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Agência de Jornalismo das periferias

Léu Britto/Agência Mural

Por: Ana Claudia Silva

Notícia

Publicado em 23.09.2025 | 15:32 | Alterado em 23.09.2025 | 15:32

Tempo de leitura: 5 min(s)

A verticalização da cidade de São Paulo, antes concentrada em bairros centrais e valorizados, tem cada vez mais avançado em periferias, como Itaquera, na zona leste da capital.

Ruas antes dominadas por casas térreas e com clima de interior agora contam com prédios residenciais cada vez mais altos. Com eles, chegam novos moradores, mais movimento e também novos desafios para a infraestrutura da região.

Na rua onde vive o educador e cicloativista Rogerio Rai, 36, três prédios foram erguidos em um curto intervalo de tempo. Morador de Itaquera desde 2023, ele relata que não considerava se mudar para a região.

Verticalização atrai novos moradores e altera a rotina do bairro na zona leste @Léu Britto/Agência Mural

“Nunca pensei em morar em Itaquera. Mas depois que vim pra cá, andando de bicicleta, percebi que era um dos lugares mais estratégicos da zona leste. Está entre o nordeste, o interior paulista, e o sudeste, que é São Mateus. Em uma hora, você está no centro”, conta Rai que é idealizador do projeto Pedale-se,.

Segundo dados do Painel Cadastral da Cidade de São Paulo, realizado pela Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento, o número de unidades condominiais em Itaquera saltou de 13.713 em 2014 para 22.280 em 2024, um avanço de 62% em dez anos.

A Agência Mural procurou informações com construtoras locais. De acordo com a Plano & Plano, que tem atuação na zona leste, Itaquera é hoje o terceiro bairro da região com mais empreendimentos da empresa, atrás apenas de Aricanduva/Formosa e Penha. Desde 2020, a empresa contabiliza 62 construções na região.

Com a chegada de novos moradores, a movimentação no comércio local também aumentou. Igrejas e espaços comunitários passaram a receber mais frequentadores, vindos dos novos empreendimentos. Eliabe Viana, 54, obreira da igreja Assembleia de Deus Belém, na Rua Jacu, conta que a rotina da congregação mudou.

“Tínhamos recebido uma promessa de Deus de que a igreja ia lotar. Não sabíamos de onde ia vir, porque a região antes era muito deserta, mas acreditamos. Pouco tempo depois começaram os prédios, e junto vieram os novos irmãos”, afirma.

Prédios residenciais mudam a paisagem de Itaquera, antes marcada por casas térreas @Léu Britto/Agência Mural

A mudança afetou não apenas a vida religiosa. Para a empresa de internet TCA, fundada na Vila Carmosina, o crescimento vertical impulsionou a expansão da base de clientes.

“Nos últimos cinco anos, crescemos mais de 300%. Antes, atendíamos cerca de 100 clientes por quarteirão. Hoje, num único prédio, atingimos essa mesma marca”, diz Luiz Lafite, um dos cofundadores.

‘Foi um movimento puxado pelo home office e pela concentração populacional nos condomínios’

Luiz Lafite, da TCA, empresa de internet do bairro

Mais prédios, menos espaço

Mas esse novo desenho urbano de Itaquera também tem provocado incômodos. Rai, que utiliza a bicicleta como principal meio de transporte, aponta para a ausência de estrutura mínima para ciclistas.

“Itaquera não tem paraciclos e bicicletários, principalmente na estação Dom Bosco. Já ouvi da galera da Universidade Federal, que tem um campus ali perto, que isso faz falta. Se tivesse, muita gente deixaria a bike ali”, afirma.

Com o aumento da população na região, há um excesso de veículos, trânsito lento e pouco espaço para ciclistas @Léu Britto/Agência Mural

Apesar de reconhecer os ganhos de mobilidade, ele diz que nunca precisou pegar ônibus para ir ao trabalho, em São Miguel Paulista, que está a 25 minutos de pedal. O morador alerta para os riscos da verticalização sem planejamento.

‘Minha preocupação não é com quem vai vir morar aqui, é com a especulação imobiliária. O bairro não está sendo pensado com base no plano diretor, e sim no interesse do mercado. Isso cria problemas’

Eunice Quitéria, 47, comerciante e moradora há mais de dez anos, também vê um crescimento desordenado. “A gestão precisa entender que não adianta autorizar novos prédios sem pensar na infraestrutura. Quanto mais construções, mais pessoas. Mas ninguém planeja como essas pessoas vão viver, circular, trabalhar”, afirma.

Ela conta que o aumento no número de veículos tornou o trânsito mais complicado, já que a radial leste é a principal via para saída do distrito.

“Mesmo que a gente tente sair por outras vias, como a Ayrton Senna, é trânsito do mesmo jeito. E tudo isso porque as regiões mais afastadas dos centros comerciais viraram alvo desse crescimento desordenado de novos prédios sem infraestrutura”, alerta Eunice.

Nova unidade em construção em Itaquera. Região teve crescimento de 60% no número de unidades condominiais @Léu Britto/Agência Mural

Outro ponto que preocupa é a substituição de áreas verdes por empreendimentos. “Estão trocando espaços que poderiam ser praças, áreas verdes e locais de lazer por prédios. Falta um olhar mais humano para o bairro. Não pensam nas crianças que poderiam estar andando de bicicleta, nos idosos que poderiam socializar”, desabafa Eunice.

Para o arquiteto e urbanista Lucas Ticone Balteiro, 31, o processo atual em Itaquera é consequência direta das diretrizes do Plano Diretor de 2014 e da Lei de Zoneamento de 2016, que incentivaram construções nas imediações de estações de trem e metrô.

“A ideia era aproximar as pessoas do transporte público. Mas quem são essas pessoas? O mercado não produz habitação social, então quem está sendo atendido são os estratos médios da população”, explica.

O arquiteto também aponta uma contradição estrutural nesse processo: “Quando a gente faz um empreendimento desse porte, a rede de infraestrutura da cidade precisa dar conta disso, transporte, energia elétrica, água, saneamento.”

‘Em regiões periféricas, como Itaquera, muitas vezes essa infraestrutura básica nem sequer atende a população existente’

Lucas Ticone Balteiro, urbanista

O sentimento de abandono por parte do poder público também é compartilhado por Rai, que foi furtado a poucos metros da delegacia do bairro. “Antes disso, achava que era um lugar seguro. Mas quando fui reclamar, não tive nenhum amparo. É contraditório: os equipamentos públicos estão próximos, mas não garantem segurança, nem atendimento adequado.”

Balteiro reforça que o adensamento urbano exige, além de infraestrutura, mecanismos de participação popular. “A legislação exige participação popular, mas quem tem voz, na prática, são moradores dos Jardins, do Pacaembu. Enquanto isso, o morador da Cohab ou da Vila Carmosina raramente consegue sentar com o poder público para discutir o futuro do bairro.”

Enquanto o número de prédios aumenta, cresce também a pressão sobre os serviços públicos já existentes, como escolas, unidades de saúde e transporte. “Todas as UPAs daqui estão lotadas. Isso é um fato”, diz Rai.

UBS em Itaquera. Aumento de moradias amplia questão da quantidade de serviço público @Léu Britto/Agência Mural

Eunice aponta para a questão da infraestrutura no trânsito com a chegada de muitos moradores na região. “Com os novos prédios e comércios, inclusive o meu, senti que faltou preparo na estrutura do bairro. Vieram mais pessoas, mas não vieram mais linhas de ônibus, nem melhorias no trânsito.”

Apesar das críticas, Rai também enxerga oportunidades na reconfiguração de Itaquera. “Hoje eu vivo um contexto diferente do que vivia antes, lá no Itaim. Aqui eu descobri equipamentos culturais, conheci novas pessoas, circulei por outros espaços da cidade. Mas pra isso dar certo, a cidade precisa ser pensada com mais cuidado.”

A Agência Mural procurou construtoras que atuam na zona leste como a Cury, Plano & Plano e Vivaz, para obter informações sobre empreendimentos em Itaquera. A Plano & Plano respondeu compartilhando detalhes de seus projetos na região. A Cury informou que não possui obras no bairro, enquanto a Vivaz não retornou o contato.

Também foi feito um pedido via LAI (Lei de Acesso à Informação) à SEHAB (Secretaria de Habitação), que declarou não possuir esse tipo de levantamento.

Já a SMUL (Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento) afirmou não ter dados específicos sobre o crescimento de prédios residenciais, mas indicou o Painel Cadastral da Cidade de São Paulo, que reúne informações como área construída e número de unidades por distrito.

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Ana Claudia Silva

Jornalista e assessora de comunicação na Giusti Creative PR, agência do maior ecossistema de comunicação corporativa da América Latina. Formada com láurea acadêmica pela Universidade Cruzeiro do Sul. É correspondente de Itaquera desde 2021.

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