Matheus Souza/Agência Mural
Por: Matheus Souza
Notícia
Publicado em 07.10.2022 | 18:30 | Alterado em 10.10.2022 | 13:48
Entre duas ruas com nome de fruta, Amora e Abricó, fica uma das poucas áreas de lazer da Vila Natal, bairro que faz parte do distrito do Grajaú, na zona sul de São Paulo. A Praça Frei Damião está na paisagem da vila há mais de duas décadas, e, nos anos mais recentes, um dos moradores da região tornou-se figura importante no cotidiano do local.
Wilson Pereira de Souza, 59, foi montador em uma fabricante de automóveis, e hoje usa a experiência desse período para fazer manutenções e reparos por conta própria no espaço.
Seu Wilson, como é conhecido, mora na Vila Natal há cerca de 30 anos, desde antes da praça existir. “Era um espaço aberto e próximo daqui ficava um lago, que inclusive o pessoal usava a água para consumir”, lembra.
Ele, que viu a praça ser inaugurada, sempre teve a impressão de que ela era pouco valorizada pelos moradores ou pela prefeitura, por vezes ficando “largada” sem cuidados necessários para o espaço e com poucos frequentadores.
Quadra na Praça Frei Damião @Matheus Souza/Agência Mural
Lixo é um dos problemas comuns da praça @Matheus Souza/Agência Mural
Crianças e adolescentes usam o espaço para brincar ou passar o tempo @Matheus Souza/Agência Mural
Crianças e adolescentes usam o espaço para brincar ou passar o tempo @Matheus Souza/Agência Mural
Durante muito tempo esse incômodo ficou só na cabeça, até que, seis anos atrás, quando estava próximo de se aposentar, tomou a iniciativa de fazer pessoalmente tarefas que julgava importantes para manter o local mais agradável.
“A coisa ficou mais intensa quando vi que eu estava parado. Pensei ‘vou fazer alguma coisa ali na praça’, mas antes disso eu já tinha comprado até roçadeira [para cortar a grama], porque o mato chegava a um metro e meio de altura”, explica.
“Aí comprei a roçadeira, comecei a fazer aqui, e depois que aposentei eu deslanchei”
Além de aparar a grama e fazer eventuais limpezas, seu Wilson conserta os balanços, gangorra e alguns dos outros brinquedos que ficam na praça, retocando a pintura e fazendo soldagens, dentre outras coisas.
Ele também pensa em melhorias que gostaria que fossem feitas, como a instalação de uma cerca em volta do parquinho para reduzir o acúmulo de sujeira, principalmente de animais que fazem as necessidades ali. Para buscar colocar essas ideias em prática, mantém contato frequente com a prefeitura e a ASCAZ (Associação dos Sem Casa da Zona Sul), entidade representativa dos moradores do bairro.
A praça Frei Damião tem alguns frequentadores assíduos. Durante as manhãs, é comum encontrar pessoas fazendo caminhadas, e em outros horários, principalmente aos finais de semana, crianças e adolescentes usam o espaço para brincar ou passar o tempo. Além do espaço aberto e o parquinho, a praça ainda tem duas quadras de futebol, uma delas coberta.
Para o seu Wilson, porém, há um potencial maior a ser aproveitado. Em sua opinião, faltam ações para incentivar mais pessoas a visitarem a praça, assim como um engajamento maior da prefeitura e da própria população para cuidar do local.
Ele acredita que, por estar localizado em uma região periférica, o poder público dá menos atenção ao espaço do que deveria.
“De acordo com as necessidades das crianças, das pessoas idosas que tem aqui no bairro e que usam essa praça para fazer ginástica, para brincar, ela tem que estar igual às outras [de bairros com renda mais alta], preparada e apta para poder usar”, diz.
A Praça Frei Damião foi inaugurada no início dos anos 2000, e seu projeto foi desenhado no âmbito do Programa Guarapiranga. Iniciado na década de 1990, foi um projeto da Prefeitura de São Paulo e do governo do estado que tinha como objetivo promover obras de infraestrutura para contribuir com a regularização de espaços de moradia em áreas de mananciais (posteriormente, ele foi substituído pelo Programa Mananciais).
Na época, a prefeitura lançou um concurso junto ao IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil), e os vencedores elaboraram o projeto da praça.
Adilon Ferreira dos Santos, 42, atual presidente da Associação dos Sem Casa da Zona Sul, explica que a praça é um terreno particular que pertence à própria associação.
“A ASCAZ comprou, fez o loteamento e deixou como área de lazer. Só que ainda não fizemos a regularização fundiária do loteamento”, completa.
Essa configuração se deve ao modo como ocorreu a urbanização da Vila Natal e de boa parte dos bairros periféricos de São Paulo, por meio de ocupações e autoconstrução em loteamentos irregulares. A ideia é que, uma vez regularizada a situação jurídica do terreno, ele seja doado à prefeitura e torne-se oficialmente espaço público.
O que é autoconstrução? É a construção de unidades habitacionais de baixo custo por seus próprios usuários, frequentemente nos morros e na periferia dos maiores centros habitacionais.
Enquanto isso não ocorre, a prefeitura faz zeladoria e dá apoio financeiro ou material em determinados casos, mas a responsabilidade de fato é da ASCAZ, que coordena projetos para o local.
Adilon considera a praça Frei Damião como “coração” da Vila Natal, por causa de sua história. “É onde aconteceu todo o projeto da Vila Natal, todas as reuniões, tudo o que foi decidido em assembleia, a parte de loteamento, de arruamento, etc.”
Ele atribui problemas de manutenção que por vezes ocorrem na praça a atos de vandalismo, e diz que gostaria que a própria população do bairro se preocupasse e se envolvesse mais para cuidar da estrutura, como faz o seu Wilson.
A Agência Mural também entrou em contato com a prefeitura para perguntar sobre a zeladoria do local, principalmente no que diz respeito à frequência em que ocorre.
Em nota, o órgão respondeu que “as equipes da Subprefeitura Capela do Socorro realizam uma vez ao mês os serviços de zeladoria, como corte de mato e poda de árvore na praça Frei Damião, sendo a última feita no início de agosto”.
A prefeitura também disse que outros serviços, como varrição e coleta de lixo, são realizados regularmente na praça. “Durante o mês de agosto, por exemplo, houve zeladoria e uma inspeção na praça e os equipamentos danificados foram consertados.”
Estudante de jornalismo e correspondente do Grajaú desde 2022. Entusiasta de cinema, livros, música, séries e toda forma de cultura. Fã de caminhadas sem destino definido.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
Se você quer saber como republicar nosso conteúdo, seja ele texto, foto, arte, vídeo, áudio, no seu meio, escreva pra gente.
Envie uma mensagem para [email protected]