Córrego que corta o bairro fica no limite entre São Paulo e Embu das Artes, mas nenhuma das duas prefeituras atuam por solução
Suzana Leite/Agência Mural
Por: Cleberson Santos | Suzana Leite
Notícia
Publicado em 20.05.2022 | 9:38 | Alterado em 24.05.2022 | 12:41
O Jardim Irene, no distrito do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, entrou na história das Copas do Mundo há 20 anos, quando o então capitão da seleção brasileira, Cafu, escreveu o nome do bairro na camisa antes de erguer a taça do pentacampeonato.
Hoje, os moradores da região reclamam que o bairro alcançou um “novo penta”: de alagamentos. A região enfrentou cinco fortes enchentes nesses oito anos, sendo três delas durante o último mês de março.
“Quando o Cafu foi penta, colocou Jardim Irene [em exposição]. Mas o que fizeram? Nada. Aqui é pentacampeão da enchente”
Cassio José da Silva, 40, morador do bairro
O ponto mais crítico é a rua Bicci di Lorenzo, que fica à margem do córrego Pirajuçara que separa o Jardim Irene, em São Paulo, do Jardim Santo Eduardo, em Embu das Artes. Por ali, a maioria das casas possui uma comporta na entrada e histórico de danos causados pela água.
Em março, houve uma manifestação na Estrada de Itapecerica, a caminho da Estação Capão Redondo, realizada pelo Mofeu (Movimento Unificado pelo Fim das Enchentes), um grupo formado pelos moradores do Irene para cobrar soluções para o problema.
“Nós trabalhamos tanto em busca de resolver o problema desse córrego, a canalização dele, a enchente, quanto de conscientizar a nossa população”, diz o analista de sistema Anderson Soares, 41, líder do Mofeu e conhecido na comunidade como Nando.
Dias depois dessa passeata, o Jardim Irene ainda enfrentou a terceira grande enchente.
O córrego Pirajuçara nasce na própria cidade de Embu das Artes e deságua no Rio Pinheiros, na região da Cidade Universitária, na zona oeste da capital. Em 18,5 km de extensão, o Pirajuçara passa ainda por Taboão da Serra.
Paula Barros da Silva, 41, é esposa de Cássio, trabalha como costureira e morou sempre na rua próxima ao córrego. Nas enchentes deste ano, ela perdeu a máquina de costura, que garantia a execução do trabalho e era a principal fonte de renda dela.
“A gente tem cuidado. Quando minha mãe fez essa casa que a gente [ela e o marido] mora, ela fez alto para não ter risco de enchente. Tem 41 anos que a gente passa por essa situação, de promessas e promessas, tem o impasse Embu e São Paulo, e nada é feito”, conta a moradora.
A reportagem da Agência Mural questionou as duas prefeituras a respeito da situação na região, sobre diálogos entre elas e previsões de obras. Até o fechamento do texto, apenas a Prefeitura de São Paulo havia retornado o contato.
“A Subprefeitura [do Campo Limpo] informa que a área alagada está na região do município de Embu das Artes”. Esta foi a única resposta enviada pela assessoria e diverge do que é relatado pelos moradores. A rua mais afetada, a Bicci de Lorenzo, está no município de São Paulo.
A primeira grande enchente enfrentada pelos moradores do Jardim Irene foi em 2014, alcançando também ruas acima do córrego. O fato causou grande revolta no bairro. Nando lembra que um carro da Defesa Civil chegou a ser incendiado na ocasião.
O comerciante José Dias, 66, mora na rua Torre de Chanceller, no Embu, e conta que a enchente de 2014 foi a mais pesada que ele enfrentou: “De uns 10 anos para cá ficou pior, não sei o que acontece”.
Ele mora no bairro há 35 anos e relembra que nem quando as duas prefeituras, de São Paulo e Embu, foram governadas pelo mesmo partido – entre 2001 e 2004, com Marta Suplicy e Geraldo Leite – houve diálogo entre as duas gestões.
“Não tenho mais esperança não, com os políticos que a gente tem hoje em dia, você precisa de união e boa vontade, sem isso não adianta”, afirma.
Foi na época da enchente de 2014 que Anderson Soares começou a frequentar reuniões na Subprefeitura do Campo Limpo em busca de soluções para a região, porém ele relata que não era “ouvido com atenção”, justamente por não haver um movimento organizado no bairro.
“A gente ganha muito sabendo perder. Ele [o Poder Público] realmente não vai se preocupar em vir aqui no meu bairro e cuidar de um buraco sendo que quem passa todo dia em cima dele não fala”, afirma.
Ele criou inicialmente o Compromisso Zona Sul. Além de “representar” o Jardim Irene, o grupo também fomenta projetos sociais que surgem dentro da comunidade, enquanto o Mofeu, de 2022, fica exclusivamente nas questões relacionadas aos alagamentos.
Dessa época, a única conquista dos moradores foi uma obra de adequação da rua, com asfaltamento e um muro de contenção até hoje incompleto.
A segunda grande enchente veio na última semana de 2019. “É triste você ver a ceia do cara indo embora, pessoal chorava, e chegou no dia 30 nós começamos a correr atrás da Prefeitura para dar uma assistência, a mesma luta, batendo na mesma tecla”, lembra Nando.
Entre as várias propostas que foram feitas a respeito do córrego no Jardim Irene, uma em específico data de antes da primeira enchente de 2014, que é a canalização do córrego.
O órgão responsável pela obra da canalização do córrego seria o DAEE (Departamento de Água e Energia Elétrica), que pertence ao governo estadual. O Mofeu chegou a se reunir com o órgão durante o mês de abril.
“De primeiro momento, eles não deram nenhum parecer de que iam resolver o problema, é sempre a mesma conversa, de que é difícil de mexer, tem que ver, quem sabe mandamos uma equipe.”
Em nota enviada à Agência Mural, a assessoria de imprensa do DAEE confirmou a reunião com o movimento na última semana de abril. “Na ocasião foi definido que, na segunda quinzena de maio, técnicos do DAEE farão uma vistoria no local para, em conjunto com o município, apontar soluções para a área”.
A nota afirma ainda que entre 2014 e 2018, o Departamento concluiu a canalização de 1.700 metros do córrego, cuja obra custou R$ 12 milhões. O trecho em questão fica no Jardim Clementino, em Taboão da Serra.
Enquanto a canalização não vem, José Dias deixa sugestões do que podia ser feito emergencialmente pelas gestões em prol da divisa:
“Precisava arrumar esse asfalto que está caindo, e colocar uma espécie de corrimão para não cair pedestres dentro. Pelo menos uma vez ao ano, ali para dezembro, antes de começar a chuvarada, podia vir uma máquina, dar uma limpada no rio e reafundar ele”, sugere. “Não resolveria tudo, mas adiantaria bastante”.
Correspondente do Capão Redondo desde 2019. Do jornalismo esportivo, apesar de não saber chutar uma bola. Ama playlists aleatórias e tenta ser nerd, apesar das visitas aos streamings e livros estarem cada vez mais raras.
Fotógrafa. Estudante de Pedagogia com objetivo de atuar na educação inclusiva. Idealizadora do projeto "Diamantes periféricos". Trancista, apaixonada por música, teatro e canto. Correspondente do Capão Redondo desde 2021.
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