Com apenas 10 violões, o professor de história Júlio Soares, 26, está tocando um projeto musical voltado para crianças e jovens do Horto, bairro de Juazeiro do Norte, no Ceará. Todas às quartas-feiras, à noite, ele divide os cerca de 30 alunos em duas turmas, para o revezamento dos instrumentos disponíveis, em um salão da Escola Municipal de Ensino Infantil Senadora Alacoque Bezerra.
O projeto Amigos da Música, criado por Soares, é voluntário e teve início em outubro de 2020. As turmas são divididas por faixa etária. Às 19h, as aulas são para crianças com idades entre 6 e 12 anos; a segunda turma, voltada para alunos com idades a partir de 13 anos, começa a aula por volta das 19h40. Soares conta que a ideia de tocar em sala de aula veio antes mesmo dele se tornar professor.
“A música ajuda no processo de aprendizado, de humanização e cidadania. Ela serve até para relaxar os alunos e ajudá-los no processo de absorção dos conhecimentos. Uso a música também como uma maneira didática para explicar os conteúdos de filosofia e história que dou aula, e até mesmo como forma de entretenimento no finalzinho das aulas”, diz.
O educador diz que um dos objetivos do projeto também é preencher a ausência de políticas públicas voltadas para a comunidade. “Essas crianças vivem em situações de vulnerabilidade social. Moram aqui na comunidade que, infelizmente, não está sendo assistida por políticas públicas. E o objetivo é fazer com que elas tenham acesso à arte, que ocupem a mente com cultura e música. Quem sabe futuramente, e eu espero, saia um violinista, um músico, um artista daqui”.
Para a estudante Joice Gomes, 13, as aulas do Amigos da Música já surtiram efeitos em sua vida social. “Estou perdendo cada vez mais a minha timidez. Até na escola estou socializando mais com meus colegas de classe. Também canto em missas e, depois de um tempo, vou poder tocar também”.
E elogia a iniciativa do professor. “Acho muito bonito isso que ele está fazendo, dando aulas para gente sem cobrar nada. Já que ele está gastando o tempo dele para nos ajudar. Só agradeço a ele por fazer isso por todos nós”.
Para o estudante Cicero Gustavo, 16, as aulas são divertidas e o professor tem se empenhado a incentivar a turma. “Tem sido um dos momentos mais legais do meu dia, fico a semana inteira ansioso por chegar esse dia e estar sempre aprendendo algo mais”, conclui.
O estudante Ruan da Silva, 16, diz ter ficado nervoso em uma apresentação na igreja da comunidade. Ele foi um dos primeiros alunos do projeto e, atualmente, já auxilia o professor com os novatos. “É uma experiência muito boa, porque as pessoas não têm condições de pagar aulas de violões, são muito caras e o Julio nos disponibiliza essas aulas todas as quartas. Quero aprender cada vez mais”.
Sem investimentos financeiros, o professor conta que alguns alunos levam seus próprios instrumentos, e os violões utilizados em sala foram adquiridos por meio de rifas, colaboração de amigos e doações. Ele diz que gostaria de receber incentivos para o projeto.
“Não temos vínculos com igreja ou políticos. Não é que nós não quiséssemos apoio, é porque não chegou. Porque se vier vai ajudar essas crianças. Muitos clamam para levar um violão para casa, mas não posso deixar. E o sonho de muitos é ter um violão, mas os pais, muitas vezes, não têm condições de comprar”, lamenta.
Soares diz que a procura pelo curso é constante, mas por conta da quantidade de instrumentos não é possível aumentar o número de vagas. Para ele, a ideia da iniciativa é também multiplicar o conhecimento musical e alguns alunos já ajudam os iniciantes.
“Minha maior angústia é não ter mais instrumentos para trazer mais gente, porque sempre tem gente querendo participar. A música é combustível”, diz o professor que tatuou no braço a frase do filósofo alemão Friedrich Nietzsche: Sem a música a vida seria um erro.
Por Clarice Rosane, de Juazeiro do Norte, Ceará
Essa reportagem foi produzida por um dos estudantes universitários do Ceará participantes do “Acontece nas Escolas”, programa de bolsas de jornalismo da Agência Mural em parceria com o Instituto Unibanco. A iniciativa faz parte do Clube Mural, nossa área de treinamento e laboratório de prática e experimentos em jornalismo local e das periferias.