Por: Anna Celli
Notícia
Publicado em 08.08.2025 | 19:54 | Alterado em 08.08.2025 | 22:23
Até o final de agosto está em cartaz a exposição “Papéis Brancos para Meninos Pretos”, do artista visual Fernando Pita, 35, morador do Conjunto José Bonifácio, em Itaquera, zona leste de São Paulo.
A mostra é realizada na Okupação Cultural Coragem, espaço nascido da mobilização de coletivos periféricos para revitalizar um antigo imóvel abandonado.
Pita propõe um mergulho sobre a infância preta periférica, o direito ao sonho e a força da memória.
‘É uma carta de libertação. São personagens que, embora não sejam autorretratos, são retratos de várias vidas pretas que conviveram com as mesmas dores e ausências’
Fernando Pita, artista visual

O artista visual Fernando Pita explica a exposição ‘Papéis Brancos para Meninos Pretos,’ na Okupação CORAGEM @Luara Kamiya/Divulgação
O artista atua no bairro com grafite, oficinas e projetos comunitários. Na exposição, ele apresenta uma série de obras que abordam suas vivências e as de tantos outros meninos pretos das periferias.
O título, inspirado no texto de Frantz Fanon (Pele Negra, Máscaras Brancas), também faz referência aos barquinhos de papel da infância e à burocracia racializada que transforma documentos em instrumentos de exclusão.
“Era o jeito de lidar com as minhas frustrações, minhas dores. Eu estava com papel. E até hoje estou nesse barco de papel. Levo o sketchbook pra onde for e desenho as cenas”, explica Fernando.

Obra “Sofá”, com uma criança deitada no chão e os brinquedos, do artista Fernando Pita @Anna Celli/ Agência Mural
A história dele também se encontra com a da Okupação, onde participa de mutirões, realizando oficinas e criando junto ao coletivo. “Foi aqui que me reinventei.”
O local que é referência para arte e cultura na quebrada, já foi sinônimo de descaso urbano: um mercado fechado e vazio por 15 anos no meio de um dos maiores conjuntos habitacionais da cidade que com o tempo acabou se tornando ponto de uso de drogas ilícitas e prostituição.
Em 2016, o Coletivo C.O.R.A.G.E.M., sigla para Coletivo de Ocupação, Revitalização, Arte, Graffiti, Educação e Música, decidiu ocupar o espaço e criar um equipamento cultural gratuito, comunitário e horizontal, gerido por e para a quebrada.
“É um lugar que cria oportunidades e transforma realidades. Do lixão nasceu flor. O Coragem se reinventou como galeria de artes na quebrada, como casa de coletivos e ponto de cultura gerido pela comunidade”, afirma Letícia Ferreira, 35, jornalista e produtora cultural que integra a gestão da Okupação.

Público prestigia a exposição e os shows dos artistas independentes @Anna Celli/Agência Mural
O espaço abriga mais de 20 coletivos residentes, promove oficinas, exposições, shows, rodas de conversa, feiras, saraus e projetos de formação.
A gestão é coletiva e autônoma, sem fins lucrativos. Em 2021, após anos de mobilização, o local obteve uma permissão de uso por quatro anos da COHAB-SP — mas ainda luta por reconhecimento definitivo como equipamento cultural no Plano Diretor da cidade.
Para Queila Rodrigues, 40, artista, produtora cultural e moradora da região, a ocupação vai além da arte: é uma resposta ao abandono histórico do poder público.

Obra do artista Fernando Pita @Anna Celli/Agência Mural
“Esse espaço nasceu do zero, foi revitalizado por nós. Aqui a gente se reconhece. Poder sair de casa a pé para chegar num espaço cultural sem precisar atravessar a cidade é muito importante. É sobre contar nossas histórias”, diz.
Queila também acompanhou a criação do CORAGEM desde os tempos do Fórum de Cultura da Zona Leste. “Pensar na ocupação de locais ociosos sempre foi pauta. A gente mesmo podia produzir nossas ações culturais aqui. Transformar esse lugar em algo que narra a nossa quebrada é uma ação política”, afirma.
Takassa, artista independente se apresentou na estreia da exposição @Anna Celli/Agência Mural
Ras Soto mostrou o repertório musical @Anna Celli/Agência Mural
Hadiya Luz também cantou na exposição @Anna Celli/Agência Mural
A dupla A'S Trincas alegraram o público @Anna Celli/Agência Mural
A pluralidade de expressões também é celebrada por Hellen Rio Branco,40, atriz, jongueira e frequentadora: “Ele está para abrigar o que, enquanto artistas, transborda. A cada dois meses é outra parada: outros muros, cores e histórias. Aqui, a gente se reconhece. O CORAGEM pulsa onde o Estado falha.”
Durante a pandemia de Covid-19, organizou campanhas de solidariedade que distribuíram mais de mil cestas básicas.
Letícia explica que o trabalho interno também é de autogestão, com dedicação e organização. “Sou a chata da organização institucional”, brinca. “Faço planilhas, manuais, protocolos. Trabalhamos demais sob a lógica capitalista. Meu objetivo é subverter isso para que a periferia, de fato, vença.”
Okupação Cultural Coragem: Rua Vicente Avelar, 31- na Cohab José Bonifácio, Itaquera
Horário de funcionamento: Terça a domingo, das 14h às 19h até o fim do mês de agosto
Preço: Gratuito
Estudante de jornalismo. Curiosa, amante da natureza, e quero seguir na área do investigativo e socioambiental (pelo menos por enquanto) risos!
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