Júllia Zequim/Agência Mural
Por: Júllia Zequim
Notícia
Publicado em 26.08.2025 | 8:28 | Alterado em 25.08.2025 | 21:36
“Se tu ama essa cultura como eu amo essa cultura, grita: Hip-Hop! Se tu ama essa cultura como odeia a ditadura, grita: Hip-Hop!”. É assim, com um grito de guerra, que começa a batalha de rima entre dois MCs em Santo André, no ABC Paulista.
Cada participante tem cerca de 45 segundos por round, sendo o primeiro de ataque e o segundo de defesa, acentuado pela frase “tudo que vai, volta”. Se os jurados e o público entenderem que há um empate, é realizado um terceiro round.
Mantido por coletivos, as batalhas de rima tomam a região central e se tornaram espaço para diversos artistas da cidade e tem usado tipos diferentes de disputas para cativar o público.
Há cerca de 10 anos, a Batalha da Palavra, a mais antiga de Santo André, é uma das principais responsáveis por fomentar esses talentos.

Mayara Viana, Merror e Beatriz Melo, os organizadores da Batalha da Palavra @Júllia Zequim/Agência Mural
Criada em 2014 por Gabriel Guerra, 28, ela começou como “Rinha da 013”, ganhando o nome atual um ano depois ao se fixar na Concha Acústica, que fica em frente à Casa da Palavra Mário Quintana.
“Há muitas gerações a gente ajuda a juventude a ter um lazer gratuito, um espaço de cultura e identificação para quem gosta de hip-hop”, conta João Pedro ‘Merror’, 33, que entrou na BDP em 2016 e exerce a função de redator e coordenador.
Ao comemorar 10 anos, em 2024, a BDP lançou uma camiseta com uma estética dos times de várzea. “É para as pessoas se sentirem representadas, a gente quer fazer parte do guarda-roupa do nosso público”, relata Beatriz Melo, 23, capitã do coletivo, responsável pelas mídias sociais e planejamento.

Folhinha (arte temática) entregue para o vencedor da edição @Júllia Zequim/Agência Mural
A BDP realiza duas principais competições: o Palavrão, onde os MCs vão acumulando pontos no ranking para a Seletiva de Rua, que garante uma vaga no campeonato regional; e a Copa da Palavra, que teve a primeira edição em maio, reunindo MCs do ABC e de outros estados do país.
Aberta a todos os gêneros, idades e à comunidade LGBTQIAPN+, a batalha não aceita condutas “anti hip-hop”, ou seja, que vão contra a inclusão promovida pelo movimento.
Todo o financiamento como premiações para os MCs vencedores, equipamentos, caixa de som, microfone e transporte vem dos organizadores. Eles se mostram frustrados com a administração da cidade pelo sucateamento dos espaços públicos.

Jovens disputam rima na Batalha da Palavra @Júllia Zequim/Agência Mural
Durante os anos de 2021 a 2024, a Concha Acústica foi fechada para uma suposta reforma que ainda não aconteceu. Nesse período, o coletivo precisou mudar constantemente de local.
Mayara Viana, 25, responsável pela gestão financeira e eventos do coletivo, acrescenta que “os tapumes só foram retirados quando o governador [Tarcísio de Freitas (Republicanos)] fez uma visita na cidade, por isso conseguimos ocupar novamente o espaço.”
‘A gente quer sim ganhar dinheiro, ser reconhecido pelo o que fazemos, parar de sofrer com a opressão da polícia. Queremos tudo isso e também ver os moleques da quebrada brilhando
Merror, publicitário e músico
Esse desejo de reconhecimento também é visto em outra região da cidade. Foi com a combinação de um ponto de pixação, um bar e o hip-hop que nasceu a Batalha da Martinha.
O nome é uma homenagem ao Bar da Martinha, na rua Gertrudes de Lima, onde ocorreu a primeira reunião do grupo. Desde então, o evento é realizado quinzenalmente às quintas-feiras, às 20h, no mesmo local.
Rima na Batalha
“Fui sacar meu dinheiro só para pegar minhas passagens
o foda é que só deu a ida e volta e uma coxinha.
O lado bom é que agora eu tô sem nada pra perder
e acabei parando aonde? Batalha da Martinha!”
“Muita gente pensa que o hip-hop se trata só de seriedade, mas os movimentos periféricos também têm direito a entretenimento e diversão”, relata Yuri ‘Lakan’ Cerchiari, 24, que cuida da edição dos vídeos e apresentação.

Peita (camiseta oficial) da Batalha da Martinha @Júllia Zequim/Agência Mural
Em 2024, lançaram uma coleção de camisetas com a logo inspirada na pixação, referenciando vivências pessoais e o espaço onde a batalha acontece.
“Queria frisar sobre a importância de um MC. Um jovem de uma comunidade que se desloca até aqui, o centro. Queremos que eles se sintam valorizados como artistas da região.”, ressalta Fernanda Lininberg, 28, diretora de arte e comunicação da BM.
Entre os formatos de competição, destaque para a edição chamada Sopa de Letrinhas, na qual foi usada a aliteração [repetição de fonemas]. Os MCs precisavam começar a rima com uma letra sorteada do alfabeto, o que fazia com que saíssem da zona de conforto.
“Somos uma equipe e por muitas vezes os movimentos de batalha são vistos como simples. Desde o começo, sempre fomos persistentes para manter a organização. É um movimento, são pessoas trabalhando, mesmo que não esteja ganhando dinheiro aqui, é trabalho”, conta Lakan.

Lakan e Fernanda, organizadores da Batalha da Martinha ressaltam que os MCs são artistas e precisam ser valorizados @Júllia Zequim/Agência Mural
Outra disputa que tem ganhado espaço em Santo André é a Batalha Donas da Rua. Criada em 2023, ela foi pensada para o público feminino, após Zula, 27, ser convidada para articular uma edição especial de batalha de hip-hop no coletivo de samba Donas da Rua em Santo André, durante o mês da consciência negra.
A edição fez tanto sucesso que se tornou mensal, realizada às sextas-feiras, às 19h, na rua Cel. Oliveira Lima, no centro da cidade.
“A Batalha Donas da Rua surgiu com a finalidade de empoderar as meninas. Quero proporcionar um espaço minimamente seguro para as manas, onde elas não tenham medo de entrar.”, conta Zula.
Por existirem há apenas dois anos, o coletivo ainda não conseguiu financiamento por meio de editais públicos. No início, a Batalha foi mantida, principalmente, por bares parceiros que ofereciam ajuda de custo para a passagem de MCs que vinham de outros municípios.

Joy Vicente e Zula, da Batalha Donas da Rua buscam participar de editais para manter o coletivo @Júllia Zequim/Agência Mural
Quando ainda não tinham recursos, as madrinhas da Batalha, o coletivo de samba Donas da Rua, também as ajudavam. Hoje, o financiamento é totalmente independente feito pelas organizadoras.
“As MCs trabalham, estudam, são mães, têm compromissos que os caras às vezes não têm. Então acho que para a mulher já é diferente acessar esse espaço”, afirma Joy Vicente, 29, uma das fundadoras da batalha.
Mulheres cis, trans, pessoas não binárias e homens trans podem participar, avisando com antecedência ou apenas chegando no dia.
Para os próximos anos, o desejo é entrar em editais, expandir o trabalho e dialogar mais com MCs e outras organizações.
“O resultado do Donas da Rua é o que a gente tem feito de diferente dentro do nosso território. Que a gente também possa se admirar em cima do palco, se olhar como iguais e saber que temos competência e capacidade”, ressalta Zula.
Endereço: Concha Acústica, Praça do Carmo, centro
Horário de funcionamento: Todos os sábados às 19:30h
Gratuito:
Endereço: Rua Gertrudes de Lima, 705, centro
Horário de funcionamento: Quinzenalmente às quintas-feiras, 20h
Gratuito:
Endereço: Rua Coronel Oliveira Lima, 360, centro
Horário de funcionamento: Mensalmente às sextas-feiras, 19h
Gratuito:
Jornalista em formação e redatora. Aspirante a fotojornalista, saudosista do futuro e capricorniana. Apaixonada por cultura, arte e contar histórias.
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