vida dela”
Eline Ethel, especialista em saúde da família
O estudo internacional Social rank: a risk factor whose time has come? (Classificação social: um fator de risco na hora de partir?, em tradução livre), publicado pela The Lancet, revela que a pobreza afeta a saúde tão prejudicialmente como o álcool, o sedentarismo, a hipertensão, a obesidade e o diabetes.
Além disso, a pesquisa mostra que a capacidade de encurtar a vida é maior do que vários desses fatores, sendo entre indivíduos com 40 anos uma das principais causas do encurtamento da vida em até dois anos.
BARATAS NA UTI
Há pouco mais de dois meses, Thaianne retornou ao Hospital Cidade Tiradentes. Dessa vez, para socorrer a tia Sônia Diniz, 62, que também tem diabetes. Os cuidados com a dieta, que deve ser restrita, não foram seguidos, o que agravou o quadro da doença.
Ela precisou ser internada. No decorrer de sua estadia no equipamento de saúde estadual, contraiu pneumonia e precisou ser entubada e encaminhada à UTI (Unidade de Tratamento Intensivo).
“Uma das vezes em que fui visitá-la na UTI, vi baratas saindo de um ralo. Quando questionei a enfermagem, eles disseram que é assim mesmo, por conta do calor, e que não tinha o que fazer”
Thaianne Diniz, moradora da Cidade Tiradentes
Com o tempo, a infecção de Sônia cessou e ela foi retirada dos equipamentos de respiração artificial. Mas o tempo em coma fez com que ela perdesse grande parte dos movimentos.
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Agora, a preocupação da família é como ela voltará a viver no apartamento com eles — que fica no último andar de um prédio que não tem elevador. É preciso encarar 48 degraus até se chegar à porta da residência.
“A médica disse que precisamos alugar uma casa térrea. Mas como vamos fazer isso da noite para o dia? Não somos ricos. Ela vai ter que voltar a andar”, reclama Thaianne.
OUTRO LADO
Em nota, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) esclarece que o Hospital Cidade Tiradentes mantém contrato com uma empresa especializada no controle de pragas.
Quinzenalmente são realizadas visitas para o monitoramento e dedetização dos ambientes, sendo que a última ocorreu no dia 12 deste mês.
A secretaria também ressalta que não há registro de baratas nas Unidades de Terapia Intensiva e todas as instalações contam com ralos dotados de sistema para fechamento.
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Sobre o caso da moradora Juara Diniz, a pasta informa que, nos registros da Ouvidoria do hospital, não consta nenhuma reclamação relacionada ao atendimento prestado a paciente.
Por fim, a SMS informa que o Hospital Cidade Tiradentes realiza, em média, 17 mil atendimentos no pronto-socorro, 530 cirurgias e 10,9 mil exames por mês, sendo referência na região para atendimentos de baixa e média complexidade.
https://32xsp.org.br/2017/03/13/moradores-desmistificam-cidade-tiradentes-como-um-bairro-dormitorio/
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