Em vídeo postado no Twitter, Antônio Barra Torres aparece dizendo que a população “corre risco sanitário grave”, mas as imagens foram editadas para fazer parecer que ele se referia às vacinas já aprovadas.
Governo de SP/Divulgação
Por: Redação
Notícia
Publicado em 18.02.2021 | 18:09 | Alterado em 24.02.2021 | 18:12
É falso o conteúdo de um post publicado no Twitter segundo o qual a população brasileira “corre risco grave ao tomar a vacina” contra covid-19. O tuíte traz uma informação inverídica e, para embasá-la, utiliza-se de um vídeo manipulado de uma entrevista de Antônio Barra Torres, presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). As vacinas aprovadas pela Anvisa até aqui – a de Oxford em parceria com a AstraZeneca e a CoronaVac – são seguras e eficazes para lidar com a pandemia.
O Comprova concluiu que o vídeo postado no Twitter foi editado e retirado do contexto. O conteúdo faz parte de uma entrevista concedida à emissora CNN Brasil, em 10 de fevereiro de 2021, dentro da programação do jornal matinal Novo Dia, apresentado por Rafael Colombo, Elisa Veeck e Luciana Barreto.
No vídeo, Barra Torres aparece dizendo que a população “corre risco sanitário grave”, mas as imagens foram montadas de tal modo a fazer parecer que ele se referia às vacinas. Na realidade, o presidente da Anvisa estava, naquele trecho, descrevendo sua preocupação em relação a um artigo incluído à Medida Provisória (MP) 1.003/2020, que reduz a autonomia da Anvisa sobre a análise e aprovação de novas vacinas.
O vídeo foi organizado de maneira que a real motivação das falas fosse ocultada. Dessa forma, quem assiste ao vídeo sem saber o contexto em que a entrevista foi concedida é induzido à ideia de que a emenda à MP já está em vigor, quando na realidade ela ainda não havia sido sancionada pelo presidente no momento em que foi feita a gravação.
Além disso, da maneira como foi montado, o vídeo pode sugerir que as vacinas em uso hoje no Brasil, que passaram por análise técnica e pela aprovação emergencial da Anvisa, não são seguras. Mas na realidade a fala do presidente da Agência indica para uma situação futura, ou seja, o que Antônio Barra Torres queria dizer é que caso a Medida Provisória seja sancionada na íntegra pelo presidente, os brasileiros correm um “risco sanitário grave”, já que as novas vacinas não passariam por uma avaliação técnica tão criteriosa como a que é feita atualmente.
Primeiro, pesquisamos no canal do YouTube da CNN Brasil, programas apresentados pelos jornalistas que aparecem no vídeo (Rafael Colombo, Elisa Veeck e Luciana Barreto), para identificar de qual programa jornalístico o vídeo poderia ter sido retirado.
Após identificarmos o jornal Novo Dia, consultamos as edições exibidas antes da data da postagem feita no Twitter, com intuito de confirmar se a entrevista feita com o presidente da Anvisa havia realmente sido realizada pela emissora CNN Brasil.
Ao chegarmos na edição do dia 10 de fevereiro, constatamos que a entrevista havia sido realizada ao vivo, durante a exibição do jornal matinal. Ao encontrar o material com a reportagem oficial, assistimos aos dois vídeos, – a entrevista completa da CNN Brasil e o vídeo postado no Twitter – comparando trecho a trecho até que fosse possível identificar todos os pontos editados da versão original.
Também consultamos o site do Congresso Nacional para acompanhar a tramitação da Medida Provisória, e constatamos que, após a aprovação do texto pelo Senado Federal para transformá-la em lei, a proposta foi encaminhada para a sanção presidencial, o que até o fechamento desta reportagem não ocorreu.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 18 de fevereiro de 2021.
O vídeo verificado inicia com uma fala do presidente da Anvisa, afirmando que, se a MP for aprovada com o texto atual, a agência não fará mais a análise dos pedidos de aprovação de vacinas, mas irá apenas conceder a liberação, deixando assim de exercer o seu papel técnico.
O Comprova verificou que a primeira parte da entrevista, concedida em 10 de fevereiro de 2021 para a CNN, foi excluída da versão publicada no Twitter, o que pode comprometer o entendimento sobre o conteúdo originalmente apresentado.
A reportagem original começa com o âncora do jornal matinal Novo Dia, Rafael Colombo, falando sobre a decisão da Anvisa de liberar as vacinas distribuídas pelo consórcio da OMS, o Covax Facility, sem a necessidade de nenhum registro ou aprovação emergencial específica para uso no Brasil. Na sequência, o jornalista chama a analista política Basília Rodrigues para uma entrada ao vivo com Antônio Barra Torres para falar sobre uma reunião que o entrevistado havia acabado de ter com o presidente Jair Bolsonaro. O encontro teve como pauta a Medida Provisória, que foi modificada pelo Congresso Nacional para incluir no texto a redução do tempo de análise da agência para liberação de vacinas contra a covid-19. A reunião se deu porque o trecho ainda pode ser vetado pelo presidente.
Na sequência, no vídeo original, o presidente da Anvisa explica que foi chamado por Bolsonaro para apresentar seus argumentos, para que o chefe do executivo pudesse compreender a necessidade do veto no texto da MP. O vídeo publicado no Twitter começa no meio da fala de Antônio Barra Torres, ou seja, a parte introdutória foi ocultada nessa versão.
Também foi verificado um corte no vídeo publicado no Twitter, no segundo 57, que excluiu a pergunta da repórter – o que novamente pode provocar erro de entendimento.
No trecho retirado, a jornalista pergunta: ”Por que o senhor tem essa avaliação de que a Medida Provisória tira a competência de análise da Anvisa? O senhor explicou isso para o presidente?”
A resposta de Antônio Barra Torres também foi editada no vídeo postado no Twitter, inclusive o trecho em que ele diz:
“(…) E não é possível, os nossos servidores concursados eles têm essa capacidade de trabalho e é pra isso que eles estão lá. Então não é razoável, diante de uma pandemia, onde medicamentos estão sendo desenvolvidos, inclusive em moldes especiais, não haja uma análise de quem tem competência para isso. Foi esse o nosso assessoramento, e o senhor presidente ele reiterou mais uma vez aquilo que tem dito sempre à imprensa, de que o Ministério da Saúde não comprará produtos que não sejam analisados pela Anvisa. Então eu entendo isso como uma sinalização bastante significativa. É claro que eu não vou ser antiético de antecipar qualquer tipo de decisão, até porque essa decisão é do presidente da República e ele tem o seu prazo para fazê-lo. Agora ele mais uma vez reiterou o que vem dizendo, que aquisição de vacinas se dará desde que haja aprovação da Anvisa. A aprovação, é claro, mediante a análise, não uma aprovação tácita ou automática”.
Após um grande corte, a entrevista prossegue com a pergunta da apresentadora Luciana Barreto, trecho que também foi manipulado. Na pergunta completa, a jornalista diz:
“Queria que o senhor explicasse para quem está nos vendo agora e nos ouvindo agora e tentando entender o que realmente está acontecendo. Todos nós desejamos a chegada da vacina, mais doses da vacina com mais celeridade, mas há o risco desse artigo 5º que o senhor falou agora e da retirada da autonomia da Anvisa, na prática a população corre algum risco?”
Na sequência, o presidente da Anvisa afirma que sim, a população corre “risco sanitário grave”, mas a afirmativa, que também aparece no vídeo publicado no Twitter, está relacionada diretamente à aprovação integral do texto da MP e não às vacinas já aprovadas.
O Comprova concluiu que o vídeo postado no Twitter foi montado apenas com trechos de falas que descrevem a preocupação do presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, em relação a uma possível sanção do presidente Jair Bolsonaro sobre a MP, que foram organizadas de maneira em que a real motivação das falas fosse ocultada.
Dessa forma, quem assiste ao vídeo sem saber o contexto em que a entrevista foi concedida pode ter a impressão de que a lei que reduz a autonomia da Agência reguladora na análise para aprovação de novas vacinas já está em vigor, quando na realidade o presidente tem até o dia 1º de março para dar seu parecer de veto ou sanção para converter a MP em lei.
Apesar de as Medidas Provisórias (MPs) serem editadas pelo presidente da República, e terem efeitos imediatos quando publicadas, elas precisam ser apreciadas pelo Congresso Nacional para que sejam convertidas em leis. O prazo de vigência da MP é de 60 dias, podendo ser prorrogado por igual período. Do contrário, perdem a validade.
No caso da MP 1.003/2020, a que se refere o presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, a aprovação do texto pelo Senado Federal ocorreu no dia 4 de fevereiro. No texto original, publicado em 24 de setembro de 2020 e que ainda está em vigor, não consta o artigo 5º que foi apresentado como emenda, em plenário, também no dia 4 de fevereiro pelo senador Rodrigo Cunha (PSDB/AL).
A movimentação mais recente é do dia 9 de fevereiro, quando foi encaminhada à secretaria-geral da Presidência da República a mensagem para sanção presidencial do Projeto de Lei de Conversão 43/2020 (derivado da MP 1.003/2020).
O texto do Projeto de Lei de Conversão 43/2020 trata da autorização para o governo federal aderir ao Instrumento de Acesso Global de Vacinas Covid-19 (Covax Facility), além de estabelecer diretrizes para imunização da população.
O trecho que causa preocupação ao presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, e que foi motivo de audiência com Jair Bolsonaro, conforme registrado na reportagem da CNN, está contido no artigo 5º.
Nele, além de estabelecido o período de cinco dias para análise de novas vacinas pela agência – um prazo reduzido, na avaliação de Barra Torres – um termo denota que a Anvisa perderia a sua atribuição técnica.
O texto diz que a “Anvisa concederá autorização temporária de uso emergencial”. Para Barra Torres, isso significaria que a agência teria apenas uma função cartorária, de checagem de documentos, em vez de efetivamente fazer uma análise técnica.
Em sua terceira fase, o projeto Comprova verifica conteúdos duvidosos que viralizaram na internet relacionados a políticas do governo federal, à pandemia ou às eleições municipais de 2020.
Apesar de o vídeo verificado ter sido postado por um perfil com menos de 2 mil seguidores, ele foi visualizado 24,8 mil vezes. Dessa forma, por se tratar de um conteúdo importante, ligado diretamente à confiança das pessoas em relação às vacinas contra a covid-19 e por conta da grande repercussão, a verificação se torna fundamental para esclarecer dúvidas relacionadas ao trabalho da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e também essencial para reforçar sobre a eficácia e segurança das vacinas já aprovadas para uso emergencial no Brasil.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
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