APOIE A AGÊNCIA MURAL

Colabore com o nosso jornalismo independente feito pelas e para as periferias.

OU

MANDE UM PIX qrcode

Escaneie o qr code ou use a Chave pix:

[email protected]

Agência de Jornalismo das periferias

Por: Jacqueline Maria da Silva

Notícia

Publicado em 04.10.2024 | 17:26 | Alterado em 04.10.2024 | 19:11

Tempo de leitura: 4 min(s)

O relógio marca 7h da manhã quando Daniela Lopes Telles Ramos, 34, cruza os portões da Escola Estadual Amador dos Santos Fernandes, no Jardim Robru, na zona leste de São Paulo. Ela assina a lista de presença e vai para uma das salas de aula onde ela e mais três colegas começam a organizar o espaço para posicionar a protagonista do dia: a urna eletrônica.

A equipe tira o equipamento da caixa, liga, faz os testes necessários e imprime a zerésima – comprovante de que não constam votos no chip da urna. Por fim, arrumam mesas, cadeiras e isolam a fiação, para que nenhum eleitor tropece e desligue a urna.

Quando olha no relógio de novo já são 8h e é dada a largada de um dos dias mais importantes da democracia brasileira, as eleições. Os portões da escola se abrem e os eleitores começam a chegar, na expectativa de confirmar uma escolha que será determinante pelos próximos anos.

Daniela mosta o site do TSE no qual faz a formação para ser mesária @Carlos Pires

E é graças a pessoas como Daniela, voluntária mesária há 10 anos, que a população brasileira pode escolher novos prefeitos e vereadores para seus municípios com segurança e eficiência.

E tem muito trabalho envolvido neste dia. Atuando no mesmo bairro onde mora e trabalha como agente de apoio escolar, ela assume um compromisso com a população. O breve intervalo entre o voto e a entrada do próximo eleitor passa em câmera lenta. Daniela ajuda a coletar a biometria, fica atenta à assinatura no caderno de registros, libera a ida à cabine e entrega o comprovante.

Algumas vezes, precisa alertar a pessoa que ela está no colégio de votação errado – o que acontece muito, segundo a mesária. Além disso, precisa estar atenta se ninguém deixou santinho na urna ou fez selfie votando, o que é proibido pela lei eleitoral. Parece tranquilo?

Mesários podem ser convocados ou podem se voluntariar para a função no site do TSE. Entre 2018 e 2020, houve um aumento de 93% no número de mesários e mesárias voluntárias. Este ano, o TRE de São Paulo conta com pelo menos 410 mil pessoas atuando nessa função.

“Apesar de já estar acostumada. Tem sempre uma tensão, porque querendo ou não é o nosso nome, a gente assina como responsável pelo processo e se responsabiliza por tudo que está sendo feito. A gente tem que sempre ficar de olho”.

Uma vez mesária, sempre mesária

Daniela foi convocada para atuar pela primeira vez nas eleições presidenciais de 2010, pouco depois de ter assumido o cargo de funcionária da escola, em 2008. Essa é uma prática muito comum no funcionalismo público: “o governo do estado coloca à disposição os funcionário para o Cartório Eleitoral, para ajudar nos dias das eleições”, conta.

Ela gostou da ideia, pelo engajamento político que já tinha na época e também pelas folgas concedidas aos voluntários – cada dia trabalhado dá direitos a dois dias de folga, incluindo o dia de treinamento, de forma que cada mesário tem ao menos quatro dias de folga garantidos. Podem chegar a seis se houver segundo turno.

“Além de ajudar no processo de democracia, duas folguinhas é um bom incentivo”, brinca. Mas não é só a dispensa do trabalho que muda a rotina de Daniela. Ela afirma que nas eleições se torna uma “celebridade por um dia”.

“A gente já conhece o pessoal da comunidade, são as pessoas do nosso cotidiano. É um pai de aluno, um ex-aluno que agora é adulto, um vizinho… Elas se sentem à vontade, principalmente os mais velhos que às vezes têm dificuldade com tecnologia. As crianças me comprimentam e eu escuto muito ‘olha lá a tia da escola'”, descreve com bom humor.

O dia de um mesário, porém, é bem cansativo. Uma das coisas que motiva permanecer neste trabalho são as amizades feitas pelo caminho que tornam o momento mais leve. Este ano, ela até pensou em pedir dispensa, mas com a morte da mãe recentemente, decidiu participar para reencontrar pessoas queridas.

“De dois em dois anos a gente encontra as mesmas pessoas. Eu conheço pessoas que não moram mais no bairro e vem ser mesário no dia da eleição, porque é o dia que essa pessoa encontra os amigos”.

Mas nem tudo são flores. Os mesários precisam lidar com situações desafiadoras, principalmente quando envolvem comportamentos inadequados de eleitores e fiscais de partido. “Às vezes olham com desdém e chegam arrogantes fazendo perguntas e pedindo comprovantes”.

Outra questão é manter a isenção, um ponto de atenção até na hora de escolher a roupa do dia: não pode haver qualquer pretensão de expressar manifestação política, sob pena de crime eleitoral.

“O maior desafio em ser mesário é ficar neutro e conseguir lidar com as queixas dos outros. Ainda mais pra mim, que acompanho as questões políticas. Quando vejo uma pessoa desinformada e espalhando fakes, é complicado. Você não pode falar nada, mesmo que seja só uma conversa, pois estamos ali para receber e orientar [os eleitores]”.

Em 10 anos como mesária, Daniela viu o processo eleitoral se modernizar @Carlos Pires

Nas sete eleições como mesária, Daniela viu muitas coisas mudarem, como a implantação da biometria, a chegada do e-título e a transição do curso preparatório, de presencial para online, no aplicativo da Justiça Eleitoral. Ao mesmo tempo, também viu aumentar a desconfiança sobre o processo eleitoral.

Foi na função, que ela pode compreender como as urnas são seguras e por isso se vê na obrigação constante de fazer o papel de mesária dentro e fora do pleito, desmentindo informações falsas sempre que possível.

“Se as pessoas trabalhassem um dia como mesárias, teriam a noção de como o processo é transparente, de que não tem como ser fraudado e de que a urna é atestada e aprovada”.

Encarando o dia, não a responsabilidade

Quando chegam às 17h, os portões se fecham e o pleito termina, mas o expediente dos mesários ainda continua. Começa novamente a correria para finalizar os processos e entregar as urnas com o máximo de segurança e agilidade.

Daniela e os companheiros conferem o montante de papéis com as listas dos votantes da seção, imprimem boletim da urna, organizam as atas, guardam a urna e entram na fila para entregar documentos de checagem da equipe do Tribunal Regional Eleitoral. Só depois, receberão seus certificados de participação.

Daí já são 18h, hora de voltar para casa. Mais um dia de mesária cumprido. Haverá segundo turno? Dali alguns dias começará tudo outra vez? A resposta pouco importa, porque quando houver eleição Daniela estará na mesma hora e lugar para cumprir a rotina tão importante de uma mesária.

report_for_the_world

Esta reportagem foi produzida com apoio da Report For The World

receba o melhor da mural no seu e-mail

Jacqueline Maria da Silva

Jornalista formada pela Uninove. Capricorniana raiz. Poetisa. Ama natureza e as pessoas. Adora passear. Quer mudar o mundo e tornar o planeta um lugar melhor por meio da comunicação. Correspondente de Cidade Ademar desde 2021. Em agosto de 2023, passou a fazer parte da Report For The World, programa desenvolvido pela The GroundTruth Project.

Republique

A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.

Se você quer saber como republicar nosso conteúdo, seja ele texto, foto, arte, vídeo, áudio, no seu meio, escreva pra gente.

Envie uma mensagem para [email protected]

Reportar erro

Quer informar a nossa redação sobre algum erro nesta matéria? Preencha o formulário abaixo.

PUBLICIDADE