Magno Borges/Agência Mural
A responsabilização por atentar contra a democracia é fundamental, mas apenas um primeiro passo
Por: Paulo Talarico | Sarah Fernandes
Opinião
Publicado em 12.09.2025 | 16:10 | Alterado em 12.09.2025 | 17:05
Nas periferias, a condenação no STF (Supremo Tribunal Federal) do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a 27 anos chega de forma tardia e sem tratar do pior impacto causado pelo ex-gestor nos nossos territórios: as vidas perdidas na pandemia.
Na quinta-feira (11/9), o tribunal condenou o político por cinco crimes: tentativa de golpe de Estado; organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; dano qualificado pela violência e ameaça grave; e deterioração de patrimônio tombado.
Em boa parte, fruto dos ataques em 8 de janeiro de 2023 por quem não aceitou o resultado da eleição, pouco depois do presidente Lula (PT) assumir o poder. A decisão é histórica, busca garantir punição a quem tenta romper com a democracia e ainda deve ter desdobramentos até o começo do cumprimento da pena.
Além disso, a sentença faz com que a gente se lembre de como o período mais difícil para as quebradas nos últimos anos foi vivenciado: a pandemia. Apesar disso, não há nenhum inquérito ou julgamento previsto sobre esse momento.

Mais de 82 mil pessoas morreram na Grande SP de Covid-19 @Léu Britto/Agência Mural
Na Grande São Paulo, mais de 82 mil pessoas morreram em decorrência da Covid-19 entre 2020 e 2023 – o equivalente a mais de 1.400 ônibus lotados.
Apesar desse momento delicado, com cemitérios cheios e trabalhadores se expondo para garantir o mínimo de renda, a orientação vinda do ex-presidente foi de que não havia preocupação e deveríamos seguir a vida normalmente.
“E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”, afirmou ele durante uma coletiva de imprensa em meio à pandemia sobre o elevado número de mortes, que vitimaram especialmente moradores das favelas e periferias.
Deveríamos trabalhar e nos expor nas ruas, pois ele não era coveiro e não podia fazer nada. A vacina, que ajudou a controlar a pandemia, veio bem depois, mas o desestímulo ao imunizante foi outra marca.
Enquanto isso, nós, que estamos nas periferias, atuamos tentando conscientizar da importância do imunizante, do uso das máscaras, desmentindo fake news e entendendo que muitos não tiveram a escolha de ficar em casa, pois não havia recursos.
Naquele mesmo momento, ele também rejeitava a ideia de que havia pessoas em situação de fome no país. Ainda antes do vírus, disse que “falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira, é um discurso populista.”

Crianças em uma favela da zona norte de SP. Número de pessoas em favelas cresceu no período @Léu Britto/Agência Mural
A responsabilidade por todas essas perdas não é somente dele, mas a falta de responsabilidade no momento em que mais foi necessário a atuação do Ministério da Saúde serão dores que irão afetar as quebradas por anos. O pior é que não podemos dizer que foi uma surpresa, tendo em vista tudo que ele disse ainda antes de ser presidente.
“Só tem uma utilidade do pobre aqui no Brasil: Votar. Título de eleitor na mão e com diploma de burro no bolso”, afirmou em 6 de novembro de 2013.
Em entrevista ao programa CQC, da Band, em 2011, falou sobre as cotas sociais e raciais, que são especialmente importantes para os jovens das periferias, ampliando a diversidade nas universidades: “Quem usa cota, no meu entender, está assinando embaixo que é incompetente. Eu não entraria num avião pilotado por um cotista. Nem aceitaria ser operado por um médico cotista”
‘Tudo é coitadismo. Coitado do negro, coitada da mulher, coitado do gay, coitado do nordestino, coitado do piauiense. Tudo é coitadismo no Brasil. Vamos acabar com isso’
Entrevista para a TV Cidade Verde, do Piauí.
Evidentemente, esse discurso também encontrou voz em várias periferias, onde há muitos apoiadores de Bolsonaro. Até porque o quanto a própria democracia é plena em nossas quebradas é uma discussão que avança pouco.
Vivemos permanentemente com o direito à saúde e educação sendo negligenciados, todos os dias um novo despejo de pessoas sem direito à moradia por toda a Grande São Paulo, além do abuso da força policial em várias favelas como Paraisópolis.
Nesse sentido, a responsabilização por atentar contra a democracia é fundamental, pois mostra muito do que foi feito por ele e os aliados, de como manobraram muitas pessoas. Porém, é apenas um primeiro passo.
Embora não tenha sido pelas vítimas da pandemia, essa condenação é uma ponta de justiça para quem perdeu um familiar e sobreviveu aos últimos anos.
Diretor de Treinamento e Dados e cofundador, faz parte da Agência Mural desde 2011. É também formado em História pela USP, tem pós-graduação em jornalismo esportivo e curso técnico em locução para rádio e TV.
Jornalista e geógrafa, com foco em direitos humanos e ambientais. Reúno mais de 10 prêmios de reportagem, entre eles dois Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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