Mariana Lima/Agência Mural
Por: Mariana Lima
Notícia
Publicado em 20.05.2022 | 17:30 | Alterado em 09.06.2022 | 15:56
Após 2h de produção, que inclui enchimentos e uma maquiagem trabalhada, Franklyn Araujo, 27, sai de cena para que Tia Franny, ou Franny Aroera Tibira, considerada a primeira drag queen de Parelheiros, distrito do extremo sul de São Paulo, finalmente apareça.
“O ‘Franny’ vem do meu nome de batismo, o Aroera é de uma árvore típica daqui e o Tibira é do primeiro indígena homossexual assassinado pela igreja [católica] no Brasil [no período da colonização]. É um nome político que fala quem eu sou, de onde venho e os meus ancestrais”, revela. Já o “tia” veio com o tempo, popularizado nos eventos culturais.
Há nove anos, a maquiadora e produtora atua como drag queen em eventos e espaços culturais periféricos, sempre trazendo a região onde vive em destaque.
“Solto o grito ‘É de Parelheiros’ para as pessoas enxergarem que nós estamos aqui e fazemos arte de qualidade. É um grito manifesto”, conta, sobre o distrito que fica a 36 km do centro da capital.
O que começou nas aulas do programa vocacional de teatro e dança no CEU (Centro Educacionais Unificados) de Parelheiros, ainda na adolescência, se tornou o norte da vida de Franklyn.
Apesar de ter cultivado a personagem da Tia Franny durante o vocacional, ela só nasceu após Franklyn assistir a um show de drag queens. Ao ver artistas que misturavam o humor com a elegância da performance, entendeu o que queria fazer.
“Era uma época em que eu estava me descobrindo como pessoa, e como pessoa LGBT. Esse lado artístico me salvou de muita coisa. Sem ele, sem a Franny, acho que não teria sobrevivido”
“Comecei a estudar sobre o universo drag e o universo clown, que era comédia. A Franny é o meu eu interno, que sempre reprimi, junto com a minha arte. O Franklyn é mais contido, tímido, a Franny é doida”, diz.
Por ter a veia do humor forte e trabalhar com o caricato, Franklyn precisa lidar com diversos rótulos que limitam oportunidades.
“Parece que colaram na minha testa ‘drag comediante’ e agora não posso fazer mais nada além disso. Mas posso entregar uma performance séria porque estudo, me preparo”, pontua.
Outros rótulos difíceis de contornar são de que a performance drag é uma arte isolada, que não dialoga com a dança e o teatro, e que só cabe nas pautas LGBTQIA+. Durante o mês do Orgulho, em junho, Franklyn chega a ter uma semana inteira de eventos, mas assim que o mês acaba as oportunidades também terminam.
“A minha arte não é só para o mês do Orgulho e não fala só sobre o orgulho LGBT. Ela fala, principalmente, sobre o orgulho de residir no extremo sul”
Hoje maquiadora e produtora, Franklyn começou a trabalhar aos 17 anos para se sustentar. Nessa caminhada, a necessidade de garantir a grana do mês já fez com que perdesse algumas oportunidades.
“Não é justo porque o trabalho sempre vai vir primeiro. E tem toda a questão de a arte não ser reconhecida como profissão, mas como um hobby. É uma coisa que está muito enraizada na periferia”, declara.
Apesar da rede de apoio entre os artistas e coletivos independentes na região, Franklyn sabe que poucos moradores de Parelheiros conhecem seu trabalho. “A ‘Drag Queen de Parelheiros’ não é ninguém em Parelheiros, mas é alguém no Grajaú, o bairro vizinho”, desabafa.
Uma das explicações é que Parelheiros não tem uma cultura LGBTQIA+ consolidada. “Além disso, os eventos que temos por aqui são todos pra ‘família tradicional’. Você não vai ver uma drag apresentando o Colônia Fest, por exemplo”, argumenta, citando o evento de comemoração do aniversário do bairro Colônia.
Outro desafio é a concentração de oportunidades em regiões centrais, principalmente para ensaios e espaços de apresentação.
“Não seria legal se eu pudesse andar até a praça de Parelheiros e fazer um puta de um show lá e mostrar para as pessoas quem eu sou, onde moro, que estou aqui e eu faço arte?”, questiona.
Embora os questionamentos, o amor por Parelheiros está presente em toda a arte produzida por Franklyn, que tem Carolina Maria de Jesus (1914-1977), autora de “Quarto de Despejo” (1960) e famosa moradora do distrito, como referência. Com essa inspiração, Franklyn quer deixar um legado.
“Quero poder virar uma dessas senhoras mariconas [gíria para se referir a pessoas gays com mais idade] e ver as novas drags gritando ‘É de Parelheiros!‘. Deixar essa porta aberta e esse caminho trilhado para que outras drags e artistas LGBTs possam desenvolver seus trabalhos aqui.”
Jornalista e roteirista. Coautora do livro-reportagem "A Voz Delas: a literatura periférica paulistana". Pode ser vista com frequência em bibliotecas públicas. Correspondente de Parelheiros desde 2021.
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