Léu Britto/Agência Mural
Por: Livia Alves
Notícia
Publicado em 14.05.2025 | 16:55 | Alterado em 14.05.2025 | 17:31
Enquanto a bola rola no CDC (Clube da Comunidade) São Januário, o ex-jogador Evandro de Oliveira Rocha, 40, aponta para pessoas que passavam na rua. “Ele jogou aqui, e ele também”, diz o ex-atleta que hoje é professor de garotos de 6 a 15 anos no Campo Limpo, na zona sul de São Paulo.
Ele indicava para as casas e contava histórias de jogadores que seguiram a carreira do futebol. “O Geovani e o Victor Balotelli moram ali atrás”, refere sobre jogadores do PSA [Parque Santo Antônio], que foram campeões da primeira Taça das Favelas de São Paulo.
Apesar disso, Rocha faz questão de dizer que não se trata de um projeto focado apenas no sonho do futebol e usa a própria experiência para alertar as crianças.
Evandro se dedica a manter o projeto mesmo sendo o único treinador de campo disponível @Léu Britto/Agência Mural
Morador da região, próximo ao Horto do Ipê, Rocha teve o início em um projeto de futebol no bairro, quando jogava em um campo de terra aos oito anos de idade. “Quando criança eu sempre participei deste projeto. Com o decorrer da vida, consegui entrar em clubes, me profissionalizei”, relembra.
O Januário virou time em 1987. Nos anos 1990, quando o ex-atleta começou, os treinos eram só aos sábados. Em 2008, virou o CDC (Clube da Comunidade São Januário), mas a grama só foi colocada em 2012. Hoje o clube tem como presidente Edmar, conhecido como Mazinho.
A trajetória de Rocha passa por várias equipes. Jogou pelo Marcílio Dias (SC) em 2002, MEC Noroeste (PR) em 2003, e no Esporte Clube Mundo Novo em 2004. Passou pela categoria de base do São Paulo e São Caetano e, aos 20 anos, no Mato Grosso do Sul, representou o União Recreativo Social Olímpico no Campeonato Estadual da Série A.
Aos 30 anos, o ex-jogador decidiu cursar Educação Física e se dedicar a ensinar crianças. Desde 2017, ele ensina futebol para alunos de forma gratuita. Iniciou com a faixa entre 13 e 14 anos.“Com o decorrer do tempo que eu iniciei no projeto passei a colocar os menores. Hoje a gente atende crianças e adolescentes.”
‘Vi a oportunidade de passar tudo aquilo que vivenciei como atleta e na parte acadêmica para esses meninos aqui do projeto’
Evandro Rocha, ex-jogador e professor de futebol
Além do jogo, o professor aborda a necessidade de continuar os estudos e já trouxe antigos colegas de time, com o objetivo de contar para os alunos as barreiras enfrentadas.
Um deles foi Felipe Rodrigues, com quem Rocha jogou na base do São Paulo, e hoje é treinador de goleiros do Tricolor. Ele explicou a importância de pensar além do futebol para os jovens que estão sonhando com a carreira. Afirmou ainda que “tem meninos que chegam no sub-20 do São Paulo, passam dois anos e a carreira se encerra.”
Alunos das turmas de crianças e adolescentes se reúnem entre os jogos para torcer uns pelos outros @Léu Britto/Agência Mural
“Eu comento com os pais, nem todo mundo vai ser um atleta profissional de futebol”, alerta o professor. “Eles vão levar [esses treinos] para a vida quando estiverem trabalhando, estudando, é bom para o crescimento deles”, comenta Rocha.
Rocha afirma que, mesmo se seguir no futebol profissional, os estudos são necessários. “Após encerrar a carreira você precisa ter um entendimento do que seguirá ou como irá administrar o [dinheiro] que ganhou.”, explica.
O ex-atleta conta que os processos dentro do esporte tem ajudado na vida pessoal dos alunos, e pais notam um melhor comportamento das crianças nas escolas após fazer parte do clube.
Maria Helena, 8, e João Lucas, 9, são alunos da “turma dos pequenos”, e jogam pela manhã. Ambos entraram no projeto ao completar 6 anos e gostam de participar.
Maria é a única menina da equipe e diz que se inspira em Marta, eleita seis vezes a melhor jogadora do mundo. “Acho divertido [jogar], porque a gente faz amigos, tem amizades.” A ideia é que o projeto expanda e que mais meninas participem, segundo o treinador.
Para João, a inspiração é o jogador Cristiano Ronaldo e concorda com a irmã, Maria, de que o futebol faz bem para eles. “Eu acho divertido também, o futebol é artístico, muito bom.”
As famílias são incentivadas a participar @Léu Britto/Agência Mural
Guilherme, 9, que prefere ser chamado de Gui-Tijolo, jogador há 3 anos no campo, ele fala da paixão pelo esporte. “Gosto de jogar futebol e de treinar também. Venho três vezes por semana e já joguei em campeonato.”
Mateus Caetano, 13, é da turma dos adolescentes e conta que jogar no CDC é uma prática de família. Tanto o pai quanto o avô dele jogaram ali, mas quem incentivou a participação do jovem foi a avó Sesé, 54, voluntária no campo.“O amigo dela que era treinador falou para eu vir aqui e comecei a treinar. Gosto de jogar e meu sonho é ser jogador.”
Sesé trabalha em um sacolão e em uma clínica na Barra Funda, na zona oeste de São Paulo, mas deu um jeito de encaixar o projeto na rotina.“Tem 5 anos que eu ajudo aqui. É bom para eles (crianças), tirá-los do celular, da TV, alguns meninos não sabiam nada e agora estão bem desenvolvidos”.
CDC São Januário fica no Campo Limpo, na zona sul de SP @Léu Britto/Agência Mural
Dezenas de garotos participam das atividades @Léu Britto/Agência Mural
Tanto os mais novos como os mais velhos já mostram grande habilidade de campo @Léu Britto/Agência Mural
Evandro já jogou no profissional e costuma alertas sobre os riscos e dificuldades do futebol @Arquivo Pessoal
Crianças treinam todas as semanas @Léu Britto/Agência Mural
Sesé afirma que os alunos gostariam que tivessem mais treinos e vê no neto e nos colegas a empolgação em dias de jogo. “Meu neto se pudesse vinha direto. Se desse teria jogo todos os sábados,” brinca.
Apesar do projeto, o campo foi fechado no final do ano passado. Com as chuvas de dezembro, a água se infiltrou e a arquibancada caiu junto com parte do muro e escorreu lama para o gramado. Eles aguardam a restauração do local.
Por causa do gramado danificado o número de alunos diminuiu e por segurança apenas metade do campo tem sido usado. “Ano passado a gente teve umas 120 crianças, hoje estamos na faixa de umas 70/80 crianças”, diz Sesé.
Muro caiu no ano passado e dificulta parte dos treinos @Léu Britto/Agência Mural
Rocha ressalta a necessidade de parceiros para manter o projeto. Doações de equipamentos esportivos, como bolas e chuteiras, e alimentos ajudariam a manter as crianças e adolescentes seguras para as práticas esportivas. Ele está tentando diversos métodos para divulgar o trabalho.
“Doações de bola, equipamentos, coletes. São coisas que vamos precisar, porque acaba gastando rápido. Na alimentação se conseguirmos mais pessoas doando é bom, porque teremos mais alimentos para os alunos.“
Jornalista apaixonada pela cultura brasileira. Pansexual, youtuber e streamer pelo canal LadoPan nas horas vagas. Correspondente do Campo Limpo desde 2021.
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