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Agência de Jornalismo das periferias

Isabela Alves/Agência Mural

Por: Isabela Alves

Notícia

Publicado em 12.05.2025 | 9:44 | Alterado em 12.05.2025 | 22:45

Tempo de leitura: 4 min(s)

A coragem para lutar moveu a vida de Adélia Prates (1947-2025), ativista que dedicou a vida a trazer melhorias ao distrito do Grajaú, no extremo-sul de São Paulo. Nascida em Valparaíso, no interior de São Paulo, desde pequena ela encarou a vida de frente e sem medo.

Adélia morreu em 27 de abril de 2025 em decorrência de um AVC (Acidente Vascular Cerebral) aos 78 anos, e deixa um legado de luta pela educação e direitos da mulher.

Quando criança, pegou meningite que a deixou imóvel na cama até os 5 anos de idade. Após se recuperar através da fé e rezas de um curandeiro, começou a trabalhar desde cedo para ajudar a mãe em casa e na criação dos irmãos mais novos.

Família que Adélia trabalhava na época da ditadura @Arquivo pessoal/Divulgação

Sem saber ler e escrever, continuou a atuar como trabalhadora doméstica até a vida adulta. Em 1972, teve o primeiro contato com a repressão da Ditadura Militar enquanto cuidava dos filhos dos chefes que moravam em Higienópolis, no centro da capital.

Cinco policiais fardados portando metralhadoras fizeram a inspeção no apartamento. “Nós somos da Polícia Militar, fica quietinha e não fala nada”, disse um deles enquanto Adélia segurava as duas crianças. Após o episódio, a família se refugiou em outro país.

Sem emprego, Adélia continuou a procurar por melhores condições de vida. Chegou ao Grajaú em 1979, junto com o marido. Foi ali onde construiu relações de afeto que perduraram por toda a vida e encontrou sua motivação: o ativismo dentro das periferias. “Ela foi um grito para o Grajaú. Era ternura com garra”, diz Ricardo Prates, 50, seu filho mais velho.

Adélia na juventude @Arquivo pessoal/Divulgação

Sempre em luta

Adélia falava sobre o ativismo em conversas triviais com as mães que iam pegar os filhos na porta da escola. Com doçura e acolhimento, ela já se revoltava com a dura realidade e discutia as principais necessidades da região. Sempre junto de outras mulheres, elas se uniram em uma rede de apoio.

Em 1981, a morte de uma criança por atropelamento em frente a casa de Adélia fez com que todas se reunissem para protestar por sinalização no trânsito e mais segurança nas ruas. Com picaretas nas mãos, as mães quebraram diversas valetas e colocaram seus filhos dentro. Quando a polícia chegou, Adélia os desafiou: “Agora quero ver vocês passarem por cima”.

Diante dos preços abusivos, Adélia levava as mulheres em frente ao açougue para protestar pelo direito à alimentação. Sabendo que a situação não iria mudar, buscou alternativas, abrindo as portas da casa para ensinar receitas saudáveis sem carne para as mulheres da região.

Sabendo também da importância da educação enquanto direito, começou a se organizar politicamente em prol de mudanças. Para conseguir uma vaga na escola, as mães enfrentavam filas quilométricas e, mesmo assim, muitas crianças ficavam sem vaga.

“Estávamos em uma luta por creche, quando uma pedra acertou a cabeça da Adélia. No mesmo instante o sangue desceu. Ela passou a mão na testa e continuou com a luta dela, com a luta de todas as mulheres. Era muito corajosa”, lembra Maria Vilani, 75, filósofa e escritora.

A ativista lembra das dificuldades de lutar pelos direitos básicos, no Grajaú @Isabela Alves/Agência Mural

As reuniões pelas melhorias eram feitas na Paróquia de Nossa Senhora Aparecida. Depois, criaram a Associação de Mulheres do Grajaú, que passou a promover cursos de empreendedorismo, acesso à saúde ginecológica, aulas de ginástica e prestar apoio jurídico para mulheres vítimas de violência. Adélia foi a primeira presidente da Associação.

As mulheres também se revezavam para ir nas passeatas no centro da cidade e uma cuidava do filho da outra. “Crescer perto daquele monte de mulheres, se organizando, foi emocionante. Elas pensavam as políticas públicas: as advogadas, sociólogas, enfermeiras e minha mãe que era manicure também estava lá no meio”, afirmou Ricardo.

Foi nessa casa que a ativista foi alfabetizada. “Ela se alfabetizou no movimento e, muito mais tarde, prestou concurso público para trabalhar no Maria Antonieta, o antigo posto do bairro que agora é UPA (Unidade de Pronto Atendimento). Ela se aposentou como funcionária pública municipal”, diz Maria Vilani.

Em 1983, um crime mudou a vida de Adélia para sempre: a irmã dela, Delvita, foi assassinada pelo marido, aos 30 anos. Adélia levou o caso da irmã aos jornais da época e pressionou para que os casos de feminicídio tivessem a devida punição.

Com o caso de Delvita e de outras mulheres que estavam sendo assassinadas pela condição de serem mulheres, em 1985 foi inaugurada a primeira Delegacia de Defesa da Mulher, no centro de São Paulo. Adélia também lutou na Justiça para ser a responsável legal do único filho da irmã, Artur, que morreu em 9 de junho de 2020, aos 39 anos, vítima da Covid-19.

Ao mesmo tempo em que enfrentava as injustiças sociais, ela era uma mulher acolhedora, afetuosa e que sempre estava disposta a dar uma palavra amiga.

Nos últimos anos, Adélia estava de cadeira de rodas, mas continuava ativa e com o mesmo sorriso. Ela continuava a levar as pessoas para dentro de casa e as acolhia com carinho.

A trajetória dela se tornou inspiração para uma das peças do “Memórias de um Grajaú Matriarca”, produzido pela Cia Os Desconhecidos, em conjunto com quatro coletivos de teatro do Grajaú: Companhia Teatral Enchendo Lajes e Soltando Pipas, Núcleo Pele, Grupo 011 e Cia Madeirite Rosa.

“O meu pai já era da luta popular e quando conheci a história da Adélia, fiquei encantado demais. É revolução! A história dela é a do Grajaú”, diz Renan Vítor, 34, arte educador e produtor cultural da companhia que prestou homenagem a Adélia. O espetáculo de 20 minutos contou com Luara Angélica, 24, e Micoli Cerqueira, 23, no elenco. 

Adélia Prates em luta popular no Grajaú @Arquivo Pessoal

O maior desejo de Adélia é que a juventude ocupe a Associação de Mulheres do Grajaú

“Acomodação era uma palavra que não existia pra ela, mesmo nos últimos momentos. E a luta continua. O legado está ali, mas o que foi conquistado pode ser perdido, então não podemos parar”, finaliza Ricardo.

Ela deixa os filhos Ricardo, Flávio e Mauro.

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Isabela Alves

Graduada em jornalismo pela Universidade Anhembi Morumbi (UAM) e pós graduanda em Mídia, Informação e Cultura pelo Celacc/USP. Homenageada no 1° Prêmio Neusa Maria de Jornalismo. Correspondente do Grajaú desde 2021.

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