Arquivo Pessoal
Por: Gabriela Carvalho
Notícia
Publicado em 29.03.2023 | 11:09 | Alterado em 31.03.2023 | 17:49
João Pedro Rodrigues, 32, nunca se viu representado nos museus. Nascido em Itaquera e tendo vivido parte da trajetória na Cohab Juscelino, na zona leste de São Paulo, hoje ele é museólogo. Enquanto morador de periferia, o que lhe atraiu dentro da área foi compreender a falta de preservação das memórias das quebradas.
Na zona leste, onde ele cresceu, existem lugares que contam a história da região, mas ainda há pouca oferta de museus. “Onde estão os museus? E quais histórias esses espaços contam? No geral, estão concentrados nas partes ricas [da cidade] e contam sobre a história das mesmas pessoas”, diz.
Foi aí que decidiu o caminho que tomaria a sua pesquisa. “O que tem guardado sobre a história daqui [de Itaquera]? Foi quando percebi isso que comecei a estudar o que estava mais próximo da minha realidade”, conta ele.
Sendo museólogo, João Pedro atua na organização e conservação de itens de valor histórico, cultural ou artístico. “A gente [museólogos em geral] é responsável por sistematizar os processos dentro dos museus, mas também fora, em outros espaços.”
“Os museus são políticas públicas de memória, ajudam a construir a identidade de determinada população e isso é de extrema importância”
Segundo ele, cerca de 70% dos museus surgem de iniciativas públicas. Além da falta de acesso a esses equipamentos, há um deficit no que se refere à memória e identidade da população periférica.
Ele enfatiza também a importância de existir espaços estruturados nas quebradas. “Hoje, temos o Museu das Favelas, que fica no centro, e é uma iniciativa muito legal. Mas precisamos de uma política macro que este museu sozinho não dá conta”, ressalta.
“É preciso entender quais acervos existem sobre as periferias, sobre outros bairros que não os centrais. O papel do museu é também se opor à história hegemônica, pois se você vai ao museu nacional, por exemplo, você encontra a história dos ‘vencedores’, reis, rainhas”, pontua.
Para o especialista, o próprio Museu da Cidade de São Paulo não traz uma narrativa completa da formação da capital.
“Infelizmente, quando você vai ver as exposições, repara que a história das periferias não está sendo contada”
Na atual pesquisa de mestrado, João Pedro decidiu jogar luz sobre a memória popular que não está registrada nos espaços convencionais, como por exemplo o futebol de várzea.
“Como gosto de futebol de várzea, me deparei com os troféus, os documentos e coisas antigas dos times. Olhava isso e via a recorrência nos campos de futebol de várzea, e acaba tendo o mesmo padrão”, conta.
A partir disso, ele começou a pesquisar a Associação Atlética Cohab Juscelino, em Guaianases, e os processos de musealização dos times de futebol de várzea dali.
Segundo o pesquisador, é preciso estruturar processos de museologia permanente nas periferias para que as iniciativas se retroalimentem.
“A zona leste tem mais de 4 milhões de habitantes, quase um terço da cidade. Em São Paulo, são 123 museus oficiais, mas na zona leste são apenas 7 [três estão fora dos dados da prefeitura]. Esses quatro representam 3% dos museus. Mesmo sendo regiões populosas, não temos museus oficiais institucionalizados.”
A zona oeste é a região campeã em museus, com 48 deles. Estão espalhados por 10 distritos, como Butantã, Pinheiros e Jardim Paulista. O centro da cidade também concentra alto número desses equipamentos, principalmente na Sé, Consolação e no Bom Retiro, totalizando 39 museus. A zona sul traz 24 museus, e a zona norte tem oito.
Dentre os lugares que contam um pouco sobre as quebradas na região leste, estão o Centro de Memória da Penha; o Botafogo de Guaianases, Grêmio Botafogo Futebol Clube, em Guaianases; e o acervo Cohab Juscelino.
Há também o Museu do Jardim Vermelhão, em Guarulhos, cidade da região metropolitana; o Complexo Esportivo Campo de Marte, que conta sobre a região; e o Centro de Memória Queixadas, em Perus, na zona noroeste de São Paulo.
João Pedro menciona que é preciso compreender a valorização da ação de guardar determinados itens. “Quando você escolhe não jogar algo fora e guardar, você entende o processo museológico nas periferias. Não jogar determinada coisa fora é dar importância para isso. E tem tudo a ver com a história dos lugares, o valor dentro de um museu, por exemplo.”
Até mesmo no caso do futebol de várzea, é possível observar essa ação do guardar como registro de acontecimentos importantes dos times e dos bairros.
“Existem moradores que guardam as histórias dos bairros. É possível encontrar em grupos no Facebook, [com] fotos de escola, de times de futebol. E isso não se trata de museus, mas são processos de identificação de valores”, explica.
Apesar das iniciativas de moradores, o especialista sinaliza que há poucos avanços nos registros históricos, sobretudo quando se fala em raça e desigualdades. “São quase 500 anos de negligência quanto à preservação da memória física dos povos pretos e periféricos”, finaliza.
Endereço: Rua Betari, 560, Penha de França – São Paulo
Telefone: (11) 93800-7435
E-mail: [email protected]
Preço: Gratuito
Jornalista, comunicadora visual, mestra em Mídia e Tecnologia e pós-graduada em Processos Didático-Pedagógico para EaD. É correspondente do Jardim Marília desde 2019. Também é cantora de chuveiro, adora audiovisual e é louca por viagens.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
Se você quer saber como republicar nosso conteúdo, seja ele texto, foto, arte, vídeo, áudio, no seu meio, escreva pra gente.
Envie uma mensagem para [email protected]