Por: Isabela Alves
Notícia
Publicado em 10.03.2023 | 9:30 | Alterado em 27.02.2024 | 16:38
A maior e mais conhecida premiação do cinema está chegando: o Oscar 2023 acontece no domingo, dia 12 de março, e quem é fã de cinema já está fazendo maratonas e escolhendo seus filmes favoritos.
Aproveitando o clima, que tal conhecer quem faz esse corre dentro das periferias? A Agência Mural conversou com profissionais da área para entender como é possível criar obras que refletem a realidade das periferias e contar quais são os desafios de fazer audiovisual nesses territórios.
Confira:
Com Jorge (2022), o diretor Bruno Felix da Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte de São Paulo, teve diversas conquistas: sua estreia como diretor de ficção e roteirista, e a exibição do filme na 26ª Mostra de Cinema de Tiradentes – a maior mostra de cinema independente do Brasil.
O curta surgiu como um trabalho de conclusão de curso de direção cinematográfica na AIC (Academia Internacional de Cinema). Para a realização, Bruno trabalhou com pessoas que fez amizade ao longo da sua trajetória como artista.
“Realizamos um financiamento coletivo onde arrecadamos R$ 10 mil para que fosse possível remunerar todas as pessoas envolvidas e proporcionar uma vivência semelhante a um set fora do ambiente estudantil, ainda que com cachês reduzidos”, relata.
O filme conta a história de Jorge, um jovem negro de uma periferia de São Paulo que vive o dilema de se dedicar a arte e pagar as contas de casa. O drama vivido pelo protagonista é um retrato do próprio diretor e tantos outros artistas que precisam lidar com a exclusão no mercado de trabalho e a falta de investimento.
“Se lançar como um diretor periférico não é uma tarefa fácil. Eu nunca havia trabalhado em um set de filmagens, então acredito que minha maior virtude foi a vontade de contar uma história e acreditar nela”, comenta Bruno.
Para ele, é importante que as pessoas da sua quebrada também possam assistir o filme e dar um retorno para que as próximas produções continuem retratando a vida dessa população. Bruno também é fundador da produtora “Q Loko Tio” que tem como mote “contar a história de pessoas pretas em seus incalculáveis universos”.
Em A Blogueira da Favela (2022), conhecemos a história de Beca, uma jovem de Paraisópolis que sempre gostou de frequentar bailes funks. Tudo muda quando a chefe vê um dos vídeos dela dançando, a demite e Beca decide se tornar influencer para ganhar dinheiro.
O diretor Arthur Jesus relata que a ideia veio a partir das vivências dentro da comunidade e a vontade de retratar os influenciadores periféricos, que por muitas vezes acabam não tendo visibilidade nas plataformas.
Por ter sido a primeira experiência como diretor, uma das maiores dificuldades foi lidar com a insegurança. “Ao mesmo tempo que estava entusiasmado, porque é uma história parecida comigo, também tive medo de me ver nesse lugar. Fui aprendendo na prática”, conta.
A repercussão do filme foi positiva desde o casting, já que mais de 100 pessoas periféricas se inscreveram para participar. A primeira exibição ocorreu no CEU Paraisópolis, além dos saraus e sessões nos centros culturais.
Também houve uma exibição para 20 meninas que vivem na Fundação Casa. “O mais interessante é ver as pessoas se reconhecendo e se divertindo. A gente fala de temáticas importantes, mas queremos tornar acessível para todo mundo. Até aquele tiozinho que trabalha na obra e chega em casa cansado depois do trabalho, sabe?”, diz Ellie Sasi, co-diretora do filme.
Fundadores do coletivo Quilombarte, eles ressaltam que o cinema periférico ainda encontra dificuldades com a distribuição. Por isso, a dupla aconselha que é importante que o próprio telespectador pesquise e tenha interesse em consumir esses conteúdos.
O filme Mutirão (2021) conta a história da construção do bairro da Cohab Adventista, no Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, através dos olhos de uma criança. A inspiração para o título veio do fato de que o bairro foi criado por meio do trabalho de diversos homens e mulheres que se uniram em prol da moradia nas décadas de 80 e 90.
“Eles levantaram tijolo por tijolo através de um processo coletivo. O filme resgata imagens antigas que foram digitalizadas e trabalha a memória das periferias. É uma visão lúdica da construção de um bairro de quebrada que poderia ser de qualquer lugar do Brasil”
Lincoln Péricles, vulgo LKT, diretor do filme
Para ele, a principal mensagem é que, através do coletivo, é possível superar as dificuldades. Inclusive, ele faz o alerta de que as barreiras enfrentadas por diretores de audiovisual já são questões antigas e de que o poder público deveria olhar com mais cuidado para os profissionais.
“O que a gente vem produzindo na quebrada de São Paulo é o que tem mais de relevante na produção paulista, tá ligado? Além das dificuldades profundas, das neuroses, que é viver numa quebrada, que é ser um universo em crise, como diz o Mano Brown, a gente tem essa dificuldade da grana para produzir”, pontua Lincoln.
A personagem principal é a Duda, sobrinha do LKT. Além de fazer a exibição em diversas quebradas, ele conseguiu levar o filme para a escola dela. A ideia surgiu após a professora discutir a história do Capão em sala de aula e a menina teve a iniciativa de transmitir o conteúdo no espaço.
“Ela tem a ver com o que a gente quer levantar no mutirão, que é a proteção e o cuidado da memória do audiovisual de periferia e da classe trabalhadora. Como a criança de hoje pode passar a história para outras crianças de amanhã dentro da sua própria escola pública, dentro da sua própria quebrada”, conclui.
Graduada em jornalismo pela Universidade Anhembi Morumbi (UAM) e pós graduanda em Mídia, Informação e Cultura pelo Celacc/USP. Homenageada no 1° Prêmio Neusa Maria de Jornalismo. Correspondente do Grajaú desde 2021.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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