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Agência de Jornalismo das periferias

Guilherme Zacarias/Agência Mural

Por: Guilherme Zacarias

Notícia

Publicado em 11.01.2022 | 16:48 | Alterado em 27.02.2024 | 17:26

Tempo de leitura: 5 min(s)
Esta reportagem foi produzida com o apoio do Instituto Unibanco IU

“A primeira coisa que a gente faz é posicionar as câmeras, aí ajuda a ligar a mesa de som, microfones e depois separa as músicas”, explica o aluno Pedro Gomes, 15, sobre a produção do Game Show, uma gincana entre as turmas que é transmitida ao vivo nas redes sociais da escola estadual República do Panamá, na Vila Andrade, na zona sul de São Paulo.

O programa é um dos que compõem a TV Vale Nota, criada por professores e alunos da unidade e que possui diversas produções, como games, entrevistas e um canal próprio de notícias sobre o ambiente escolar.

O projeto, que nasceu em 2017 como revista, ganhou as telas durante a pandemia de Covid-19, como uma forma de driblar a necessidade do distanciamento social e também ajudar contra a evasão escolar.

No início de 2021, alguns alunos participavam da brincadeira direto de casa e os que não tinham acesso à internet podiam ir à escola para se conectar. Mas isso foi mudando.

“O Game Show era online, só que começamos a ter problemas com a internet e como a maioria dos alunos já estavam vindo para escola, decidimos fazer aqui”, comenta a professora de inglês Camila Camargo, que junto com o Pedro é responsável pela produção do programa.

Em sala de aula, Camila aposta no uso de recursos midiáticos para as dinâmicas e exercícios @Guilherme Zacarias/Agência Mural

Camila diz que um dos principais motivos para criar o projeto foi a necessidade de ajudar a coordenação pedagógica a chamar a atenção dos estudantes.

“O pessoal da secretaria e da coordenação estavam ralando para trazer os alunos para a escola, mas também vimos a necessidade de fazer algo online para quem estivesse em casa poder participar. A ideia era fazer essa integração e reforçar que a escola também é deles.”

Pedro, que agora está no 9º ano do ensino fundamental, aproveitou o espaço para se desenvolver.

“Fiz curso de fotografia e edição de vídeo, mas não tinha usado em lugar nenhum, e aqui na Vale Nota foi um jeito interessante de usar as minhas habilidades.”

Pedro Gomes

Os programas são transmitidos ao vivo pelo Instagram e Facebook da escola, onde também são publicados fotos de eventos, vídeos, poemas e outras produções dos alunos.

Quando as aulas voltaram 100% presenciais, em meados de agosto de 2021, os programas contavam com a participação de plateia formada por alunos de diversas classes, além de continuar com a transmissão ao vivo.

“Ouvi muita coisa boa, que muita gente adorou o Game Show principalmente por sair da sala de aula e experimentar uma coisa diferente, com música, com muita risada. Era divertido”, conta a aluna Ana Julia, 11, que já foi apresentadora da gincana online.

Estrutura organizada pela produção da TV Vale Nota antes de iniciar um Game Show @Guilherme Zacarias/Agência Mural

Antes de TV, uma revista

Localizada num bairro entre duas importantes vias da zona sul, a Avenida Carlos Caldeira Filho e a Estrada de Itapecerica, a escola estadual República do Panamá pertence à Diretoria de Ensino Região Sul 2 e atende cerca de 1.500 estudantes de ensino fundamental e médio no último ano letivo.

Inaugurada oficialmente em 2017, a escola recebe o nome do país vizinho a partir de uma parceria entre as secretarias de educação das capitais de países latino-americanos. A direção da escola contou à Agência Mural que esse projeto não existe mais.

No ano em que a escola completava uma década, o diretor se reuniu com alunos e professores para criar a Revista Vale Nota, publicação feita 100% pelo grupo, com artigos, poemas, reportagens e ensaio fotográfico.

Desde então o projeto é conhecido pela comunidade escolar e teve duas edições impressas da revista, posts no blog e nas redes sociais até que no início de 2021 foi criada a TV Vale Nota, inspirado no histórico de produções midiáticas da escola.

Além da professora Camila Camargo, apresentada no início da reportagem, outros dois professores também ajudaram a criar o projeto e trabalham na coordenação das atividades.

Um deles é o professor de artes Fernando Mourão, que já teve uma experiência parecida. “O diretor da escola em que trabalhei não gostava muito da ideia de alunos produzindo mídia, o que dificultava o nosso trabalho. Mas aqui no Panamá é diferente, a direção acredita numa pedagogia com um olhar inovador.”

Professor Fernando também é artista popular e estudou arte circense @Guilherme Zacarias/Agência Mural

A ideia que começou em 2017 com a produção de revista, foi recriada e ganhou novas proporções a partir do trabalho extracurricular do grupo. “Aqui foi um lugar dahora pra mim trabalhar então potencializou muito a ideia, ao invés de um Game Show a gente conseguiu fazer uma TV mesmo, com uma programação mais abrangente”, comenta Fernando.

“A gente tem que acompanhar o tempo das pessoas, não o nosso. As redes sociais estão mais presentes na vida dos alunos. A TV surge para manter essa ideia de oportunidade de voz dos alunos, só que em mais espaços além da mídia escrita”, ressalta o professor e co-criador da TV, Rafael da Silveira, 32.

Rafael em aula com uma turma do 6º ano @Guilherme Zacarias/Agência Mural

Atualmente, os alunos que participam do projeto se dividem entre a apresentação, produção e divulgação dos programas nas redes sociais. Não é exigida experiência prévia. A ideia é fortalecer a construção coletiva e oferecer uma pausa aos conteúdos curriculares que “às vezes cansam”, como analisa o professor Rafael.

“O nosso amparo pedagógico aqui é mostrar para o aluno que ele pode se inserir na sociedade através da expressão artística e da comunicação.”

Rafael da Silveira

Boas notícias

Yasmin Carvalho, 13, está no 7º ano. Ela e a amiga Letícia Silvia, 12, criaram o “Good News”, um jornal só com notícias boas para transmitir na TV Vale Nota.“Notícia ruim a gente vê em todos os jornais”, diz Yasmin.

Para elas, os jornais comuns estão cheios de “notícias ruins”, como “assassinato, roubo, aumento dos preços, da inflação” e decidiram fazer algo diferente. “Não tem nenhuma má notícia no Good News. A Yasmin faz a pesquisa, o roteiro e depois passa pra mim e um outro colega apresentar”, comenta Letícia, que também está no 7º ano.

Yasmin e Letícia, do “Good News”, disseram à Mural que pretendem levar o projeto adiante em 2022 @Guilherme Zacarias/Agência Mural

O depoimento das estudantes mostra uma insatisfação comum: crianças e adolescentes não se sentem representados no jornalismo, como aponta a jornalista e pesquisadora Juliana Doretto.

“Os adolescentes que eu entrevistei nas minhas pesquisas sempre dizem que não se sentem representados no jornalismo e não reconhecem a linguagem como algo voltada para eles e reclamam que a produção muitas vezes destaca notícias ruins”, comenta Doretto, que também é doutora em comunicação com a pesquisa na área.

A pesquisadora avalia que iniciativas como a TV Vale Nota, que adotam formatos jornalísticos para divulgar suas ideias, são uma “oportunidade para que eles [os estudantes] desenvolvam uma mídia que se aproxime mais daquela que eles gostariam de consumir”.

Segundo os professores entrevistados, a escola não recebeu nenhum suporte externo para desenvolver os projetos e as atividades. As produções de programas e coberturas de eventos foram realizadas apenas com o apoio de pesquisas na internet e videoaulas.

Aos poucos a TV Vale Nota aproximou os alunos, que já formaram até uma banda para tocar em eventos da escola @Guilherme Zacarias/Agência Mural

Esse tipo de atividade extracurricular é muito comum em toda a América Latina há décadas, em escolas e outros espaços comunitários, como aponta o jornalista e mestre em comunicação Bruno Ferreira.

Segundo ele, produções midiáticas que unem educação e comunicação para ampliar as possibilidades de expressão e transformação social, foram organizadas por teóricos como educomunicação, área que estuda a influência das mídias na educação.

“Conceito que surge após a observação de grupos de comunidades rurais, vulneráveis, latinoamericanos que se reuniam e dialogavam sobre processos que poderiam ser transformados através da comunicação, por meio também de articulações políticas”, explica.

“Se os professores fazem isso com a intenção de que os alunos criem mídias de uma maneira colaborativa, refletindo criticamente sobre o que produzem, estão fazendo educomunicação”.

Bruno Ferreira

Bruno complementa que “conhecer esse conceito pode favorecer o aperfeiçoamento dessa prática”.

“A gente precisa ouví-los, tentar atender suas demandas e então oferecer um jornalismo que elas nem saibam que precisam”, finaliza Doretto.

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Guilherme Zacarias

Jornalista em formação, gosta de ouvir boas histórias e contar casos reais. Acredita na comunicação como ferramenta de transformação social. Correspondente do Campo Limpo desde 2021.

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