Em meio a tijolos e materiais de construção de uma reforma ainda em andamento, a escola municipal Virgílio de Mello Franco, no bairro do Jardim Helena, na zona leste de São Paulo, se prepara para receber os alunos no dia 7 de fevereiro.
Após dois anos de pandemia de Covid-19, e ainda com a incerteza causada pelo avanço da variante Ômicron, o início das aulas em 2022 tem um sentimento diferente. Isso porque, no ano passado, o diretor Edilson da Silva Cruz, 34, e a professora de artes Patrícia Alves, 34, lideraram junto aos alunos uma intervenção artística que homenageia figuras negras nas portas das salas de aula.
“A gente estudou a presença do racismo na sociedade, não só como ações individuais, mas como um problema estrutural e institucional também”, diz o diretor.
“Pensamos em uma intervenção que tem a ver com a arte, e coloquei essa questão: se o racismo é uma questão institucional, e a gente está em uma escola, que é uma instituição, temos que fazer alguma coisa.”
Resultado de um TCA (Trabalho Colaborativo de Autoria), uma atividade obrigatória para os alunos que estão concluindo o ensino fundamental na rede pública de São Paulo, os cerca de 60 estudantes puderam conhecer, debater e escolher em conjunto quais figuras negras gostariam de homenagear.
Entre os escolhidos estão o ator internacional Will Smith, a vereadora carioca Marielle Franco, assassinada em 2018, o líder norte-americano Martin Luther King Jr., a biomédica Jaqueline Goes de Jesus, responsável por sequenciar o genoma da Covid-19 no Brasil, e Thiago Torres, conhecido como “Chavoso da USP“, que esteve na escola para palestrar aos alunos.
“Acho importante para as crianças que estão chegando se sentirem mais representadas”
Vinicius Augusto Rodrigues da Silva, 14, aluno do 9º ano.
Em uma roda com cinco alunos entre 13 e 15 anos do 9º ano da escola, os jovens puderam contar o que mais gostaram no projeto e qual a importância da representatividade negra para eles.
“Com esse projeto, a gente pôde abrir portas para outros assuntos relacionados ao racismo”, acrescentou a aluna Lohaine Nicole de Souza Silva, 13.
Cada sala de aula, batizada com o nome do artista e/ou ativista, ganhou a preferência de um aluno.
A estudante Evelly Rodrigues da Silva, 14, por exemplo, disse ter a sala “Martin Luther King Jr.” como sua favorita. “O que ele defendeu, o que ele fez pela população negra, não tem como esquecer, foi incrível.”
Martin Luther King Jr. foi um dos maiores líderes do movimento pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos. Seu discurso “I Have a Dream” (Eu Tenho um Sonho, na tradução livre), proclamado durante a Marcha sobre Washington em 1963, entrou para a história da luta por igualdade racial.
Davi Silva de Carvalho, 15, por sua vez, tem como favorita a sala “Will Smith”. “Desde pequeno eu assistia à série dele e ele sempre falava sobre esse termo (racismo).”
Já Marina Cavalcanti Veras, 14, escolheu, entre todas as demais salas, a da vereadora Marielle Franco, “porque ela (é) do Brasil, defendeu muito e morreu defendendo o conceito dela. E acho que por isso ela morreu também”, disse.
Artistas das quebradas
Para reprodução da imagem de personalidades negras do Brasil e do mundo, a intervenção contou com o apoio voluntário de artistas plásticos da quebrada.
“Em 20 anos de grafite, eu nunca tinha participado de uma pintura relacionada a figuras/celebridades negras da história em uma escola”, diz o artista Alexsandro Gomes dos Santos, 36, conhecido como “Chuck Gomes”. “Acho que é um dos projetos mais bonitos que eu já participei na minha vida.”
Os alunos Vinicius, Davi, Marina, Evelly e Lohaine participaram da ação @Patrícia Vilas Boas/Agência Mural
Além dele, colaboraram com as pinturas Jéssica Maria dos Santos, 23, conhecida no área do grafite como “Cat” e Pedro Henrique Silva, 22, o “Predu”.
As turmas foram separadas em quatro grupos de 15 alunos cada, para respeitar o limite de capacidade em sala de aula, em um formato híbrido devido à Covid-19. Ao longo da intervenção, os estudantes puderam acompanhar de perto todo o processo de grafitagem.
“Muitos (alunos) não conheciam as figuras representadas e tiveram esse conhecimento através do grafite. Traz mais conhecimento tanto para eles quanto para nós, artistas”, conta Jéssica.
“Entender essa questão é muito mais que entender uma imagem”, acrescentou Predu, com relação a importância de utilizar a arte para expressar a mensagem antirracista. “Então esse projeto, ele não só está falando, como falará, por muito tempo, sobre essa questão.”
A professora de artes, Patrícia, conta que gostou de perceber o impacto do projeto inclusive na percepção dos adolescentes em relação à própria aparência, ao colocar em evidência personalidades negras.
“[Percebemos] o quanto eles querem estar se colocando, em relação à aparência, iguais ao que a mídia coloca. Então o bom desse projeto foi perceber esse autoconhecimento, essa autovalorização, isso foi bem legal.”