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Empreendedores nas periferias enfrentam dupla jornada para manter negócio

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Por: Wallace Leray | Ana Beatriz Felicio

Notícia

Publicado em 18.01.2019 | 14:28 | Alterado em 22.11.2021 | 15:54

RESUMO

Professor atua também em sorveteria na Brasilândia, cabeleireira no Grajaú se divide com o trabalho num lava-rápido, entre outras histórias

Tempo de leitura: 5 min(s)

Aos 54 anos, Inácia Marques dos Santos sabe como quer estar aos 60 anos. Moradora da Vila Menk, em Osasco, na Grande São Paulo, ela afirma que pretende aproveitar a velhice de maneira tranquila e fazer o que mais gosta: ir à praia. Antes disso, contudo, tenta emplacar o próprio negócio: uma loja na Lapa, zona oeste de São Paulo. O trabalho ali, porém, começa na parte da tarde, depois de cumprir expediente no emprego fixo de auxiliar gráfica.

“Minha pretensão é chegar aos 60 anos em uma situação que possa usufruir da minha aposentadoria, curtir um lazer”, conta. ‘Meu sonho é ficar pelo litoral paulista, tranquila, olhando o mar”. Inácia é uma das empreendedoras que vivem na periferia e que, para conseguir uma renda extra, se desdobra entre duas jornadas para garantir o sustento. 

Manter o emprego formal e apostar em um negócio próprio tem sido a aposta de vários moradores. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva em 2018 mostrou que cinco em cada 10 moradores das favelas têm intenção de abrir o próprio negócio.

Os últimos dados disponíveis do Portal da Indústria mostram que, em 2015, 48% dos brasileiros buscaram um trabalho extra para complementar a renda naquele ano. Além do complemento financeiro, há ainda aqueles empreendedores que o fazem por oportunidade ou sonho.

De acordo com Camila Ribeiro, analista de negócios do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), o número de empreendedores que vivem dupla jornada têm aumentado por algumas razões, como a insatisfação em relação ao trabalho atual. “Outro motivo é a instabilidade empregatícia. Hoje, muitas pessoas sentem-se inseguras em seus empregos atuais ou precisam completar a renda e conseguem fazer isso empreendendo paralelamente ao seu trabalho”.

Para a analista, o mais difícil em situações como essas é administrar o tempo, além de vencer o cansaço e lidar com o negócio. “A pessoa que trabalha em uma empresa e empreende ao mesmo tempo, trabalha em média 16 a 18 horas por dia, em uma dupla jornada há muitas tarefas a serem cumpridas”.

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Inácia trabalha desde os 10 anos (Ana Beatriz Felicio/Agência Mural)

AUXILIAR GRÁFICA E DONA DE LOJA

Inácia acorda às 4h da manhã todos os dias para trabalhar no período matutino como auxiliar gráfica. No restante do dia, ela atua na loja “Lambe os Dedos Livraria”, um box próximo ao mercadão da Lapa, na zona oeste de São Paulo. O serviço oferece lan house, cestas de presentes e livros.

A volta para casa é por volta das 22h. “Não acho justo ficar trabalhando a vida inteira para os outros, então estou investindo no meu próprio negócio. Não é fácil, a pessoa sozinha, conciliar emprego, casa, dia a dia”, avalia.

Inácia trabalha desde os 10 anos, já tendo passado por diferentes tipos de empregos, como balconista, auxiliar de cozinha e metalurgia. Desde jovem, o grande sonho era empreender, mas nunca conseguiu dinheiro suficiente para começar. “Meu objetivo sempre foi ter uma lanchonete. Mas você precisa ter capital, precisa ter ajuda de alguém e não tenho. Só do trabalho. Essa loja não vai ser meu primeiro nem último [empreendimento]”.

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A jornada de Inácia começa às 4h e vai até 22h (Ana Beatriz Felicio/Agência Mural)

A  “Lambe os Dedos Livraria” nasceu há cerca de um ano primeiramente em Osasco, cidade da região oeste da Grande São Paulo. Havia pouco movimento de clientes no local e ela decidiu mudar a loja para Lapa, onde está há um mês. Uma funcionária trabalha na loja, mas Inácia administra o negócio sozinha.

O dinheiro para o investimento veio a partir do que conseguiu juntar trabalhando na gráfica. Por enquanto e estabelecimento ainda não está gerando lucros. “O que ganho lá, invisto aqui”, diz Inácia.

Com o ensino médio completo, ela nunca estudou sobre gestão de empresas e, no momento, não pensa em retomar os estudos pela falta de tempo e por considerar que não se adaptaria. “Estou muito velha para voltar para sala de aula. Como não tenho filhos, meu objetivo era encontrar alguém que vestisse a camisa e investir nela”.

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Samantha mora no Grajaú e começou a dividir o emprego principal com um salão (Wallace Leray /Agência Mural)

LAVAGEM E CABELEIREIRA

Samantha Santos tem 23 anos, é casada há 2 anos e tem um filho de 3 anos de idade. Moradora do Jardim Imporá, distrito do Grajaú, na zona sul da capital, ela concilia o trabalho de auxiliar de produção em uma lavanderia de carros com o trabalho de cabeleireira na “Princesa Afro”.

O trabalho registrado começou há quatro anos, mas durante as folgas exerce a função de trançadeira. “Quando é minha folga, faço cabelo aqui em casa e ainda consigo ficar com meu filho, mas quando vou fazer em um lugar mais longe, tenho que deixar ele na casa da minha mãe”.

“Como sou cabeleireira afro, quero um espaço bem na periferia mesmo, se encaixa mais com meu propósito, muitas pessoas tem preconceito pelo fato de eu usar trança, dread e eu quero tratar justamente esse público, para mostrar que existe beleza de todas as formas”, expõe.

Hoje, ela ganha um salário mínimo com uma escala de seis dias por um no emprego fixo. Nas últimas férias, quando focou na Princesa Afro, conta que em 10 dias conseguiu lucrar R$ 1.200. “Apesar de querer focar apenas num espaço para atender meus clientes, não posso largar meu emprego, porque já estou há muito tempo lá e é com esse dinheiro que ajudo a sustentar a renda da casa”, fala.

A “Princesa Afro” é administrada inteiramente por Samantha que também cuida das redes sociais. “Comecei a colocar na internet, criei nome, slogan, fiz uma página no Facebook e um site. Não sei mexer muito, mas aos poucos eu vou aprendendo sozinha mesmo. Até divulgo quando tenho tempo, mas a maior parte da clientela é no boca a boca”, conta.

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A ideia é trabalhar na periferia (Wallace Laray/Agência Mural)

Samantha não fez nenhum curso voltado ao empreendedorismo, mas hoje faz um curso de estética que abrange a área que ela quer seguir. “Antes de trabalhar com trança, desde a época que ainda morava com minha mãe, já fazia em mim. Então, a prática já tenho. Estou fazendo esse curso de estética para me profissionalizar e quem sabe me arriscar mais nesse ramo”, relata.

PROFESSOR E SORVETEIRO

Carlos Alberto Martins, 48, é professor de inglês e de português. Ele dá aulas para alunos do ensino médio e fundamental em duas escolas. No tempo livre, administra uma sorveteria.

Morador da Brasilândia, na zona norte de São Paulo, dá aula de manhã em um colégio particular na Cachoeirinha e a tarde em uma escola pública na Freguesia do Ó, bairro onde também fica localizada a “Esquina do Açaí”, que além das sobremesas geladas oferece sopas e caldos.

Martins assumiu o papel de dono da sorveteria em abril de 2018, depois que o cunhado decidiu passar o ponto por não estar conseguindo administrá-lo. “Foi uma aventura, não estava buscando [o próprio negócio]. Foi uma oportunidade que me ofereceram, eu estudei e aí falei que daria para conciliar os dois e estou aqui”, conta.

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Carlos assumiu o negócio que pertencia ao cunhado (Wallace Laray/Agência Mural)

Professor há 25 anos, o empreendedor já investiu em outros negócios para complementar a renda no passado, como fazer balões para festas infantis e papéis de ator em comerciais. Atualmente, gerencia o empreendimento sozinho e possui duas funcionárias para auxiliar no atendimento.

“É cansativo, mas se a gente entrou de cabeça, tem que conciliar os dois. E sábado e domingo eu estou aqui direto. Faço compra aos sábados e no intervalo das escolas”.

Ele conta que aprendeu lições valiosas em sala de aula que aplica no negócio. “Estou sempre sorrindo, quero transmitir para meus alunos confiança e aqui também. Sempre falo que são três coisas importantes para construir um negócio: aparência, atendimento e produto. E a simpatia acima de tudo, além de disciplina com os funcionários”.

Apesar de conseguir conciliar a vida de empreendedor com as aulas, Martins pensa que, no futuro, irá escolher apenas uma profissão. Mas ainda não sabe qual das duas. “A que estiver me valorizando melhor no momento”.

Wallace Leray e Ana Beatriz Felicio são correspondentes do Grajaú e de Carapicuíba

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Wallace Leray

Jornalista e correspondente do Grajaú desde 2017. Perguntador, sou um curioso do bem. Sociável é uma característica extremamente minha. Eu amo a arte drag queen, tanto quanto amo a cultura periférica. Eu ainda não decidi se minha comida favorita é strogonoff ou a sopa da minha mãe. Mas que sou um eterno realizador de sonhos, isso é fato.

Ana Beatriz Felicio

Jornalista, curiosa, já foi apresentadora do Próxima Parada. Gosta de conhecer pessoas novas e descobrir o que as motiva a acordar todos os dias. Correspondente de Carapicuíba desde 2018.

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