Divulgação/Escola de Quebrada/Paramount +
Por: Egberto Santana
Opinião
Publicado em 03.03.2023 | 14:53 | Alterado em 03.03.2023 | 14:55
Dentro das periferias paulistanas existem códigos, regras e imagens que sobrevivem à parte ou em paralelo aos valores dos grandes centros. Seja na aliança da vizinhança pela fofoca, pelas crianças jogando pipa, o toque de visão dos mais velhos, o salão de barbearia ou a adega. Quando se trata do prédio escolar, não é diferente.
“Escola de Quebrada”, filme produzido pela Kondzilla para a Paramount+, busca desenhar o universo particular periférico do ensino médio dentro de um conflito de amadurecimento, em uma obra que conta atores crias das periferias da cidade.
Reconhecida pelo trabalho na produção de artistas do funk, entre outras ações, a Kondzilla vem cada vez mais entrando no ramo cinematográfico e já realizou a série ‘Funkbol’ para o streaming, que trouxe a conexão entre o funk e o futebol, com relatos de MCs e jogadores. Agora a ideia foi adentrar ao mundo da vida na escola.
A trama é conhecida: Luan (Mauricio Sasi) acaba de entrar no ensino médio e deseja mudar sua identidade. Ele quer conquistar a atenção da paixão que ele carrega desde a creche: Camila (Laura Castro). Para tanto, vai precisar da ajuda dos amigos, a inteligente e dedicada Rayane (Bea Oliveira) e o nerd e gamer David (Lucas Righi). O trio embarca em uma aventura inesperada cheia de problemas para o protagonista.
Mauricio Sasi, o protagonista, é cria de São Miguel Paulista e o primeiro ator gerenciado pela Kondzilla. O ator vem do teatro e hoje, por conta do trabalho, mora em Guarulhos, território de Lucas Righi. Bea Oliveira completa o trio periférico, moradora do Itaim Paulista.
Mas essa típica história colegial tem um porém: é a zona leste da periferia de São Paulo. Os grupos da escola são as mandrakas, os mil grau, a galera do futebol, os chavosos e os engraçadões, como narra o próprio Luan no começo do filme.
Camila, ao invés de ser a patricinha, é a mandraka, as garotas estilosas da quebrada. Os elementos morais que unem todas as panelinhas é o interclasse e o grêmio estudantil.
E se tem um vilão realmente pronto para colocar qualquer aluno do ensino médio de quebrada com medo é a diretora, interpretada por Mawusi Tulani.
Afinal, atire a primeira pedra o estudante de escola pública que nunca se assustou com a chegada da diretora e comemorou quando ela anunciou a falta de uma professora.
Vale destacar o aliado cômico da diretora, o inspetor “Piu Piu”, interpretado pelo comediante Oscar Filho e a professora aliada dos alunos, Elizabeth, interpretada pela atriz global Jéssica Barbosa.
O longa transforma as percepções dos jovens vindos de escola pública das periferias em um universo audiovisual que podemos relacionar com as aventuras de “Todo Mundo Odeia o Chris”, para ficar em um exemplo consagrado, onde o protagonista também é um jovem negro.
São cenas que trazem de volta memórias de quem já vivenciou essas situações e facilmente reconhece a divisão dos grupos escolares.
Há um ritmo cômico bem forte durante toda a jornada, por conta dos desafios exagerados encontrados nos conflitos ou mesmo as conversas cheias de brincadeiras uns com os outros e alusões a memes e citações do universo das redes sociais.
Isso porque tanto o trio carrega uma química no companheirismo muito bonita na força da amizade quanto os adversários dos outros grupos encenam a rivalidade com uma forte fidelidade aos trejeitos, gestos, linguagens e estética dos perfis periféricos conhecidos de fora do filme.
Se a jornada diverte, a inserção de códigos de quebrada dentro do filme colegial encanta. Um exemplo é a atualização para as novas gerações que os diretores Kaique Alves e Thiago dão para o filme. Falo do ensinamento sobre diversidade, das dancinhas do Tik Tok e dos beats do funk paulista.
É possível reconhecer as vertentes sonoras dos bailes entre os cortes da montagem do filme ou saindo diretamente da JBL dos crias da sala de aula. A propósito, o próprio nome da escola não dá chance para perder a referência: Escola Estadual Professor Mandelão.
Os diálogos do filme também são permeados por um dialeto próprio da quebrada, tornando o filme mais próximo daqueles que o escutam.
A família de Luan tem o seu momento no filme, em uma casa onde cabem três cabem todos. Nesse ponto, ganha destaque o tio, o “Sangue bom”, desafeto do pai, mas forte admiração por parte do filho. As semelhanças com o Mano Brown não são só na aparência, pois é com ele que o jovem vai poder enxergar um caminho melhor para amadurecer.
No entanto, o ritmo do filme favorece o tom cômico, mas peca na falta de profundidade de alguns pontos que passam rapidamente, como a falta de reforma dos banheiros e a comparação dos colégios com presídios.
As estruturas e soluções são entregues com pouco respiro e apreciação é passageira, deixando uma vontade grande pela continuidade das histórias tão bem apresentadas – quem sabe uma série, tal como foi “Sintonia”, também produzida pela Kondzilla?
Ainda assim, sem dúvidas, as memórias de quem viveu os tempos de uma escola de quebrada são revividas com muito frescor e envolvimento durante o filme.
Onde assistir: O filme estreou nesta sexta-feira (3) e se encontra disponível no serviço de streaming da Paramount+.
Jornalista, também é crítico de cinema e redator. Sempre ouvindo ou assistindo alguma coisa, do novo ao velho, do longa-metragem ao reels do Instagram ou Tik Tok. Correspondente de Poá desde 2021.
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