Daniel Santana/Agência Mural
Por: Daniel Santana
Notícia
Publicado em 28.11.2025 | 16:16 | Alterado em 28.11.2025 | 16:16
“Acho que é uma reescrita. Ou, como diria a maravilhosa Conceição Evaristo, uma Escrevivência”. Dessa forma, Allan dos Anjos, 23, formado em administração pública e morador do Capão Redondo, define sua trajetória.
O jovem, que teve a educação como um divisor de águas na vida, se destaca como articulador social em projetos do Capão Redondo, do Jardim Ibirapuera e outras regiões das periferias sul e leste de São Paulo.
As primeiras lembranças de Allan com o ensino vêm da adolescência. Aos 12 anos, ele já ensinava crianças mais novas, de 8 anos. Com 13, começou o primeiro “trabalho” de professor, com aulas particulares para os meninos da comunidade.
Os pais das crianças o pagavam com um sorvete ou um refrigerante todos os fins de semana.

Conceição Evaristo, uma das inspirações de Allan para a escrita. O encontro ocorreu no Prêmio LED deste ano @Arquivo pessoal/Divulgação
A ideia de trabalhar em prol da educação foi amadurecendo quando começou a pensar em qual profissão escolheria. Inicialmente, tinha o desejo de ser diretor de escola. Por influência da namorada Maria, conheceu (e se encantou) com o curso de administração pública.
“Pensei: ‘É aqui que consigo ter impacto através das pessoas. Trabalhar com educação na perspectiva da gestão”, comenta Allan.
“Minha mãe bateu o pé com meu pai dizendo que eu e meus irmãos não íamos trabalhar cedo. Eu comecei com 16 anos. Ela foi a base e segurou tudo com um salário mínimo, três filhos e mesmo assim fez acontecer”.
Ao descobrir a administração pública um mundo se abriu. Logo, ele começou a fazer cursinho pré-vestibular na FGV (Fundação Getúlio Vargas) no centro de São Paulo. Os aprendizados foram compartilhados com os amigos da escola, o que o impulsionou a abrir um cursinho no território.
Com a chegada da pandemia de Covid-19, em 2020, os encontros presenciais foram restringidos, afetando os estudos em grupo. Neste cenário, ele e duas amigas de classe, Giulia Moreira e Cecília Oliveira, criaram um curso de redação online para auxiliar jovens nos estudos do ENEM e outros vestibulares.

Formatura do Allan em Administração Pública pela FGV, ele junto com a família @Arquivo pessoal/Divulgação
Graças às habilidades de escrita dos três, aliado ao senso de coletividade, surgiu o projeto“Escrevendo na Quarentena”, que posteriormente passou a se chamar “Escrevendo na Quebrada” (EQ), com o intuito de auxiliar jovens de baixa renda no ingresso ao ensino superior.
“A ideia era ajudar poucas pessoas: minha namorada Maria e mais quatro ou cinco [colegas] da escola. Criamos um grupo e em uma semana já tínhamos 150 pessoas no WhatsApp. Com todo mundo em casa, as pessoas chegaram em peso”, relembra ele.
Em cinco anos de trabalho, o projeto colaborou no ingresso de vários estudantes à universidade, nos mais diversos cursos. Mais de 2 mil jovens foram impactados com o projeto, onde alguns deles obtiveram notas acima de 845 pontos na redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), superando a média nacional.
Segundo o Allan, na zona sul, em bairros como Capão Redondo, Jardim Ibirapuera e região, o grupo já atende cerca de 300 alunos. Na zona leste em São Mateus, por volta de 100. Em outras cidades do Brasil de forma online, aproximadamente 400 por ano.

Equipe do Escrevendo na Quebrada no Prêmio LED 2025 no Rio de Janeiro @Arquivo pessoal/Divulgação
Os frutos desse trabalho renderam em 2025 o Prêmio LED (Luz Na Educação) da Rede Globo pelas ações prestadas em prol do ensino.
Para Allan, tudo isso reflete os esforços não somente do seu trabalho, mas da coletividade entre ele, os amigos, voluntários e alunos.
O esforço é reconhecido também nos comentários de parentes e vizinhos que acompanham o corre do EQ (Escrevendo na Quebrada). “Minha vizinha disse para o filho: ‘Olha lá, ele é daqui. Tá dando certo’. Pessoas aqui da periferia com 20, 25 anos, que estão construindo carreira, estabilidade, e que continuam morando e atuando dentro da quebrada. Isso é valioso”.
Ele tem noção do que já construiu por meio do projeto e como isso o transformou, mas afirma que, em diversos momentos, a ficha ainda não caiu.
‘Digo que é preciso de muita terapia para não achar que foi sorte e que não mereço. Percebo isso quando os trechos de rap que gosto começaram a fazer sentido nas nossas vidas, no ponto de ‘criar mais líderes do que seguidores, de ser exemplo na quebrada’
Allan, educador
Segundo Allan, o jovem negro e periférico precisa ocupar os espaços através dos estudos, sem medo, fazendo o que gosta. Sendo advogados, economistas, enfermeiros ou o que sonharem.
“O que me importa é quando o aluno chega um dia e fala que está atuando onde quer e é feliz com a escolha.”
Além dos projetos do Escrevendo na Quebrada, Allan também atua como Coordenador do Observatório Ibira 30, movimento oriundo do Bloco do Beco, que mapeia o bairro do Jardim Ibirapuera, na zona sul de São Paulo, conectando educação, dados e evidências a transformação social dos moradores.
Ele teve o primeiro contato com o bairro em 2020 ao participar de um evento e se encantou com a força coletiva do local.
“Só fui me amarrando cada vez mais, criando identidade com a região. O Jardim Ibirapuera tem algo singular. Foi aqui que aprendi, de verdade, o conceito de território, onde as ações se desenrolam e a política se constrói no cotidiano”.

Allan em um dos eventos do Escrevendo na Quebrada @Arquivo pessoal/Divulgação
Na atuação como articulador no projeto, ele participou de diversas pesquisas sobre a população da região e na formação cultural, social e educacional do bairro.
Estudos como a “Lei Rouanet e a Periferia”, que se debruçou sobre a baixa distribuição de recursos culturais a projetos fora do centro, é uma das pautas que ele colaborou na organização dos dados.
“Os dados são algo muito significativo para mim. Eu brinco que não sei tocar, cantar ou dançar, mas eu sei fazer tabela e gráfico. E aqui no território, especialmente no Bloco do Beco, isso é valorizado”.
Como legado do que já construiu aos 23 anos, Allan quer exaltar o que pôde fazer pelos seus.
“Quero poder olhar e dizer que consegui levar muitos meninos e meninas para a faculdade. Colocar gente no trabalho dos sonhos, movimentar novas ideias, fazer a cabeça de alguém mudar.”
Ter conseguido concluir a graduação, para ele, é retribuir o esforço de quem batalhou por uma vida melhor, incluindo mães, pais, avós, assim honrando os desafios que eles enfrentaram ao longo da vida.
Pelo estudo, ele, como tantos outros jovens, continuam a bordar o destino, passo a passo, no tecido de um crescimento coletivo.
“Essa escrita coletiva é construída a partir de quem já foi e de quem somos agora. É também uma reescrita: pegar a caneta e acreditar que damos conta. Vamos pra cima, vamos fazer acontecer”.
Jornalista, apaixonado por livros, samba e carnaval. Corintiano, vivo o futebol de domingo a domingo. Adoro contar histórias através do jornalismo.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
Se você quer saber como republicar nosso conteúdo, seja ele texto, foto, arte, vídeo, áudio, no seu meio, escreva pra gente.
Envie uma mensagem para [email protected]