Magno Borges/ Agência Mural
Por: Jacqueline Maria da Silva | Livia Alves
Notícia
Publicado em 08.09.2025 | 10:00 | Alterado em 09.09.2025 | 9:28
Dá para se alimentar bem conciliando uma rotina corrida, dividida entre a faculdade de nutrição, trabalho como gerente comercial e o bico de uber no final do dia? Quem faz tudo isso garante: sim. Para cuidar da alimentação da família e manter o físico de competidor de fisiculturismo, Leonardo Melo Querubim, 25, congela marmitas feitas em casa.
Hábito difícil de manter, em especial porque as feiras livres são distantes de sua casa e os mercados próximos têm poucas opções de alimentos naturais. “Tem bolacha, salgadinho, refrigerante, eu não consumo nada disso. Para comprar grãos, aveia, às vezes tenho que me deslocar para a zona cerealista, no centro da cidade”, descreve Leonardo, morador Vila Piauí, periferia de Osasco, na Grande São Paulo.
Ele não é o único osasquense a lidar com essa dificuldade. Ao menos 34% dos moradores da cidade vivem nos chamados desertos alimentares, segundo dados da plataforma Alimenta Cidades, cruzados com o total da população pela Agência Mural. O termo foi criado 1995 e se refere a espaços com pouca oferta de alimentos saudáveis e muita oferta de alimentos ultraprocessados.
Alimentos in natura são obtidos diretamente das plantas ou animais e não sofrem alteração.
Alimentos minimamente processados, aqueles in natura que foram submetidos a algum processo, como fermentação, pasteurização ou congelamento, como leite.
Alimentos processados, fabricados a partir de alimentos in natura, porém com adição de sal, açúcar, ou outras substâncias para durar mais e deixar o sabor mais agradável ao paladar, como as conservas e enlatados.
Alimentos ultraprocessados, aqueles que não existem na natureza, como a balas, refrigerantes e bolachas. São feitos majoritariamente de substâncias extraídas de outros alimentos ou derivados, como açúcar, gordura, amido, ou de substâncias sintetizadas em laboratório, como corantes.
Fonte: Guia alimentar da população brasileira e Instituto de Defesa do Consumidor
O cenário vivido por Leonardo é parecido com o de moradores de outras cidades da Região Metropolitana de São Paulo e até com os índices nacionais divulgados pelo Mapeamento dos Desertos e Pântanos Alimentares, do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social.
Um em cada três brasileiros vivem em áreas consideradas desertos alimentares, o que equivale a 25 milhões de pessoas. Quase 22% delas estão em comunidades urbanas ou favelas, segundo o mapeamento dos pantânos e desertos alimentares do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social.
“Nem toda periferia é um deserto alimentar, mas toda periferia tem um potencial grande para se tornar um deserto alimentar e um pantâno alimentar”, pontua Marília Sobral Albieiro, engenheira química, que coordena o projeto de alimentação saudável na organização ACT Promoção da Saúde.

Um em cada três brasileiros vivem em áreas consideradas desertos alimentares @Livia Alves/ Agência Mural
Isso porque a falta de infraestrutura urbana não torna as quebradas atrativas para estabelecimentos que vendem alimentos frescos e saudáveis, que em geral são mais perecíveis. A opção acaba sendo os ultraprocessados. Além disso, muitos moradores das periferias têm renda mais baixa o que impede o consumo de determinados alimentos.
Marília reforça que quando se fala em resolver o problema dos “desertos alimentares urbanos” é necessário repensar o modelo de cidades, permitindo que as pessoas tenham acesso à alimentos in natura mais perto de casa. O fortalecimento da agricultura familiar e as hortas urbanas poderiam ser caminhos interessantes segundo a especialista.
Ocorre que há pelo menos duas décadas, o Brasil vem reduzindo a produção de mais alimentos in natura – como arroz, legumes e frutas – e aumentando a de commodities, como soja, milho e açúcar, usados como matérias primas para os produtos industrializados.
Os impostos que incidem sobre os alimentos acabam engrossando o caldo. Marília aponta que essa variável acaba impactando no preço dos alimentos, pois existe um desalinhamento dos tributos, na qual alguns ultraprocessados acabam apresentando a mesma tributação que alimentos saudáveis.
A perspectiva da especialista é que esse descompasso possa ser compensado no futuro com as mudanças previstas na Reforma Tributária, aprovada em janeiro de 2025.

Frutas são alimentos in natura cujos preços podem variar dependendo da época do ano @Priscila Pacheco/Arquivo Agência Mural
“Temos tido importantes significativos avanços para tentar fazer esse realinhamento da política de saúde com a tributária. Uma grande parte dos alimentos saudáveis vão receber isenções fiscais, e alguns ultraprocessados vão receber o imposto seletivo (IS), criado justamente para penalizar produtos que fazem mal à saúde e ao meio ambiente”.
As mudanças devem se refletir nas periferias da Grande São Paulo. Um levantamento da Plataforma Alimenta Cidades, do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, reúne dados de 13 cidades da região e aponta que a taxa de pessoas vivendo em desertos alimentares varia de 0,03% (São Paulo) até 65% (Itaquaquecetuba).
Os municípios que aparecem com a taxa zero não possuem dados disponíveis.
“Prefiro comprar o que está na promoção, como frango ou linguiça. Vou à feira uma vez a cada 15 dias, sempre no finalzinho, quando vendem legumes e frutas que sobram mais barato. De casa para feira levo 20 minutos andando”, conta Aline Cristina Gomes Bastos, 35, manicure, que reside no Morro da Lua, região do Campo Limpo, na zona sul de São Paulo.
O relato da jovem ilustra o resultado de um estudo da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo: além de maior concentração de estabelecimentos (como feira, mercados e sacolões) em áreas mais ricas, há pouca variedade e disponibilidade de frutas e hortaliças em regiões mais pobres.
Porém, o estudo aponta que os moradores dessas regiões apresentam mais chances (100%) de consumir frutas e hortaliças se houvesse disponibilidade próximo de casa. Nos locais de renda mais baixa, o consumo de bebidas açucaradas (refrigerantes) era menor, justamente porque o preço é mais elevado.

Aline opta por caminhar mais para tentar buscar mercados com mais opções saudáveis @Livia Alves/ Agência Mural
E aí está um dos problemas. Especialistas são unânimes em afirmar que a alimentação não saudável não é uma opção de quem vive nas periferias, mas uma condição a que estão sujeitos, por questões econômicas.
Com a sobrecarga do dia a dia e duplas jornadas de trabalho, o tempo para se dedicar ao preparo de refeições saudáveis é vencido pela facilidade do alimento industrializado.
“Muitas vezes [pais] deixam de comer para dar para os seus filhos. Além disso, eles tendem a seguir as preferências dos demais entes da casa, mesmo quando isso implica na sua saúde”, explica Bê Fragnam, profissional nutricionista com foco em comportamento alimentar. “A música ‘Linha azul’ do rapper Yago Opróprio, traz um retrato importante. Fala de ter que escolher entre pagar uma passagem de metrô ou comer um salgado”.

Oferta de alimenros ultraprocessados tende a ser maior nas periferias @Livia Alves/ Agência Mural
Bê acrescenta que os impactos dos desertos e pântanos alimentares podem ser maiores considerando raça e gênero. Em geral, as mulheres são as mais afetadas pelo problema por terem uma jornada de trabalho expandida e menos tempo para se dedicar ao preparo de alimentos mais saudáveis.
Segundo a Organização das Nações Unidas, 60% das pessoas subnutridas no mundo são mulheres.
O tema é complexo. Pensar em soluções exige um olhar coletivo para políticas públicas de saúde, assistência social e economia. É preciso não culpar quem vive em desertos alimentares pelas escolhas feitas, mas incentivar hábitos saudáveis e duradouros, sem receitas prontas ou padrões.
Qual ideal de saúde você busca? É importante pensar sobre isso para não cair na armadilha de mercados e produtos “fitness” com muitas promessas e custos elevados.
Investir, dentro do possível, tempo para se dedicar à sua alimentação. algumas dicas:
Consumir informações de fontes confiáveis, como Guia Alimentar da População Brasileira, que ajuda a adotar hábitos mais saudáveis.
Introduzir novos hábitos, mas sem mudanças bruscas. Não comece pelo mais difícil. Escolha, por exemplo, incluir mais água no dia ou levar uma fruta na bolsa para não cair na tentação de comprar um salgado.
Evitar culpas e ser honesto com as possibilidades reais de adaptar sua alimentação. É importante sair do automático, mas sem achar que precisa alcançar uma alimentação perfeita.
Jornalista, vencedora de prêmios de jornalismo como MOL, SEBRAE, SIP. Gosta de falar sobre temas diversos e acredita do jornalismo como ferramenta para tornar o planeta melhor.
Jornalista apaixonada pela cultura brasileira. Pansexual, youtuber e streamer pelo canal LadoPan nas horas vagas. Correspondente do Campo Limpo desde 2021.
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