As chamadas Organizações Sociais gerenciam mais de 80% dos serviços de alguns bairros das periferias da cidade
Léu Britto/Agência Mural
Por: Matheus Oliveira
Notícia
Publicado em 31.08.2020 | 11:19 | Alterado em 09.09.2020 | 15:14
No último 28 de junho, o filho da aposentada Célia Gonçalves, 70, foi atropelado na frente de casa em Perus, na região noroeste de São Paulo. Com dores no ombro eles partiram para UPA (Unidade de Pronto Atendimento) e no dia seguinte foram à UBS (Unidade Básica de Saúde), ambas do bairro.
“Na UPA, nossa, foi um espetáculo, mas na UBS foi um horror. Duas enfermeiras e um enfermeiro me atenderam e acharam que a UPA fez errado, que era para mandar engessar, mas estava escrito na receita que era para usar tipoia”, diz Célia.
Com a discussão, o rapaz foi encaminhado para o Hospital de Pirituba. Célia julga o serviço das unidades como irregular.
Segundo a Rede Nossa São Paulo, em 2019, 56% dos paulistanos avaliaram a saúde pública como ruim ou péssima. E boa parte desse serviço na cidade é feito não pela prefeitura, mas por empresas contratadas.
As três unidades utilizadas por Célia e seu filho são feitas por uma terceirizada. A SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina) administra a UPA Perus, UBS Perus e o Hospital de Pirituba, além de outras 149 unidades de saúde por toda a cidade de São Paulo.
Na capital, 67% das unidades são administradas por OSS (Organizações Sociais de Saúde), segundo levantamento da Agência Mural. Em várias regiões das periferias da cidade, a presença é ainda maior. Em Perus, por exemplo, 85% das unidades são terceirizadas, patamar semelhante a outros seis distritos. Em Cidade Ademar, na zona sul, todos os 29 espaços de saúde são feitos por contratadas.
“[O governo] não pode repassar esse valor para contratar servidor diretamente, porque fere a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas pode repassar para fazer a contratação de uma entidade que vai fazer a gestão do serviço”, diz a pesquisadora na área da saúde Ana Carolina Navarrete, 33.
Há mais de 20 anos, a saúde na cidade de São Paulo passa por privatizações. No combate à pandemia de Covid-19 não é diferente. Entre contratações para gerir os hospitais de campanha e o aluguel de leitos na rede privada, a prefeitura empregou R$ 107 milhões.
Navarrete destaca que contratações feitas pelo setor público com o setor privado podem ser consideradas privatizações e que o termo é mal visto desde as vendas de empresas estatais nos anos 1990.
“A terceirização pode acontecer tanto no setor público quanto no setor privado. A privatização envolve o setor público ou contratar ou passar uma parte do seu serviço ou do seu processo produtivo para o setor privado”, explica Navarrete.
A pesquisadora detalha as diferenças entre a administração da prefeitura e as Organizações Sociais. “OSS podem fazer tudo que a administração direta faz, só que sem ter que fazer concurso público e sem ter que fazer licitação”.
De acordo com a SMS (Secretaria Municipal de Saúde), Organização Social é um título que o governo entrega a entidades privadas, que não visam o lucro, para firmar contratos de gestão de equipamentos e serviços públicos.
Sobre a justificativa para contratar as OSS em detrimento da administração direta (quando a própria prefeitura mantém o serviço), a SMS se limitou a dizer que “a lei confere ao administrador a liberdade de examinar a conveniência e a oportunidade de qualificar como organização social a entidade pleiteante, de modo que possa verificar se é de interesse público transferir ao setor privado o serviço que vem sendo realizado pela própria Administração”.
SEM CONTINUIDADE
Por contratar funcionários em regime CLT, por exemplo, as OSS podem demitir, ou perder, funcionários e consequentemente cortar a relação entre o médico e o paciente.
Integrante há mais de 40 anos de movimentos sociais na região de Perus, Mário Bortoto, 63, reclama da descontinuidade do serviço ao usuário. “Então o médico está sem emprego, ele aceita vir trabalhar na periferia. Mas aí três ou quatro meses depois ele arruma emprego em um lugar melhor e vai embora.”
Para a advogada Silvana Camargo, 47, a terceirização é uma política de governo. “Se a prefeitura cancelasse todos os contratos com as OSS São Paulo não teria como atender a população, porque não tem concurso público”.
Silvana e Mário fazem parte do conselho gestor das UBS Perus e da UPA Perus respectivamente, as mesmas unidades que Célia levou o filho para tratar o ombro.
O conselho gestor é formado por usuários, trabalhadores e gerentes da unidade. “O conselho tem reunião uma vez por mês. A gestão apresenta como é que está a unidade, as contratações. E a gente propõe melhorias, sugestões”, completa Silvana.
Em São Paulo há o Conselho Municipal de Saúde, os Conselhos das Supervisões Regionais de Saúde e os Conselhos Gestor das Unidades responsáveis por fiscalizar o trabalho da administração direta e das OSS.
Mário também faz parte do Conselho da Supervisão Regional de Saúde Perus/Pirituba e destaca a importância da participação dos usuários, “denúncias são colocadas na reunião quando determinado. O conselho discute e delibera uma posição”.
Outra função dos conselhos é verificar a prestação de contas, seja da unidade ou da supervisão regional, o que segundo Silvana demanda mais empenho, “você tem que ter um bom contador para você conseguir entender aqueles números. Mesmo que eles prestem contas não é fácil a população entender”.
As contratações consomem uma boa parte do orçamento destinado para o setor. Dos mais de R$ 11 bilhões empenhados na saúde pela prefeitura de São Paulo, em 2019, cerca de 4 bilhões foram para o pagamento das OSS, segundo informação obtida pela Agência Mural via LAI (Lei de Acesso à Informação).
A cada R$ 100 empregados na saúde R$ 40 vão para as Organizações Sociais de Saúde.
Jornalista, educomunicador e correspondente de São Mateus desde 2017. Amante de histórias e de gente. Olhar sempre voltado para o horizonte, afinal, o sol nasce à leste.
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