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Por: Jacqueline Maria da Silva | Artur Ferreira
Notícia
Publicado em 28.07.2025 | 17:27 | Alterado em 28.07.2025 | 21:35
A multiartista Jacira Roque de Oliveira, mais conhecida como Dona Jacira, faleceu hoje (28) aos 60 anos, após décadas de dedicação à escrita, poesia, costura e pintura. Expoente da zona norte de São Paulo, passou a paixão pela arte periférica para seus quatros filhos, Kátia, Katiane, Leandro e Evandro, esses dois últimos mais conhecidos pelos nomes artísticos de Emicida e Fióti.
“Sempre que vou em algum lugar dar palestra, as pessoas me apresentam como ‘dona Jacira, a mãe do Emicida e do Fióti’, como se fosse só isso que eu faço da vida: ser mãe de artista famoso”, brincou em entrevista para Agência Mural em 2018.
Ela fez fama pelas próprias mãos: autodidata, aprendeu a ler e escrever sozinha e chamou atenção na escola pelo seu poder de transmitir em palavras os sentimentos das pessoas. Vítima de racismo desde a infância, seus questionamentos não eram bem vistos na escola – um convento bastante rígido – que chegou à expulsá-la.
Não foi suficiente para barrá-la. Jacira encontrou em sua arte um meio de extravasar suas memórias e sentimentos.
“Eu precisava preencher o meu vazio com a minha história. É isso que eu bordo, que eu pinto, que está nos meus livros e bonecas”.
Além de artista, Jacira era palestrante e ativista pelos direitos dos moradores das periferias, uma parte fundamental da sua identidade, já que passou a maior parte da vida nos bairros Jardim Ataliba Leonel e Jardim Fontalis, na zona norte de São Paulo. Era também amante do samba e tocava bateria em blocos de carnaval.
“Eu já cheguei a acreditar que a gente não saía das periferias porque a gente era preguiçoso. Eu precisei aprender que não era isso: a gente é colocado aqui. Mas eu também aprendi que eu gosto de morar aqui, que eu posso melhorar o lugar onde moro, e trazer mais informação pra cá”, disse.
Em 2020, durante entrevista ao podcast Podepá!, da Agência Mural, a artista contou que sempre foi uma amante da natureza e de suas raízes africanas. Apesar disso, se viu anos afastada de sua cultura ancestral, após episódios traumáticos de sua vida.
Se descobrindo uma mulher negra, passou a lutar por esse reconhecimento e pelo ensino da História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas, um direito previsto pela lei 10.639 de 2003. “Hoje tenho netas que já conhecem o que é África, e eu só vim conhecer mesmo alguns anos atrás”, comemorou.
Inspiradora, ela imortalizou suas obras transformando sua casa, no Jardim Fontális, em um espaço de arte e convidando outros artistas para aprender e ensinar com ela.
“Eu pensei na abertura da casa, o espaço precisava de adeptos da tecelagem, do plantar, adeptos das pequenas coisas sagradas, das pequenas coisas que são pra sempre”.
Para sempre como o legado de Jacira, que enfrentava há anos o lúpus, doença crônica autoimune, e realizava hemodiálise há 25 anos. Ela estava hospitalizada, segundo informações do Brasil de Fato, e a causa de sua morte não foi informada.
“Tenho um encontro marcado comigo e a qualquer momento devo me encontrar.
Tomara que a outra eu não tenha passado pelos mesmos caminhos que passei.
Que não tenha passado por estradas de entortar a vida”
Trecho de poema autoral enviado à Agência Mural para o podcast Em Quarentena.
Jornalista, vencedora de prêmios de jornalismo como MOL, SEBRAE, SIP. Gosta de falar sobre temas diversos e acredita do jornalismo como ferramenta para tornar o planeta melhor.
Jornalista e redator. Atuou nas redações do Observatório do Terceiro Setor e Rádio CBN. Adora livros, cinema, podcasts e debater sobre política internacional. Palmeirense. Correspondente do Jardim São Luís desde 2022.
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