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Agência de Jornalismo das periferias

Reprodução/Google

Por: Raphaela Ribeiro

Crônica

Publicado em 01.03.2024 | 15:55 | Alterado em 01.03.2024 | 17:36

Tempo de leitura: 4 min(s)

Já passava das 20h quando cheguei à UPA (Unidade de Pronto Atendimento) de Itaquera, na zona leste de São Paulo. Era quinta-feira, 8 de fevereiro, véspera da sexta-feira de Carnaval. Eu sabia que o atendimento iria demorar – sempre demora – mas há dias meu corpo pedia ajuda.

Os sintomas começaram na segunda-feira, com uma coceira na garganta, dor de cabeça e mal-estar. Ao longo da semana, eles evoluíram para uma fraqueza absurda e dor no corpo inteiro. Tive febre por três dias seguidos, e mal me segurava em pé.

Quando comecei a ter diarreia, enjoos e vômito, soube que não podia mais adiar a ida ao médico. Como a grande maioria dos moradores das periferias de São Paulo – e do Brasil – eu dependo do SUS (Sistema Único de Saúde). Na maioria das vezes, isso significa esperar horas para passar com um médico.

Isso se torna uma verdade ainda maior agora, com o distrito de Itaquera – onde nasci, cresci e vivo – aparecendo entre os seis distritos da capital em situação epidêmica por dengue.

Muitas vezes recorri à UPA de Itaquera, peguei a senha, esperei por uma, duas horas até fazer a ficha, e fui embora antes de sequer ser atendida, porque o local estava superlotado, sem médicos e com um tempo de espera sem fim. Naquela quinta-feira, não foi diferente. Entre pegar a senha às 20h07 de quinta-feira e finalmente ser atendida às 4h de sexta, oito horas se passaram.

Durante esse período, cerca de 480 minutos, 28.800 segundos, eu esperei. Esperei que chamassem a senha 514 no painel para a triagem, para então abrir ficha na recepção, e, finalmente, para que fosse chamada na sala da médica.

Eu, obviamente, não era a única a esperar. No início da noite, troquei uma conversa rápida com meu vizinho de chá de cadeira, um homem que devia passar dos 60 anos. A senha dele era a 350, ele estava ali desde 14h e ainda não havia sido atendido. Idosos, crianças, adultos, esperavam, esperavam e esperavam.

Alguns só eram atendidos quando passavam mal, ali mesmo na sala de espera. Um moço na faixa dos 25 anos, se queixando por horas de fraqueza e forte dor de cabeça, acabou convulsionando e indo ao chão, na frente de todos, antes que então recebesse ajuda.

O meu primeiro atendimento só foi ocorrer às 1h48 da madrugada.

O que tenho?

Relatei todos os sintomas à médica, que mal olhava para mim. Esperei ser examinada. Não fui. Ela solicitou um teste rápido de Covid-19 somente. Entre fazer o teste e passar novamente com a médica, mais de duas horas se passaram.

Naquele dia só havia duas profissionais disponíveis, uma delas, a que me atendera inicialmente, ia e voltava da emergência para dar apoio aos socorristas. Nesse processo, a minha ficha e a de mais cinco pessoas sumiram, atrasando ainda mais o atendimento.

Àquela altura da madrugada, eu esperava que a unidade de saúde já estivesse vazia, mas muitos ainda esperavam o retorno médico.

Todos tocados por aquela sensação de revolta que só quem é pobre e periférico entende muito bem, aquele sentimento de quem sabe que o CEP dita a qualidade do atendimento e quantas horas você vai demorar para ser diagnosticado e medicado.

Às 4h, quando finalmente voltei a ser atendida, eu esperava que, com o resultado negativo do teste de Covid, fosse testada para dengue, ou para qualquer coisa. Eu só queria saber o que estava acontecendo comigo. E eu fui embora sem saber.

Sem pedir mais exames, a médica me receitou ibuprofeno para febre (que eu vinha tomando por dias, sem efeitos), dramin para os enjoos e florax para controlar a diarreia.

Fui embora sem saber se o meu caso era um entre os mais de 16 mil casos de dengue contabilizados na cidade de São Paulo. Eu não fui testada. Pode ser que os meus sintomas, que se arrastaram mais uma semana, não fossem dengue.

O meu caso poderia pertencer a qualquer outra estatística, mas eu nunca vou saber.

Tive de voltar à UPA de Itaquera na segunda-feira, 26 de fevereiro. Perguntei ao responsável pelas senhas quanto era o tempo de espera: 4 a 5 horas, ele disse. “Quantos médicos estão atendendo hoje?”. “Quatro”. A sala, como sempre, lotada. O painel chamando lentamente cada número. E mais um dia normal seguiu.

Secretária

Em nota, a SMS (Secretaria Municipal da Saúde) afirma que a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) 26 de Agosto realizou, neste mês, 22.124 atendimentos e 2.549 testes de dengue.

“A unidade está com funcionamento normal, com quadro completo de profissionais e atende de portas abertas, seguindo o protocolo de Manchester para classificação de risco, priorizando os casos mais graves”, diz a pasta.

A gestão diz ainda que para atender a alta demanda, instalou uma tenda em frente à UPA para os pacientes com sintomas de dengue.

Além disso, a secretaria afirma que todos os equipamentos municipais de saúde, como as UBS (Unidades Básicas de Saúde), AMAs (Assistências Médicas Ambulatoriais), UPAs e Prontos-socorros “estão devidamente preparadas para prestar atendimento a casos suspeitos de dengue. E que outras tendas poderão ser instaladas de acordo com a demanda de cada território.”

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Raphaela Ribeiro

Jornalista e pós-graduanda em jornalismo digital e contemporâneo, com trabalhos publicados na Folha, HuffPost Brasil, Revista AzMina, The Intercept, Terra e Agência Pública. Nascida e criada na zona leste, é correspondente de Itaquera desde 2023.

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