Universidade funciona com um prédio administrativo e tem apenas um curso em andamento; Moradores lutam pelo espaço desde os anos 2000
Matheus Oliveira / Agência Mural
Por: Matheus Oliveira
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Publicado em 19.10.2023 | 11:55 | Alterado em 19.10.2023 | 11:55
Prometida para 2014, a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) zona leste tem só o prédio administrativo e o curso de Geografia em funcionamento. Os alunos precisam ocupar espaços destinados aos funcionários e enfrentam uma estrutura precária.
Por trás desse problema enfrentado pelos alunos e professores, a unidade possui uma história de décadas de tentativa de movimentos da região para trazer o ensino superior público para o extremo leste de São Paulo.
O campus zona leste da Unifesp está no terreno da fábrica metalúrgica Gazarra, fechada em 1999. O ex-funcionário José Aparecido de Andrade, 61, trabalhou na Gazarra a partir de 1987 e conta que mudanças de planos econômicos dos anos 1990, abertura do mercado nacional a produtos importados e má administração levaram a empresa à falência.
José mora no bairro Gleba do Pêssego, em Itaquera, e nos anos 1980 participou do movimento de moradia da comunidade católica São Sebastião, no Jardim Eliam, também em Itaquera.
A articulação em prol da universidade precisou do apoio de lideranças locais e José intermediou uma conversa entre o hoje ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira (PT), com o Padre Ticão, liderança que atuava na região, o que levou tempo.
“O Padre Ticão encabeçou [a luta pela universidade] e trouxe todo mundo do PCdoB, os movimentos da educação e moradia, o PSOL, o PDT. Veio todo mundo lutar e isso foi em 2010”, afirma.
Pároco da Igreja São Francisco de Assis, em Ermelino Matarazzo, Padre Ticão liderou a luta pela Unifesp zona leste até sua morte em 2021. A engenheira ambiental, Rafaela Nascimento, 37, atuou junto ao Padre Ticão em comunidades eclesiais de base e destaca a importância do religioso na luta por direitos na zona leste.
“O Ticão ele era aquele ‘Trator de Deus’, como ele é conhecido. Ele que foi o precursor e o articulador de todo esse movimento. O Ticão conseguiu fazer com que nós nos encontrássemos nesse projeto sabendo da importância de trazer o desenvolvimento para a nossa região”, argumenta Rafaela.
Junto ao Padre Ticão, Rafaela participou de muitos atos em prol do campus zona leste e recorda com emoção das manifestações em defesa da educação na zona leste.
“Quando pisei aqui [no campus] eu lembrei dos primeiros abraços em torno do terreno. Em 2016 nós conseguimos adentrar de fato o campus. Não tem como não se emocionar, não sentir o cheiro da luta, da memória”, afirma Rafaela.
“A gente concretizar de fato a implementação da Unifesp é a realização de um sonho de muitas pessoas.”
A concretização, porém, ainda esbarra na situação do espaço. Para pedir o início da construção do campus, centenas de pessoas se reuniram na avenida Jacu Pêssego, em Itaquera, na zona leste de São Paulo, no último dia 2 de setembro.
Por meio de apresentações artísticas e falas políticas, o ato defendeu a construção total da universidade com salas de aulas, laboratórios e quadras poliesportivas.
O estudante de geografia do campus ZL da Unifesp e presidente do Centro Acadêmico de Geografia, Gabriel Henrique da Silva, 23, destaca que a luta pela universidade se propõe a debater como a cidade é planejada.
“O campus vem da demanda popular de ter uma universidade que pudesse suprir essa quantidade imensa de pessoas aqui na zona leste.”
Já a estudante Mariana Santos de Souza, 20, e também integrante do centro acadêmico, lista as coisas a serem construídas no campus.
“Por enquanto a gente não tem nenhum bandejão. A gente ocupa o espaço do prédio administrativo, que não é pensado para ter aulas. Alguns alunos entraram esse ano e houve pequenas reformas no prédio para alocar essas pessoas, sendo que usamos duas salas de aula minúsculas”, argumenta.
Durante a manifestação, coletivos independentes apresentaram intervenções artísticas relacionadas à construção do campus. Entre os artistas convidados estava o músico e integrante do Jongo dos Guaianás, Tita Reis, 45. O compositor ressalta a necessidade de unir a finalização da universidade em Itaquera com o ingresso de estudantes periféricos ao ensino superior.
“Quando se pensa numa universidade pública nesse lugar não se pensa só a construção de um campus, mas pensa também políticas públicas de inclusão das pessoas daqui”
Tita Reis, músico
Procurada, a Unifesp afirma que o projeto do campus zona leste está em fase de aprovação, ajuste de documentação e liberação de licenças junto a prefeitura de São Paulo. A universidade aguarda verba do governo federal para a contratação das empresas que irão construir o campus.
A entidade explica que, “as pendências jurídicas, normativas e orçamentárias estiverem sanadas junto ao município e à União, serão abertos os processos licitatórios necessários para início das obras. Ressaltamos, contudo, que todos esses trâmites normativos possuem etapas cujos prazos legais não podem ser abreviados. Portanto, no momento, não é possível prever um prazo exato de conclusão da obra”.
Jornalista, educomunicador e correspondente de São Mateus desde 2017. Amante de histórias e de gente. Olhar sempre voltado para o horizonte, afinal, o sol nasce à leste.
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