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Agência de Jornalismo das periferias

Ira Romão/Agência Mural

Por: Jacqueline Maria da Silva

Notícia

Publicado em 29.05.2025 | 11:25 | Alterado em 16.06.2025 | 15:06

Tempo de leitura: 6 min(s)

Em 2040, o déficit de professores da educação básica pode chegar a 235 mil profissionais, segundo um levantamento da Semesp (Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior) de 2022. O “apagão de docentes” é atribuído ao desinteresse dos jovens em seguir na carreira, ao envelhecimento do corpo docente e ao abandono da profissão devido às condições de trabalho.

É nesse último grupo que se encaixa o matemático Claudio Expedito Borges, 35, morador do Campo Limpo, zona sul da capital. Em 2025, após diversas tentativas, ele decidiu dar um tempo nas aulas de matemática na rede estadual de São Paulo e ficar apenas com as de informática em escolas da prefeitura da capital paulista.

O fator decisivo foi a implementação, pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, de um plano de aulas digitais e prontas. Embora este modelo de aulas tenha iniciado na pandemia por Covid-19, em 2020, ele se tornou mais presente na gestão do atual secretário estadual, Renato Feder, que teve início em 2023, após substituir Rossieli Soares.

Aula de Língua Portuguesa na Escola Estadual Professora Juventina Marcondes Domingues de Castro @Léu Britto/ Agência Mural

Em 2024, os professores passaram a ter à disposição material didático 100% digital, no formato de PDF, para aplicação das aulas. Até a Prova Paulista, exame de avaliação do ensino estadual, passou a ser virtual, como parte do Programa Sala do Futuro, que incentiva medidas tecnológicas nas escolas.

Apesar da Secretaria de Educação frisar que a aplicação dos materiais digitais não é obrigatória, e sim complementar, os professores entrevistados pontuam que seu uso é fortemente sugerido pelo órgão.

“Os professores estavam acostumados a elaborar as aulas para o seu público de alunos. Quando chega tudo congelado, padronizado, tem sala que funciona, tem sala que não”, conta Cláudio, professor de matemática. “A gente tem um déficit na educação, tem aluno do ensino médio com dificuldade em leitura e não conseguimos atendê-los”.

A 20 quilômetros da escola onde ele trabalhava, no bairro da Lapa, zona oeste da capital paulista, a sensação é a mesma.

“A carreira docente passou por uma espécie de degradação. O professor saiu do papel de intelectual para um aplicador de currículo”.

Ricardo de Jesus Lopes, 35, professor de filosofia e coordenador pedagógico

Qualidade dos materiais

Nem Ricardo, nem Cláudio são contra a inclusão de tecnologia na sala de aulas, mas acreditam que as mudanças precisam ser debatidas com quem já atua nas escolas, para entender os limites e possibilidades.

Antes disso, uma questão é central para ambos: a qualidade dos materiais, que já chegaram à sala de aula com erros gramaticais e conceituais.

Em 2023, a Justiça de São Paulo chegou a suspender a distribuição do material pedagógico elaborado pela Secretaria de Educação por identificar tais erros. Em um deles, o material afirmava que foi Dom Pedro II que assinou a Lei Áurea (quando foi sua filha, a Princesa Isabel). Em outro, o material afirma que o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade poderiam ser transmissíveis pela água, apesar de serem causados por uma alteração na função cerebral.

Alunas da escola estadual Manuel Bandeira relatam falta de professores @Ira Romão/Agência Mural

Na opinião do professor Ricardo, os materiais didáticos que eram entregues às escolas por meio do Plano Nacional do Livro e do Material Didático (PNDL) davam mais autonomia para os professores, além de serem produzidos por editoras tradicionais do mercado. Já os materiais utilizados pela Secretaria não são escolhidos por um edital público, mas produzidos pela equipe curricular do órgão, seguindo demandas da rede.

Em 2023, o órgão abriu mão dos livros didáticos oferecidos pelo Plano Nacional do Livro e do Material Didático, ligado ao Ministério da Educação.

“A gente tinha o material do primeiro bimestre, mas não tinha o do segundo, porque ele ainda estava sendo produzido. O material chegava uma semana antes do bimestre começar e o professor tinha que fazer o planejamento e se sobrecarregava”, detalha Ricardo sobre o ano de 2024, quando ainda atuava como professor

O professor Vinicius Henrique Tavares, 27, de Piraporinha, zona sul da capital, também critica o modelo. Além de dar aulas de História no ensino médio, ele é mestrando em psicologia da educação e avalia em sua pesquisa como a chamada “plataformização” do ensino afeta o processo de aprendizagem. “Não tem uma preocupação com conteúdo, com intelectualização do jovem, com pensamento crítico, é uma coisa muito tecnicista”, explica.

Plataformização da educação se refere ao uso crescente de plataformas digitais e até redes sociais para organizar, ensinar e avaliar o aprendizado dos estudantes.

Fonte: Câmara dos Deputados

Para Ricardo, que atuou a maior parte da carreira em escolas da periferia do Rio Pequeno e Jaguaré, na zona oeste da capital, é possível notar os impactos das mudanças chegarem à maioria das escolas. Contudo, a situação é mais crítica nas escolas das periferias, que tendem a ter menos recursos e mais estudantes em condições de vulnerabilidade social.

“A escola é vinculada a comunidade, compartilha com ela e enfrenta junto problemas de desemprego, vulnerabilidade alimentar e falta de acesso a equipamentos culturais.”

Ricardo

Em nota, a Secretaria informou que os materiais digitais são complementares, personalizáveis e não obrigatório.

Atribuição de aulas e falta de concurso

Além dos desafios com os materiais didáticos, professores estaduais afirmam terem tiveram problemas na atribuição de aulas no início do ano letivo, em fevereiro de 2025.

Vinícius foi um dos que teve problemas. Ele é professor contratado e em fevereiro conseguiu apenas cinco aulas, divididas em três escolas diferentes na região do Capão Redondo, zona sul. Só em março, depois de passar dias manifestando interesse no site da Secretaria da Educação, o jovem conseguiu atingir a quantidade mínima de 20 aulas, obrigatória para que o professor não corra risco de perder o contrato.

“Em fevereiro caiu [o pagamento] atribuído para mim de janeiro, referente a duas aulas, R$ 300. É uma situação de humilhação, uma chateação absurda, um desânimo… A gente mora na periferia, paga aluguel, paga conta, precisa comer e não tem salário”, disse.

Aluna do Ensino de Jovens e Adultos na capital @Léu Britto/Agência Mural

Segundo a Secretaria de Educação, a atribuição de aulas segue critérios de prioridade para efetivos e considera outros fatores como tempo de magistério e títulos.

Outro ponto de complicação para os professores foi a mudança na carga horária das aulas, por meio de Decreto do Governo Estadual, que aumentou o tempo na sala de aula de 45 para 50 minutos.

Isso diminuiu a quantidade de aulas e fez com que a disputa na atribuição ficasse mais acirrada e desigual para quem não é efetivo no estado. Quem, como ele, não é contratado por meio de concurso público não tem prioridade na escolha. A Secretaria não comentou a mudança.

O último concurso para professor estadual foi realizado em 2023 e abriu 15 mil vagas para docentes de ensino médio e fundamental em todo o estado de São Paulo e em todas as disciplinas.

Segundo um levantamento do Grupo de Atuação Especial de Educação do Ministério Público (MP) do Estado de São Paulo existe um déficit de mais de 40 mil professores efetivos na rede. Atualmente, a maior parte (50,7%) dos docentes não são efetivos.

Em março deste ano, o MP divulgou duas ações obrigando o governo estadual recompor o quadro de professores e diretores efetivos nas escolas estaduais paulistas. Em nota, a Secretaria informou que prestou esclarecimentos ao órgão e que ele reconheceu a complexidade orçamentária e operacional do processo.

Estudante da Escola Estadual Prof. Benedito Célio de Siqueira @Léu Britto/ Agência Mural

A Agência Mural teve acesso ao edital de aprovação do último concurso. Apenas na disciplina de História, mais de 15 mil professores foram aprovados na classificação final. Contudo, até a última convocação, em agosto de 2024, somente 1070 haviam sido convocados para todo o estado, para ensino médio e fundamental.

Em nota, a Apeoesp (Associação Paulista dos Educadores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) afirmou que vem fazendo pressão junto à Secretaria Estadual de Educação para ampliar a convocação de professores concursados em todas as disciplinas e que vem cobrando uma atribuição justa e transparente das aulas.

Além disso, a associação afirma atuar na luta pelo fim da “plataformização” do ensino estadual e pelo direito dos professores a liberdade de ensinar a partir da pluralidade de ideias e concepções, prerrogativa assegurada na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira.

Em nota, a Secretaria de Educação informou que 300 mil profissionais se inscreveram para o último concurso, o que desmentiria a ideia de um “apagão de desinteresse” pela docência.

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Jacqueline Maria da Silva

Jornalista, vencedora de prêmios de jornalismo como MOL, SEBRAE, SIP. Gosta de falar sobre temas diversos e acredita do jornalismo como ferramenta para tornar o planeta melhor.

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