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Agência de Jornalismo das periferias

Por: Ira Romão

Notícia

Publicado em 26.04.2022 | 15:53 | Alterado em 28.04.2022 | 15:14

Tempo de leitura: 6 min(s)
Esta reportagem foi produzida com o apoio do Instituto Unibanco IU

Não estava nos planos de Stephany de Novais Rocha, 16, mudar de escola em 2022, mas foi a única alternativa. Moradora da Cohab Nova Heliópolis, dentro da maior favela de São Paulo, a estudante do 2º ano do ensino médio foi para a escola estadual Coronel Bonifácio de Carvalho, em São Caetano do Sul, cidade da Grande São Paulo que fica próxima da comunidade.

Ela pediu transferência após a antiga escola, a Professor Edgar Alves da Cunha, aderir ao PEI (Programa de Ensino Integral). “As aulas passaram a ser das 7h às 16h30. Se eu continuasse naquela escola, não conseguiria trabalhar”, conta a jovem que há 10 meses trabalha no período da tarde. Outros colegas a acompanharam.

Presente na rede estadual desde 2012, o PEI tem como objetivo ampliar a aprendizagem integral dos alunos por meio de uma grade curricular de componentes específicos que inclui orientação de estudos e práticas experimentais.

O programa é ofertado em dois formatos: de sete horas e de nove horas. No primeiro, as escolas oferecem dois turnos – das 7h às 14h e das 14h15 às 21h15. No segundo, as aulas são entre 7h e 16h.

Nos últimos três anos, esse modelo de ensino vem sendo expandido no estado de São Paulo. O programa saltou de 364 escolas para 2.050 unidades que estão espalhadas por 464 municípios.

Stephany teve de mudar de escola para manter estudos @Arquivo Pessoal

De acordo com o novo plano de expansão, até 2023 o estado terá 3.000 escolas com ensino integral. Para este ano a previsão é que 100 novas escolas entrarão no PEI e, no próximo ano, outras 850.

Essa expansão tem impactado de diferentes maneiras a vida dos estudantes da rede pública estadual, em especial nas periferias, onde alunos dessa faixa etária acabam se dividindo entre escola e trabalho para ajudar nos gastos das famílias.

A Agência Mural ouviu estudantes para entender quais são esses efeitos gerados pela expansão do PEI.

Transferência em massa

Stephany pediu transferência porque o horário das aulas impediria o trabalho no Observatório De Olho Na Quebrada, uma iniciativa da Unas (União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região).

Embora a atual instituição de ensino fique na mesma região que a antiga, em São Caetano do Sul, Stephany precisou adaptar os horários, para seguir indo e vindo a pé da escola. “A Bonifácio de Carvalho (escola atual) fica a 40 minutos da minha casa. Já a Edgar (antiga escola) fica a 30. Então eu saia um pouco mais tarde [de casa] pra chegar no horário”.

Ela também precisou fazer alterações na rotina depois das aulas, pois passou a ir direto da escola para o trabalho. Isso porque, embora a atual escola não seja PEI, em alguns dias Stephany tem que cumprir a grade dos itinerários formativos do novo ensino médio.

“Tenho a sorte que o meu trabalho começa às 14h. Se eu atrasar meia hora, que é o tempo que eu demoro para me deslocar até lá, está tudo bem.”

Stephany conta que não foi a única a buscar pelo ensino regular. Segundo ela, a chegada do PEI movimentou a vida da maioria dos amigos e colegas de sala.

“Quando ficamos sabendo que a escola mudaria para o ensino integral, foi uma revolta.”

“Além dos que trabalham, tenho amigos que têm irmãos [menores] e que ficam em casa para limpá-la, justamente, para quando a mãe chegar do trabalho não ficar tão pesado para ela. Saindo às 16h30 da escola, não haveria tempo para essa ajuda”, acrescenta.

Um dos amigos de Stephany compartilhou que tentaria transferência para a escola Bonifácio de Carvalho, incentivando os demais. “De 35 alunos [da minha sala], 25 saíram para o Bonifácio. Foi realmente uma revolta”, avalia Stephany. “Os 25 alunos que saíram de lá formam os 45 alunos que estão hoje na minha sala.”

Questionada sobre essas transferências, a Seduc-SP (Secretaria da Educação do Estado de São Paulo) confirmou por e-mail que “alguns alunos da EE Professor Edgar Alves da Cunha procuraram a EE Cel. Bonifácio de Carvalho porque precisam trabalhar, mas querem continuar seus estudos”.

Mas afrimou também que “essa movimentação acontece desde antes da EE Profº Edgar ofertar o ensino integral” e que “pensando no futuro profissional dos seus estudantes, a Bonifácio passou a oferecer o ensino profissionalizante via Novotec”.

Em Pirituba, José Henrique aponta o cansaço como um dos obstáculos do formato @Arquivo Pessoal

PEI na prática

Com uma carga horária diária de 9 horas, o cansaço é uma das principais queixas dos estudantes das periferias com relação à adaptação ao ensino integral. É o que relata José Henrique Costa Cerqueira, 16, morador de Pirituba, na zona norte da capital.

Ele está no 2º ano do ensino médio, na Escola Estadual Doutor Joaquim Silvado, situado no bairro onde mora, e que aderiu ao PEI no ano passado no retorno das aulas presenciais, após dois anos de pandemia de Covid-19. Nela as aulas ocorremdas 7h30 às 16h05.

“No começo foi bem mais difícil. Não que eu esteja já acostumado, mas posso dizer que hoje lido melhor”, afirma o jovem.

“O maior desafio é não poder escolher meus horários para ter um tempo de jogar bola, desenhar ou assistir algo que eu goste depois da aula. Até porque quando chego em casa, já está tarde.”

O jovem diz ainda que se sente tão cansado que quando decide assistir algo quando chega da escola, depois não consegue fazer mais nada. José Henrique tem passado por recentes mudanças em sua vida, pois se mudou para o bairro há um ano. Antes o jovem morava e estudava no centro da cidade.

Apesar disso, para ele, todas essas mudanças, que incluem ainda a passagem pelo ensino remoto, em decorrência da pandemia, foram mais fáceis de se adaptar do que a transição para o PEI.

“Durante a pandemia eu conseguia fazer meus próprios horários. Hoje não tenho mais liberdade de fazer isso. Mesmo quando tento fazer alguma coisa depois da aula, quando percebo já está na hora de dormir para começar tudo de novo”, diz.

Mesmo para Victória Alencar Penha, 16, que afirma ser uma estudante que gosta de estar no ambiente escolar e que tem contato com o PEI há três anos, o modelo de ensino ainda oferece desafios.

“Às vezes têm trabalhos que são muito extensos e mesmo estudando integral, não conseguimos fazer tudo na escola. Então temos que combinar um dia no fim de semana para concluir. Isso acaba sendo muito cansativo”, conta.

Victória gosta do modelo integral, mas também aponta desgaste @Arquivo Pessoal

Victória também mora em Pirituba e está no 3º ano do ensino médio na escola Professor Milton da Silva Rodrigues, situado no bairro do Moinho Velho, na zona norte da capital. Ela chegou a essa instituição em 2020, para cursar o ensino médio já ciente da jornada integral.

“Foi tudo muito novo. Estudei a minha vida inteira em meio período. Nos primeiros dias fiquei muito cansada e quando chegava em casa, queria logo dormir. Infelizmente, como teve a pandemia, não curti muito desse momento no 1º ano”, narra. “Estou começando a pegar mesmo o ritmo agora, em 2022, com o retorno das aulas presenciais”.

Apesar do cansaço, Victória diz que gosta do ensino integral. Para ela, ter mais tempo para conversar com os amigos e para estudar juntos são os principais benefícios do PEI.

“Eu aprendo as matérias com mais facilidade quando meus amigos me ajudam, quando discutimos as matérias, as respostas e as questões.”

A jovem também observa que a rotatividade de alunos é intensa. “As salas estão sempre muito cheias. São cerca de 40 alunos. Se sai um aluno, logo entra outro na vaga. Não conseguimos nem medir direito essas mudanças”.

Realidade que ela diz acreditar ser motivada pela vivência pessoal de cada estudante. “Muitas pessoas acham que é um pouco de perda de tempo ficar todo tempo na escola quando poderiam trabalhar ou fazer cursos.”

Alunos em frente de escola na zona norte de São Paulo @Ira Romão/Agência Mural

Para a secretaria

À reportagem, Kate Abreu, coordenadora do PEI, confirmou que a Seduc tem ciência de que muitos estudantes da rede pública estadual estão com dificuldades de adaptação do ensino integral, principalmente entre aqueles que se dividem entre os estudos e o trabalho.

Ela contextualizou a situação, acrescentando ainda outra demanda desse cenário, que é a evasão escolar. O problema é antigo na educação em todo país, sobretudo, no ensino médio, quando muitos estudantes acabam abandonando a escola para trabalhar e contribuir com a renda familiar.

“O que a gente tem observado como Secretaria de Educação é que no contexto da pandemia isso se tornou ainda mais acentuado”, frisou Kate. “Principalmente entre os estudantes das periferias, em que as famílias são mais vulneráveis, e muitas vezes, eles precisam exercer alguma atividade econômica”.

A coordenadora acrescentou ainda que conforme os relatos que chegam à Seduc por meio dos diretores e dirigentes de ensino, esses jovens “acabam indo trabalhar com vínculos informais, que não necessariamente tem um horário regular ou os direitos trabalhistas assegurados”.

“Estamos inclusive estudando possibilidades de intervenção, de um movimento geral do ensino médio e não só das escolas de tempo integral”, completou Kate.

Kate afirmou que o objetivo no processo de expansão do PEI, inclusive de levar a proposta para escolas nas periferias, é dar oportunidades “para que os estudantes mais vulneráveis tenham uma educação mais adequada à realidade deles e que possam ter diversos acessos dentro da escola”.

Sobre as transferências e rotatividades mencionadas pelas estudantes, Kate afirmou que a Seduc não tem observado uma grande movimentação entre os estudantes de uma escola para outra.

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Ira Romão

Jornalista, fotojornalista e apresentadora de podcast. Atuou em comunicação corporativa. Já participou de diferentes projetos como repórter, fotógrafa, verificadora de notícias falsas e enganosas. Foi uma das apresentadoras do ‘Em Quarentena” e da série sobre mobilidade nas periferias. Ama ouvir histórias, dançar, karaokê e poledance. Correspondente de Perus desde 2018.

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