Criação de um espaço de proteção e educação ambiental era um dos sonhos de Bianca, que morreu aos 42 anos
Por: Bruna Nascimento
Notícia
Publicado em 04.04.2023 | 17:31 | Alterado em 04.04.2023 | 23:07
Às margens da avenida Katsutoshi Naito, uma área de 124 hectares de mata se tornará um novo parque. O local é conhecido por todos que moram na região, em Suzano, na Grande São Paulo, mas em especial por quem conviveu com a professora Bianca Nunes, cujo nome batizará o espaço.
Com uma carreira dedicada ao meio ambiente, Bianca morreu em 2020, aos 42 anos, em decorrência de um câncer. Ela estudou e catalogou as espécies da fauna, flora e as nascentes presentes na área.
A educadora combatia o abandono e descaso que o espaço se encontrava, com o sonho de que fosse conservado e transformado em um parque, o que se tornou realidade quase três anos depois do falecimento dela.
Professora durante 20 anos, Bianca costumava dizer que “a biologia precisa ser vivida” durante as aulas. Ensinava crianças em uma escola municipal e ministrava aulas de biologia para o ensino médio em uma escola estadual. Ambas no Boa Vista, bairro onde morava e próximo ao futuro parque.
“Eram as aulas em que todos participavam, a vontade de ensinar dela era contagiante”, diz a vendedora Paloma Carminhoto, 26, ex-aluna.
Ela usava métodos diferentes e descontraídos, com músicas, observação da natureza e aulas ao ar livre. Um dia, a educadora levou uma amostra de um morcego para explicar sobre a espécie. “Foi de longe a coisa mais legal que um professor fez na escola”, relembra Paloma.
“Ela estava sempre empenhada em nos fazer alunos ricos de conhecimento, nos ensinou as funções taxonômicas cantando e nos preparava para concursos. Bianca merece muito esse reconhecimento pela ótima professora que foi”
Thiago Gonçalves, 25, empresário e ex-aluno de Bianca
Além disso, Bianca ensinava sobre o espaço que abrigará o parque. Nas aulas, a Mata Atlântica deixava de ser apenas um bioma em livros didáticos e apostilas e passava a ser algo que fazia parte do território em que os alunos viviam.
Antônio Amaral Lima, 44, foi casado com a professora por 16 anos. Ele conta que o interesse pela área começou no início do namoro dos dois.”Quando você olha a mata da casa dos meus pais, ela tem formato de coração. Cresci soltando pipa com o vento a noroeste e olhando as pipas na mata”, conta o viúvo.
Quando começou a namorar Bianca, Antônio mostrou o curioso formato para a amada.A mata, que para o casal lembrava o formato de um coração, fez o de Bianca bater mais forte. Ela já era bióloga e começou a visitar e estudar o local por conta própria. E percebeu o potencial daquele espaço se tornar o primeiro parque ambiental de Suzano.
Por ser próxima da várzea do rio Tietê e contar com nascentes, a região é uma APA (Área de Proteção Ambiental), o que enquadraria o espaço na Lei de Recursos Hídricos (9.433/97).
“A legislação prevê que onde existe nascente, o poder público precisa preservar uma área determinada. Então tudo isso precisava ser preservado. Essa é a nossa luta”
Bianca em um vídeo publicado no Facebook em 2016
O envolvimento com o espaço público a levou a articular com moradores que também se interessavam pela causa, além de políticos eleitos e que pleiteavam cargos. Em 2016, se candidatou a vereadora e teve mais de 900 votos.
O resultado a tornou suplente da Câmara Municipal e diretora da secretaria de Meio Ambiente de Suzano em 2017, um ano antes de iniciar o tratamento contra o câncer.
Antes de ingressar na vida pública e além da causa ambiental, Bianca era conhecida por participar de manifestações em prol da educação. Também idealizou ações culturais e sociais, como projeto de incentivo a leitura e contação de histórias para crianças, eventos no salão de festas da família e sessões de cinema na praça.
“A gente colocava um lençol na praça, pedia a tomada do vizinho, puxava um fio e fazia cinema. Ela vinha, fazia a pipoca e levava para a galera. Falava: ‘Dona, quem vai vir aqui, pelo amor de Deus?’”, lembra o marido, com bom humor. “Chegou a ficar gente até em cima das árvores para assistir”, devolve Samuel Nunes, 18, filho mais velho da educadora.
Samuel conta que a família teve um contato intenso com a área do futuro parque. “Quando ela ia lá levava todo mundo, a gente sempre ficava nessa luta junto com ela.”
O filho do meio, José Antônio Nunes, 14, lembra da atuação da mãe no combate às queimadas da vegetação. A família chegou a apagar fogo e a resgatar animais. “Às vezes, em casa tinha tucano, gambá”, diz. Depois de resgatados, os animais eram levados para o Centro de Recuperação de Animais Silvestres no Parque Ecológico do Tietê.
Os filhos também lembram da postura combativa da mãe contra o descarte irregular de lixo na área. As denúncias viravam vídeos que eram postados na rede social, ilustravam as aulas e faziam a professora ganhar ainda mais admiração dos alunos.
“Hoje quando a gente vê alguns pedacinhos pegando fogo, porque infelizmente tem gente que ainda faz isso, ficamos tristes, lembramos muito dela”, conta o marido.
Mas os sentimentos bons são os que prevalecem. Para a filha caçula Maria Luiza, 12, ela, o pai e os irmãos se sentem “felizes pela gente, que conseguimos realizar um sonho por ela. E por ela, que de onde estiver pode estar feliz.”
Para a professora Evelyn Nunes, 34, a colega foi referência profissional e pessoal. A professora também foi diagnosticada com câncer e iniciou o tratamento na mesma época em que Bianca. “Fui visitá-la após uma das tantas cirurgias que fez e encontrei o brilho de sempre, aquele sorriso contagiante e uma vontade imensa de viver. Também me espelhei muito nessa força para conseguir vencer o câncer”, conta.
Além de nomear o parque, a professora também foi homenageada na personagem ‘Fadinha Bianca’ do livro infantil ‘Do cinza do cimento ao colorido da vida’ (Editora Autografia, 2022), escrito por Ana Maria com ilustração de Julitos Koba. O título foi inspirado em uma oficina ministrada por Bianca para profissionais da educação.
“Nossa fadinha Bianca nos fez acreditar que é possível ver o colorido da vida através da natureza e de detalhes das coisas que precisamos valorizar”, escreve a autora, na publicação.
De acordo com a Prefeitura de Suzano, o parque deve ser entregue ainda neste primeiro semestre. A expectativa é beneficiar 85 mil pessoas que moram na região do equipamento. Percurso de mountain bike e espaço pavimentado para sediar eventos estão entre funcionalidades prometidas para o local.
O investimento é de R$ 1,5 milhão em parceria com a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo).
Ainda segundo a gestão, a indicação do nome da professora Bianca Nunes para a futura Unidade de Conservação Municipal do Parque Mirante foi feita em 2020 pelo Condema (Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente) e avalizada pelo Executivo.
“A escolha ocorreu por ela ter sido uma liderança na cidade com histórico de luta pela revitalização daquele local.”
Fotojornalista, sonhadora, observadora e ouvinte de 'causos' profissional. Corinthiana maloqueira e sofredora (graças a Deus), boa sujeita, pois gosta de samba e tal qual Candeia na voz de Cartola, precisa se encontrar e vai por aí a procurar. Correspondente de Suzano desde 2019.
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