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Com referências afro, escritor de São Miguel Paulista recria vivências periféricas

Em "A Caminhada", Andrio Candido recria histórias da zona leste e resgata o nome indígena Ururaí do bairro onde cresceu

Evelyn Fagundes/Agência Mural

Por: Evelyn Fagundes

Notícia

Publicado em 30.05.2025 | 8:32 | Alterado em 29.05.2025 | 21:03

Tempo de leitura: 4 min(s)

Por definição, o conto é um gênero literário que se apresenta como uma narrativa curta e ficcional. Foi com esse estilo textual que Andrio Candido, 38, ator, escritor e produtor cultural, encontrou a liberdade para recriar vivências observadas e passadas no bairro de São Miguel Paulista, periferia da zona leste de São Paulo, e mesclar com outras histórias populares.

A obra “A Caminhada“, lançada no último dia 9 de maio, é o primeiro livro de contos de Andrio Candido, que já escreveu poesias em “Dente de Leão” (2017) e um romance infanto-juvenil chamado “Corre” (2019).

“O subtítulo do livro, ‘narrativas periféricas’, é proposital porque a matéria fundamental de todo ator é observar e me considero um grande observador. Muito do que observei, vivi e estudei sobre História, eu utilizei e coloquei nesse meu primeiro livro de contos”, explica.

Lançamento do livro ocorreu no Galpão ZL, no Jardim Lapena @Evelyn Fagundes/Agência Mural

Historiador formado pela UNG (Universidade Guarulhos), Andrio usou seus conhecimentos para resgatar o nome original do bairro, antes de receber um nome católico. “São Miguel Paulista é o nome dado pelos colonizadores, mas aqui era uma aldeia indígena, a aldeia de Ururaí”, conta o escritor.

É em Ifé, uma vila de Ururaí, que se passa a história dos amigos Jorge, Jerônimo e Bárbara. Criados como irmãos por uma mãe de santo, os garotos acolhidos após conflitos familiares veem a amizade balançar quando Bárbara se torna interesse amoroso dos dois.

A trama é baseada em um itã, conto iorubá no qual Ogum e Xangô disputam Iansã. Os nomes dos personagens, ligados a santos católicos e aos orixás, representam o sincretismo religioso tão presente nas periferias.

‘Meu pai é do candomblé, minha mãe é espírita, minha avó é católica e eu cresci nesse meio. Sempre ouvi as cantigas e itãs dos orixás e sinto falta dessa presença na literatura’

Andrio Candido

Esse sincretismo faz parte da mescla de temas nas obras do autor. “Escrevo literatura afro fundida com a literatura periférica de uma maneira contemporânea, de forma que também atraia os jovens”, diz.

No conto, Jorge e Jerônimo encaram o preconceito na escola por serem iniciados em uma religião de matriz africana e, ao fim, a amizade entre os dois se desfaz por causa do amor por Bárbara. “Peguei itã e adaptei para uma vivência de periferia, de crescimento, de amizade, mas de desamizades também”, expõe Andrio.

Ilustração do capítulo mostra a mãe de santo conhecida como Mãe Mocinha e os jovens Jorge, Bárbara e Jerônimo @Evelyn Fagundes/Agência Mural

Estruturas de poder na favela

Ainda pensando em resgatar elementos da História, o enredo sobre a ascensão e queda do Império Romano (27 a.C. a 476 d.C) é parafraseado para falar sobre vitórias, alegrias, crises e perdas nas periferias. No conto “O Batismo da Favela”, o escritor mostra que, assim como Roma declinou por disputas de poder, esse tipo de conflito entre moradores pode prejudicar a convivência local.

“Faço essa analogia sobre Roma, que cresceu com tragédias, para falar do nascimento de uma favela, mas sob uma nova perspectiva que também traz o debate racial e de gênero”. O debate vem com o personagem Branco, já presente em outras produções do autor, como o filme “Um Salve Doutor” (2014).

No lançamento do livro, foi feita uma leitura dramática do capítulo “O batismo da favela” pelos atores Aliado, Endy, e Alexandre Santos @Evelyn Fagundes/Agência Mural

Em “A Caminhada“, o personagem Branco é influente na favela, tem amigos e o respeito dos moradores, apesar de falas e atitudes machistas. Trata-se de uma provocação para questionar a masculinidade e os privilégios brancos.

“Não é sobre o homem branco sozinho, mas sobre a branquitude, a masculinidade branca e como esse sentimento rege e perverte as óticas para manter uma estrutura de dominação estrutural”, afirma Andrio Candido.

Sobrevivência e resistência feminina

Já a história contada no capítulo “Alice no país das periferias” é inspirada em um acontecimento real e que, infelizmente, acontece com muitas mulheres. Na narrativa, uma adolescente que vivencia situações conflituosas na escola conhece um garoto, se aproxima dos amigos dele, vai a uma festa onde é induzida a beber e acaba sendo abusada.

A Caminhada é o primeiro livro de contos de Andrio Candido @Evelyn Fagundes/Agência Mural

O escritor relata essa história como uma forma de alertar os jovens para esse tipo de situação. Na vida real, a garota não conseguiu denunciar o ato; no conto fictício, Alice encontra forças internas para ter coragem de fazer uma denúncia.

No conto de Andrio Candido, os pássaros trazem perspectivas negativas, pensamentos ruins e julgamentos que tentam enfraquecer a mente da jovem. No entanto, também surge um pardal vermelho que, diferentemente das outras aves, tem uma cor que representa a força, o movimento de justiça.

“Já o pardal vermelho é uma voz de dentro, é uma energia de dentro e que sempre esteve com ela, é uma voz que tem cor. O pardal é uma voz que é um estalo para fazer com que a Alice tome ações e encare o que aconteceu”, explica Andrio.

Na espiritualidade, o vermelho é a cor da energia vital que impulsiona a sobrevivência e a abertura de caminhos. Nesse caso, é o pardal vermelho que silencia as vozes negativas e orienta a menina a viver.

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Evelyn Fagundes

Jornalista formada pela PUC-SP, instituição onde desenvolveu sua pesquisa premiada sobre o Racionais MC's. Mãe de pet e planta, é uma canceriana apaixonada por música. Correspondente de Guarulhos, na Grande São Paulo, desde 2022.

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