Doses escalonadas são comuns em programas de vacinação e servem para reforçar a primeira dose
Itamar Aguiar/Palácio Piratini
Por: Redação
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Publicado em 18.01.2021 | 18:03 | Alterado em 22.11.2021 | 16:38
- Enganoso
- Doses escalonadas são comuns em programas de vacinação e servem para reforçar a primeira dose. A taxa de eficácia global da CoronaVac, de 50,38%, não indica que metade dos vacinados vai pegar a doença e a outra metade, não.
É enganoso o tuíte do deputado federal Eduardo Bolsonaro em que ele relaciona a taxa de eficácia global da CoronaVac no Brasil, de 50,38%, à necessidade de aplicação de uma segunda dose da vacina contra a covid-19. Doses escalonadas são comuns em programas de vacinação e servem para reforçar a primeira dose, o que é previsto na cartilha de vacinação do Ministério da Saúde inclusive para imunizantes contra doenças como a febre amarela e a gripe. As vacinas desenvolvidas pelo laboratório Pfizer e pela Universidade de Oxford, em parceria com a Fiocruz, também necessitam de duas doses para a imunização total.
Segundo dois especialistas ouvidos pelo Comprova, a taxa de eficácia de 50,38% é muito boa na prevenção de novos casos da doença e para diminuir os casos graves de covid-19. A taxa de eficácia indica a chance que uma pessoa imunizada tem de não contrair a doença. E não significa que metade dos vacinados vai pegar a doença e metade, não. Na verdade, o imunizante diminui em 50,38% a probabilidade de apresentar covid-19. O mínimo estabelecido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é de 50% – a CoronaVac, portanto, tem grau de proteção satisfatório. Além disso, segundo os especialistas, a taxa de eficácia ajuda a determinar a meta de cobertura vacinal, ou seja, quanto menor a eficácia, mais ampla a vacinação deverá ser.
Entramos em contato por e-mail com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), mas não tivemos resposta até a publicação desta verificação.
Questionamos o Instituto Butantan sobre os dados divulgados quanto à eficácia global da vacina e também sobre um comentário feito na semana passada pelo do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, sobre a estratégia de priorizar a imunização do maior número de pessoas, antes de pensar na aplicação da segunda dose.
Conversamos com os professores e pesquisadores do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública (IPTSP) da Universidade Federal de Goiás (UFG), João Bosco e Moara Borges. Consultamos os estudos e pesquisas sobre as vacinas produzidas no Brasil e as recomendações da Organização Mundial de Saúde sobre as medidas de segurança no período de vacinação.
Estudos científicos da CoronaVac
O Instituto Butantan anunciou em 12 de janeiro que a vacina CoronaVac, produzida em parceria com o laboratório chinês Sinovac, obteve 50,38% de eficácia global no estudo clínico desenvolvido no Brasil, além de proteção de 78% em casos leves e 100% contra casos moderados e graves da covid-19.
Em nota enviada ao Comprova, o Butantan afirmou que “todos os índices são superiores ao patamar de 50% exigido pela OMS (Organização Mundial de Saúde). Os dados deixam claro a importância do impacto para a saúde pública com o imunizante que impede que a forma grave ou moderada da doença”.
Os ensaios clínicos da CoronaVac incluíram a aplicação de duas doses do imunizante com intervalo de 14 dias e, de acordo com o instituto, esse reforço não pode ultrapassar o período de 28 dias entre as aplicações.
A Organização Mundial de Saúde (OMS), em declarações recentes, diz que as vacinações que já começaram em alguns países não tiveram impacto na diminuição da transmissão de covid-19. A professora Moara Borges lembrou que “para a vacina ter uma efetividade precisa de pelo menos de 10 a 14 dias depois da segunda dose para considerar essa proteção total que foi avaliada pelo Butantan”. Portanto, a recomendação da OMS é que as pessoas mantenham o uso de máscara e o isolamento social.
O professor João Bosco, do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da UFG, afirma que a segunda dose existe para reforçar os efeitos da primeira dose. “Essa lógica de reforço existe para múltiplas vacinas, agora a expectativa para imunizar um indivíduo uma vacina com mais de 50% de eficácia ela já pode ter uma repercussão muito grande e muito boa na prevenção de novos casos da doença”, afirma.
A professora do mesmo instituto da UFG, Moara Borges, afirma que o ideal é que aconteça um reforço com a segunda dose da vacina para que o organismo se especialize mais em se defender do vírus.
Para a professora, com as duas doses da vacina o organismo “produz anticorpos mais rápido” e “faz identificar esse vírus mais rápido”. Dessa forma, o corpo consegue produzir a melhor resposta para combater o Sars CoV-2. Além da CoronaVac, as vacinas desenvolvidas pelo laboratório Pfizer e pela Universidade de Oxford, em parceria com a Fiocruz, necessitam de duas doses para a imunização total.
As vacinas foram o principal mecanismo de redução da mortalidade por doenças infecciosas no último século. Segundo a professora Moara Borges, é um erro grave acreditar que com uma única dose as pessoas estarão protegidas e não serão capazes de infectar outras pessoas. Ela foi enfática ao afirmar que o objetivo da vacina é diminuir os casos graves. E lembrou que a vacina tem uma grande importância na questão de saúde pública, diminuição da lotação nos hospitais e o número de mortes.
De acordo com o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a covid-19, publicado em 21 de dezembro de 2020 pelo Ministério da Saúde, a CoronaVac era uma das 13 vacinas em fase 3 de pesquisa clínica, etapa que avalia a segurança e a eficácia do imunizante. A partir dos dados levantados nesse estágio é que é possível submeter uma vacina ao registro e à aprovação para uso. Contudo, no dia 17 de janeiro, em uma reunião da equipe técnica e diretoria da Anvisa, o uso emergencial da CoronaVac foi aprovado por unanimidade.
No mesmo documento, o Ministério da Saúde destaca que o esquema vacinal da CoronaVac, assim como a maior parte das vacinas candidatas, exige a aplicação de duas doses, no intervalo de 14 dias. Entretanto, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse durante uma coletiva de imprensa realizada na cidade de Manaus (AM), em 11 de janeiro de 2019, que o programa de vacinação contra a covid-19 que será implementado pelo governo pretende priorizar a aplicação da primeira dose no maior número possível de pessoas, antes de iniciar a aplicação da segunda dose. No dia 18 de janeiro, o Ministério da Saúde começou a distribuição de doses da CoronaVac pelo Brasil.
Em nota, o Instituto Butantan informou que “os ensaios clínicos contemplaram a aplicação de duas doses do imunizante com intervalo de 14 dias, podendo chegar até 28 dias entre as aplicações, não sendo recomendado o ultrapassar o prazo previsto para que os números se assemelham aos apresentados nos testes”.
O Instituto disse ainda que o estudo da CoronaVac foi submetido e aprovado por um comitê internacional independente, e apresentado à Anvisa conforme as normas estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde. “Os resultados não teriam sido enviados à Anvisa se o índice mínimo de eficácia global não tivesse sido atingido. Quem põe em dúvida o resultado apresentado especula contra a ciência e só favorece teorias conspiratórias”, finaliza a nota.
Para o professor João Bosco, do IPTSP/UFG, a utilização de qualquer imunizante, independentemente da taxa de eficácia, precisa ser combinada a uma ampla cobertura vacinal. Segundo ele, quanto mais baixa a eficácia, mais ampla deve ser a vacinação para alcançar um impacto similar ao da vacina com eficácia mais alta – e uma cobertura vacinal ampla diminui o surgimento de novos casos.
A taxa da eficácia da CoronaVac foi de 50,38%, significa que a cada 100 pessoas vacinadas que tiveram contato com o vírus, 50,38 não vão manifestar sintomas da doença por conta do efeito imunizante da vacina.
A eficácia é a taxa calculada a partir da incidência dos casos de covid-19 em pessoas que foram vacinadas em uma pesquisa clínica e a incidência de casos da doença no grupo controle, que recebeu a aplicação de um placebo. A taxa de eficácia serve para o governo planejar a meta de vacinação e chegar à imunidade de rebanho. Contudo, a OMS já declarou que a imunidade coletiva não será alcançada em 2021. O ideal, neste momento da pandemia, é vacinar o maior número de pessoas e diminuir a gravidade da covid-19.
A Sociedade Brasileira de Imunizações emitiu nota no dia 13 de janeiro avaliando os estudos científicos das vacinas, e explicando que eles possuem métodos e abordagens diferentes entre si. Por isso, as taxas de eficácia não são comparáveis.
A CoronaVac alcançou 78% de eficácia em casos leves e nenhum dos participantes que receberam as doses da vacina apresentou casos graves e moderados. A taxa de eficácia de 50,38% inclui todos os participantes que ficaram doentes independente da gravidade.
Em sua terceira fase, o Comprova investiga conteúdos duvidosos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia do novo coronavírus. Conteúdos falsos sobre vacinação prejudicam o trabalho dos pesquisadores e diminuem a confiança sobre a necessidade da vacinação.
A postagem do deputado Eduardo Bolsonaro alcançou 9,8 mil curtidas e 1,3 mil compartilhamentos até a publicação desta verificação. Ao fazer uma ironia usando um cifrão na pergunta que publicou – “Será que precisaríamos então de duas doses da vacina? $erá?” – levou leitores a acreditar que a segunda dose seria necessária para alcançar a eficácia total de 100% do imunizante, já outros entenderam que a eficácia divulgada serviria para justificar a compra de mais vacinas, fazendo com que o governo gastasse mais dinheiro.
Essa não é a primeira vez que o Comprova verifica uma publicação do deputado. No final de julho de 2020, Eduardo Bolsonaro postou o trecho de um vídeo, que retirava de contexto o uso da cloroquina nos hospitais para tratamento de Covid-19.
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