Léu Britto/ Agência Mural
Por: Jacqueline Maria da Silva
Notícia
Publicado em 28.08.2023 | 18:16 | Alterado em 05.01.2024 | 14:03
Agosto é considerado o Mês da Juventude, por reunir diversos marcos na conquista de direitos no Brasil para quem tem entre 15 e 29 anos. Um dos principais é a criação do Estatuto da Juventude, que em 2023 completa 10 anos. Ainda assim, jovens das quebradas de São Paulo e região metropolitana concordam que falta informação quando o assunto são os direitos das juventudes periféricas.
“Eu mesma, sei pouco. [Esse tema] é pouco discutido e eu acho muito importante”, avalia a social mídia Nathaly Oliveira dos Santos, 22, de Cidade Tiradentes, zona leste da capital paulista.
Queixas como as de Nathaly se arrastam há muitas décadas. Para se ter uma ideia, a ONU (Organização das Nações Unidas) estipulou o ano de 1985 como o “Ano Internacional da Juventude”, parte de um processo para ampliar a participação e o desenvolvimento dos jovens na sociedade de diferentes países.
Contudo, a palavra “juventude” só foi incluída como um sujeito de direito na Constituição Federal Brasileira em 2010. “Até essa data, a gente não conseguia pensar em políticas públicas específicas para a juventude à luz da Constituição, porque os jovens ainda não eram materializados como sujeitos de direito”, pontua a coordenadora executiva da organização Juventudes do Agora, Wesla de Souza Monteiro, 29.
Para ela, a aprovação do Estatuto da Juventude pelo Congresso Nacional, anos mais tarde, foi um dos acontecimentos mais relevantes para os jovens na história do país, uma vez que o documento dialoga diretamente com os direitos dessa população.
O Estatuto viabilizou a criação do Sistema Nacional da Juventude (Sinajuve) e de diversos Conselhos e Secretarias para as juventudes, além da realização de Conferências Nacionais da Juventude.Todo esse aparato estatal tem o objetivo de garantir planejamento e orçamento para ações que promovam o direito da juventude; além de efetivar a participação social dos jovens sobre as decisões relacionadas a eles.
Direito à cidadania, à participação social e à representação juvenil
Direito à educação
Direito à profissionalização, ao trabalho e à renda
Direito à diversidade e à igualdade
Direito à saúde
Direito à cultura
Direito à comunicação e à liberdade de expressão
Direito ao desporto e ao lazer
Direito ao território e à mobilidade
Direito à sustentabilidade e ao meio ambiente
Direito à segurança pública e ao acesso à justiça
Todo amparo legal e jurídico para os jovens é resultado de um movimento de reconhecimento da juventude como um período da vida que deve ser acolhido e respeitado, com direitos garantidos. Isso porque, há algumas décadas, não havia esta percepção de juventude e a transição era direta da adolescência para a vida adulta, onde se começava a ter como meta a estabilidade.
“Hoje é um caminho muito menos linear, com muito mais possibilidades. Nossos jovens têm outras visões, têm outros caminhos – lembrando que fazemos aqui um recorte para a juventude que tem acesso a esses direitos, sendo que grande parte não tem”, lembra Wesla.
Esse reconhecimento da juventude foi reforçado pelo chamado “bônus demográfico” do Brasil, um período histórico no qual o número de pessoas jovens, em idade ativa para trabalhar, supera o de crianças e idosos. O cenário é considerado uma janela de oportunidades para o país, já que gera mais possibilidades de investimentos produtivos, aumento na renda per capita e redução da pobreza – isso desde que os jovens sejam saudáveis, frequentem a escola e estejam preparados para aproveitar as oportunidades.
No entanto, dados recém divulgados do Censo de 2022 mostram que o Brasil já vive uma transição demográfica e vai se tornar um país com menos jovens e mais idosos em poucas décadas. Para se ter uma ideia, em 2012, quase metade da população (49,9%) tinha menos de 30 anos. Dez anos depois, essa taxa caiu para 43,3%. Já o percentual de idosos (com 60 anos ou mais) aumentou no período, passando de 11,3% para 15,1%.
O Atlas da Juventude, elaborado por diversas organizações sociais, reforça que para aproveitar a curta janela demográfica brasileira é urgente que governos implantem ações para reduzir a mortalidade de jovens, empoderar meninos e meninas e investir na inclusão da juventude no mercado de trabalho.
“A gente precisa de políticas de Estado em que o jovem, de hoje e das próximas gerações, saibam que esses compromissos foram assumidos pelo poder público para eles”, pontua Wesla. Entre estas políticas, ela considera prioritário fortalecer mecanismos de controle, a exemplo do Sinojuve e da Secretaria Nacional da Juventude, que podem assumir compromissos de longo prazo com a sociedade.
“Estamos naquele período em que as gerações passadas, com [nem tanto] dinheiro, conseguiram comprar imóveis e conquistar um monte de coisa e a nossa geração vem sofrendo por não conseguir comprar uma casinha”, fala o psicólogo Renan Kaiqui da Silva, 26, morador de Taipas, na zona norte, sobre o que chama de “dor social“.
Trata-se de um termo usado por ele, inclusive no atendimento de outros jovens em consultório, para abordar o papel da juventude periférica no capitalismo, as possibilidades de ascensão econômica e também as barreiras sociais e raciais enfrentadas por ela.
“Começamos a acessar lugares [de mais prestígio social] e somos brecados de um jeito muito cruel”, diz “Eu fui prounista, consegui fazer faculdade e por conta disso e do suporte dos meus pais consegui chegar nesses lugares, mas muitos não chegam”.
O jovem Wellington Lima da Silva, 20, morador do Jardim Ipanema, em São Bernardo do Campo, enfrenta diariamente estas diversas barreiras para acessar lugares de mais privilégio e defende que, para a juventude avançar em direitos, é preciso que todos respeitem a diversidade.
Ainda assim, reconhece que as possibilidades da juventude de hoje são maiores que para gerações passadas. “Minha mãe é analfabeta e hoje temos mais acesso à educação”, exemplifica.
Apesar desses avanços, preconceito, local de moradia e qualidade de vida impactam diretamente no acesso ao mercado de trabalho de jovens das periferias de São Paulo, como destaca a pesquisa “Injustiças estruturais entre jovens na cidade de São Paulo”, realizada pela organização Juventudes Potentes e divulgada em junho deste ano.
Nove em cada 10 entrevistados ouvidos na pesquisa acreditam que “existe um processo de desigualdades sociais históricas que atinge algumas pessoas e grupos e as mantém em condições menos favoráveis que outras”.
O engenheiro civil, morador de Guaianases, Danilo Pereira de Souza, 22, concorda. Na sua avaliação, o jovem de hoje tem que batalhar mais para alcançar algumas metas, mas o avanço tecnológico é uma vantagem para a juventude correr atrás dos seus sonhos.
“Era muita dificuldade na época dos meus pais. Não tinha um celular, uma rede social… Hoje em dia você tem muita coisa eletrônica e facilita, dá para procurar emprego na internet e mandar um currículo”.
84% vivem em áreas que sofrem com falta de água, luz, alagamentos e outros problemas urbanos
42% demoram mais de 1 hora de viagem para chegar ao centro da cidade
60% já se sentiram prejudicados pelo tempo gasto no transporte
68% já ficaram sem dinheiro para a passagem
21% abandonaram a escola com dificuldades de conciliar estudos, trabalho e outras responsabilidades
44% já pensaram em abandonar os estudos, mas 78% pretendem concluir, porque veem a educação como oportunidade
Fonte: “Injustiças estruturais entre jovens na cidade de São Paulo”
“O que falta para os jovens de periferia são oportunidades, porque o jovem de periferia tem bastante talento”, aponta o engenheiro civil Danilo.
“Mais acesso à educação, a cursos superiores com mais facilidade e a vagas de emprego” são as prioridades apontadas por Wellington da Silva, 20, que veio do Rio Grande do Norte para São Paulo em busca de mais oportunidades , porém está desempregado. Ele tenta uma vaga em um curso técnico de Administração da Etec (Escola Técnica Estadual) de São Bernardo do Campo, onde mora, mas sonha em cursar Gastronomia.
“Eu acho que ainda falta abertura para que juventude e seus direitos sejam discutidos abertamente nos espaço em que os jovens são inseridos”, declara. Nathaly, reforçando que falta de acolhimento às demandas desse público .
Na opinião dela, muitas pessoas acreditam que a juventude não quer nada com vida, quando o que ocorre é que os jovens desejam mais do que trabalho e estudo: “a gente não é só trabalho, a gente quer se divertir, quer dançar”, comenta reforçando a necessidade de ampliar o acesso a cultura e ao lazer .
Esta é, segundo Wesla, uma das principais diferenças entre a juventude dos dias atuais e das gerações passadas: a forma como enxergam a sociedade e suas necessidades.
“Fazendo um recorte histórico, décadas atrás a gente via muito estereótipo da juventude como inquieta, como aquela que quer fazer mudanças. Hoje a gente tem uma percepção dos jovens como atores, como potências para o desenvolvimento do nosso país”.
Ofertar reforço escolar para diminuir desigualdades educacionais;
Promover maior aproximação da escola às suas demandas de jovens periféricos: trabalho, condições de vida, habilidades existentes e a serem desenvolvidas, projetos de vida, saúde mental, etc.;
Promover inserção mais qualificada ao mundo do trabalho;
Promover o u;so qualificado da Internet;
Criar meios de garantir inclusão e permanência do jovem no trabalho, com olhar também para o estudante trabalhador e/ou mãe;
Desenvolver políticas públicas de incentivo e fiscalização de direitos trabalhistas e de inclusão produtiva;
Incentivar as empresas a se instalarem nas periferias;
Construir capacitação dialogada entre Governo, OSCs e Empresas, visando os desejos, dos jovens, tendências, profissões de futuro e oportunidades de desenvolvimento do próprio território;
Mudar a cultura internadas empresas para que acolham o jovem trabalhador desde o processo seletivo e garanta condições favoráveis ao seu desenvolvimento;
Incentivar novas dinâmicas de trabalho pensadas em jovens periféricos.
Fonte: “Injustiças estruturais entre jovens na cidade de São Paulo”
Repórter da Agência Mural desde 2023 e da rede Report For The World, programa desenvolvido pela The GroundTruth Project. Vencedora de prêmios de jornalismo como MOL, SEBRAE, SIP. Gosta de falar sobre temas diversos e acredita do jornalismo como ferramenta para tornar o planeta melhor.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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