Ira Romão/Agência Mural
Por: Eduardo Silva | Ira Romão
Notícia
Publicado em 17.09.2021 | 12:01 | Alterado em 13.06.2022 | 13:02
Há três meses, a operadora de telemarketing Caroline Costa, 24, se mudou para o bairro do Cantagalo, em Pirituba, na zona norte de São Paulo. Ao ir para o trabalho, ela utiliza um aplicativo que informa o trajeto e o horário dos ônibus em tempo real, o que ajuda a não ficar aguardando o coletivo por muito tempo no ponto.
“Quando morava na Vila Zatt [que fica no mesmo distrito], eu saía de casa um pouco mais cedo e tinha receio de ficar no ponto de ônibus por conta de roubos e outras coisas”, narra Caroline. “Se estou atrasada e sei que o ônibus está vindo, já acelero o passo. Mas aqui o sinal da internet é um pouco mais baixo. Lá era raro faltar.”
A moradora relata que nem sempre o aplicativo é atualizado corretamente, pois o sinal da internet oscila muito no caminho, que dura aproximadamente 10 minutos. “Tenho que passar por uma estrada de terra e o percurso é um pouco longo. Em algumas partes, o sinal funciona, mas em outras não”, diz.
O mesmo ocorre no itinerário que ela faz até a empresa. O ônibus percorre uma boa parte da avenida Raimundo Pereira de Magalhães, até a Lapa, na zona oeste. “Praticamente a avenida toda não tem sinal de nada. Não dá para fazer uma ligação, nem verificar se alguém mandou mensagem nas redes sociais”, expõe Caroline.
O acesso aos aplicativos e à internet móvel modificou a forma como as pessoas circulam pela cidade. Utilizá-los para otimizar o tempo ao longo do deslocamento deveria ser uma facilidade, mas se torna um desafio para quem mora, trabalha ou passa em áreas onde a conectividade é precária ou inexistente.
Na quinta reportagem da série sobre mobilidade nas periferias, abordamos como a falta de sinal de internet ou telefonia pode ser um problema para muitos paulistanos e paulistanas, seja para fazer ligações, solicitar um carro por app ou acompanhar o trajeto do ônibus em tempo real.
Na casa da professora de educação infantil Blenda Haida, 29, a internet funciona apenas em um cômodo. “A rede móvel que uso, da operadora Oi, é uma das poucas que pegam no bairro. Mas dentro de casa ela só funciona na cozinha, em cima do vitrô da janela”, conta Blenda.
Ela vive no Residencial Sol Nascente, no distrito de Anhanguera, zona noroeste de São Paulo. Segundo ela, o sinal da rede wi-fi também apresenta falhas, principalmente em casos de chuva ou ventos fortes. “É bem complicado, porque num dia que chove e você precisa chamar um carro por aplicativo ou algo do tipo, não tem como”, desabafa.
No percurso até o trabalho, que fica no distrito vizinho, em Perus, a falta de sinal também traz dificuldades para a mobilidade. Blenda faz uso de duas conduções e a falta de internet a deixa sem comunicação ao longo do trajeto.
A professora já passou por situações em que precisou do acesso à internet e não conseguiu. Uma delas ocorreu quando voltava para casa e já estava próxima à entrada do bairro, no km 24 da Anhanguera. “Tinha sofrido uma tentativa de assalto. Estava muito nervosa e tentei entrar em contato com minha família, mas não tinha sinal de internet nem para fazer ligações”, lembra Blenda.
“Não consegui avisá-los e acabei tendo que ir a pé para casa, porque já passava das 22h e não tinha mais circulação de ônibus no bairro.”
Entre os problemas que levam a dificuldade com a conexão de internet – e impossibilita o uso de serviços e aplicativos – é a sobrecarga das estações de telecomunicações espalhadas pela cidade.
Em São Paulo, existem 7.509 estações e o ideal, para garantir o bom funcionamento do sinal de celulares, é que menos de mil habitantes façam uso de cada torre.
No entanto, apenas 20 dos 96 distritos da capital estão abaixo dessa marca. Em distritos das periferias, o número é 10 vezes maior que o recomendado, como é o caso do Iguatemi (10.639 pessoas por torre) e de Cidade Tiradentes (9.614 habitantes), ambos na zona leste. Os dados são da Associação Brasileira de Infraestrutura para Telecomunicações.
Caroline Costa no ponto de ônibus enquanto tenta conectar celular @Ira Romão/Agência Mural
Bairro do Cantagalo fica em Pirituba, na zona norte de São Paulo @Ira Romão/Agência Mural
Infraestrutura ainda é precária em partes do bairro onde vive Caroline @Ira Romão/Agência Mural
Bairros da cidade têm poucas antenas para o número de habitantes @Ira Romão/Agência Mural
Uma das regiões com reclamações constantes é Parelheiros, no extremo sul de São Paulo. Por lá, moradores da Estrada da Barragem também se queixam da falta de sinal. Pela região, há vias que não são atendidas nem pelas linhas municipais, o que leva a caminhadas de até 30 minutos para chegar ao ponto de ônibus mais próximo.
A manicure Fabiana Sales, 28, explica que funciona apenas a internet de cabeamento no bairro, mas a conexão também é fraca.
“É muito difícil pegar sinal de celular e de internet. Tem que subir nos lugares altos e, mesmo assim, é um pouco complicado”, diz. “Você não consegue chamar um carro por app, por exemplo, a não ser que você vá para [o centro de] Parelheiros de ônibus. Aqui, mesmo conseguindo um sinal, o motorista não vem até onde a gente mora”, relata.
Segundo uma pesquisa do Instituto Datafolha, encomendada pela 99, aplicativo de mobilidade urbana, um em cada quatro brasileiros pertencentes à classe C não tem aplicativos de transporte instalados no celular, sendo que a maioria declara ser por falta de conexão e ou pacote de dados móveis.
Quem também passa por situações semelhantes é Letícia Nunes, 19, que também mora em Barragem. “Tem vezes que o bairro fica vários dias sem conexão e não dá nem para usar o chip do celular porque não tem rede”, conta.
Quando alguém vai até lá utilizando a linha de ônibus (a única existente na região) ou carro próprio com uso de GPS, a falta de sinal também é um obstáculo. “Se alguém vier pra cá, tem que avisar quando sair de Parelheiros para a gente ficar na rua esperando, pois não tem sinal para saber onde a pessoa está. Sempre acontece com os entregadores, que ficam perdidos.”
Outro recurso que facilitaria a conexão durante os deslocamentos pela cidade é a rede gratuita de wi-fi nos ônibus municipais ou terminais urbanos. Esse serviço, entretanto, nem sempre funciona bem nas áreas com histórico de falta de sinal de internet.
“Ando bastante de ônibus e não consigo conectar o wi-fi aqui na região. Só consigo nos ônibus que vão para o centro da cidade, para Santo Amaro ou Vila Mariana. Mas aqui você não consegue conectar de jeito nenhum. Nunca consegui”, complementa Fabiana.
Em São Paulo, a conexão por wi-fi começou a ser implantada nos ônibus do transporte público municipal a partir de 2014.
Atualmente 5.027 coletivos da cidade possuem internet por wi-fi, o que corresponde a 43% da frota operacional.
A prefeitura tinha a previsão de levar a conexão para dentro de toda a frota até setembro de 2021, conforme apontou uma matéria doUOL. No entanto, a SPTrans informa que o prazo contratual está suspenso.
“O processo de instalação desse serviço nos coletivos municipais ocorre de maneira gradativa e, por enquanto, não há data limite para sua conclusão”, explica em nota.
Em relação à qualidade da conexão nos ônibusque circulam emParelheiros e em outros bairros com histórico de falta de internet, a empresa diz que os equipamentos estão sujeitos à disponibilidade de sinal do provedor de telefonia.
Editor-assistente da Agência Mural. Fã de cultura pop, música, gatos e filmes de terror. Correspondente de São Miguel Paulista desde 2017.
Jornalista, fotojornalista e apresentadora de podcast. Atuou em comunicação corporativa. Já participou de diferentes projetos como repórter, fotógrafa, verificadora de notícias falsas e enganosas. Foi uma das apresentadoras do ‘Em Quarentena” e da série sobre mobilidade nas periferias. Ama ouvir histórias, dançar, karaokê e poledance. Correspondente de Perus desde 2018.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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