Léu Britto/ Agência Mural
Por: Cleberson Santos | Gabriela Carvalho
Notícia
Publicado em 29.06.2023 | 17:46 | Alterado em 30.06.2023 | 19:28
No começo de junho, a Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo promoveu a sua 27ª edição. Atualmente, é um evento já consolidado no calendário da cidade, que atrai milhões de pessoas à avenida Paulista, mas bem diferente de 1997, quando foi realizado pela primeira vez.
Naquele ano, o evento contou com 2.000 participantes. Falar da própria sexualidade não era algo tão simples, principalmente para quem morava em regiões mais periféricas da capital.
“O preconceito antigamente era pior do que hoje”, conta Lorrany Lopes, 42. Ela é uma mulher trans que trabalha como cabeleireira no Jardim Marília, na zona leste.
“A gente não podia nem andar direito pelo bairro que os meninos saíam correndo atrás da gente para bater. Hoje em dia, você pode se beijar em qualquer lugar que as pessoas são um pouco mais tolerantes. Mas antigamente você ia para cima ou apanhava, era tiro, porrada e bomba mesmo.”
Além da violência física, Lorrany relembra também dos constrangimentos que passava ao ter que mostrar o RG com o nome de nascimento. “Eu lembro de ir aos barzinhos no Tatuapé, e os seguranças ficarem me encarando.”
A primeira lei decretada em São Paulo com o objetivo de garantir o respeito ao nome social das pessoas transexuais foi em 2010, somente 13 anos depois da primeira edição da Parada.
A criminalização da LGBTfobia também é uma conquista recente no Brasil. Em 2019, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu enquadrar o preconceito contra a comunidade dentro do crime de racismo, com pena de 2 a 5 anos de prisão.
No caso da Jênifer de Paula, 38, o orgulho e preocupação são duplas. Além de ser uma mulher pansexual, ela também tem uma filha trans.
Assim como Lorrany, Jênifer também é moradora da zona leste, na região de Cidade Tiradentes, e trabalha como design de jóias ancestrais na Quilombo Cultural.
“Eu tenho conseguido visibilidade [para o trabalho] através dos meus recortes e das minhas vivências. Existem também as dores, de algumas pessoas que são sim preconceituosas, mas há também o reconhecimento. Eu abro portas para outras pessoas que são LGBTQIAPN+ também”, conta Jênifer.
Ela classifica como “tardia” a descoberta da pansexualidade, após, inclusive, o nascimento da filha. “Eu tinha 24 anos quando me relacionei com uma mulher pela primeira vez, eu já era mãe. Fui bem acolhida [pela família]. Era isso o que me importava na época”.
“Eu já tinha tantos recortes que este foi mais um. Como o corpo chega primeiro, eu sou uma mulher preta retinta, mãe solo, mulher gorda. E aí sim LGBTQIAPN+. São tantos recortes que às vezes outros preconceitos vêm junto com meu corpo, antes mesmo de eu abrir a boca”
Jênifer de Paula, mulher pansexual, moradora da Cidade Tiradentes
Sobre a Parada, Jênifer registra a preocupação de que o evento, ao longo de seus 27 anos, tenha perdido a característica de militância.
“Esse é um dia em que a gente pode ser livre, mas no dia seguinte estamos novamente sujeitas a ser mortas por ser LGBTQIAPN+. Não adianta celebrar um dia e lutar para sobreviver o restante do ano”.
“Sinto que é parecido com o 20 de novembro, que tem uma série de trabalho para as pessoas pretas, mas depois, no dia 21, a gente fica invisível. Eu sou preta o ano todo e sou LGBTQIAPN+ o ano todo também. O que vamos fazer por essas pessoas no resto do ano?”, completa.
Além da Parada na avenida Paulista, também há eventos menores em bairros afastados da capital, como no Grajaú e no Capão Redondo, na zona sul, e na Cidade Tiradentes, na zona leste.
Enquanto Lorrany e Jênifer vêm acompanhando e sentindo na pele as mudanças ocorridas nos últimos anos sobre como é ser LGBTQIAPN+ na periferia, Vinicius e Leti são de uma geração em que o assunto já não é tão tabu.
Vinícius João Gonçalves tem 19 anos e se assumiu como um homem gay aos 15, por volta de 2020, ano de uma importante conquista para a população homossexual brasileira: o fim das normas que proibiam a doação de sangue. Esse pode ser um dos marcos de que o tabu em relação à comunidade LGBTQIAPN+ tem avançado significativamente.
“As pessoas não lidam tão mal quanto antigamente. Eu acho que se fosse em outra época, talvez eu não me assumisse, seria mais reprimido”
Vinícius João Gonçalves, morador do bairro Helena Maria, em Osasco
“Vejo muita gente ressentida por conta da família, da opinião das pessoas. Não comigo, com a minha família é tranquilo. Já ouvi coisas de pessoas que não eram importantes para mim, então não importou. Por isso, me assumir foi fácil. Até na minha cabeça todo mundo já sabia, porque eu já sabia. Mas percebi aos 15 que não era bem assim, que as pessoas não sabiam e eu tinha que contar”.
Para Vinícius, um dos problemas da comunidade LGBTQIAPN+ atualmente é a falta de união, até mesmo o preconceito com homens gays afeminados. “Tem que ser macho, o ativo. Querer ficar com alguém mais afeminado sempre foi visto como algo ruim”.
Leti Salesi, 19, mora no Jaraguá, zona oeste da capital, e se assumiu como uma pessoa bissexual não-binária também por volta de 2020, aos 14 anos. Ele conta que ao manifestar a sexualidade, seja andando com “namoradinhas” ou raspando o cabelo, se sentia como um “farol” no bairro.
“Existe uma estranheza. Para minha mãe foi um susto, houve uma negação. Ela sempre deixou claro que me aceitava, independentemente de qualquer coisa, mas óbvio que existem preconceitos que ela não consegue desconstruir”.
Segundo Leti, ainda que o processo de “sair do armário” dele tenha sido tranquilo, não é correto ainda afirmar que isso é uma característica desta geração de adolescentes.
“Conheço gente da minha idade, ou mais novos, que passaram por situações bem desagradáveis. Hoje em dia eu ando de mãos dadas com alguém que também tem aparência feminina e os olhares, assédios verbais acontecem em quase todo lugar”.
Correspondente do Capão Redondo desde 2019. Do jornalismo esportivo, apesar de não saber chutar uma bola. Ama playlists aleatórias e tenta ser nerd, apesar das visitas aos streamings e livros estarem cada vez mais raras.
Jornalista, comunicadora visual, mestra em Mídia e Tecnologia e pós-graduada em Processos Didático-Pedagógico para EaD. É correspondente do Jardim Marília desde 2019. Também é cantora de chuveiro, adora audiovisual e é louca por viagens.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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