Com retorno presencial das atividades, alunos de fora da cidade vivem dificuldades para seguir os estudos
Jacqueline Silva/Agência Mural
Por: Jacqueline Maria da Silva
Notícia
Publicado em 08.02.2022 | 16:34 | Alterado em 17.02.2022 | 15:00
Em 2021, Felipe Dias Pereira, 17, começou a estudar produção audiovisual na Etec (Escola Técnica) Jornalista Roberto Marinho, no Brooklin, na zona sul de São Paulo. Morador de Cotia, na região metropolitana, ele se matriculou para o curso que começou virtualmente. No entanto, não sabe se conseguirá concluir a formação.
Com o retorno às aulas presenciais em novembro de 2021, ele teve de mudar de residência para dar continuidade aos estudos. Passava os dias úteis na casa de uma tia que mora no caminho para a Etec – a única instituição, das 223 distribuídas no estado, que oferece o curso de audiovisual.
A rotina se tornou mais cansativa com poucas horas de sono e muitas horas no transporte. Com o cenário, decidiu trancar o curso para retornar apenas em 2023, depois de terminar o ensino médio.
“Por causa da volta às aulas, até [professores] tiveram que deixar a escola porque não conseguiriam ir”, conta Felipe.
A situação não é isolada. Com a pandemia de Covid-19, as aulas a distância foram o caminho para alguns novos estudantes da Etec. Mas com a queda nas restrições, o retorno presencial pegou de surpresa alunos que moram em outras cidades.
Morador da periferia de Guarulhos, Filipe Bernardino, 27, já teve que parar em casas de parentes que residem no meio do trajeto. Ele estuda multimídia, mas pensa em parar neste semestre, caso não consiga conciliar os estudos com o trabalho de vendedor pela internet.
“Vou fazer a rematrícula e vou pelo menos tentar um mês, se eu ver que esse mês está muito cansativo pra mim, aí eu tranco. Vou tentar até o meu limite”, afirma.
A produtora cultural Vânia Almeida, 34, nem pensou duas vezes e parou. Entre o curso de multimídia e o trabalho, optou pelo sustento, já que não conseguia chegar a tempo para a aula. As aulas virtuais permitiam que ela acompanhasse as disciplinas pela plataforma no caminho do trabalho para casa em Mairiporã, também na região metropolitana.
“Por conta dos deslocamentos não estou conseguindo chegar, não conseguiria chegar na escola a tempo para ter aula às 19h”, ressalta a aluna que trancou o curso.
“Muita gente saiu, desistiu, nós éramos em 40 e hoje se eu conheço 15 ou 20 alunos da turma é muito”, relata a professora de artes Thailini da Rocha Túlio, 29, moradora de Iperó (SP), a 129 km da Etec, no interior de São Paulo.
Após o retorno presencial, ela se hospeda durante a semana em um hostel no centro da capital. A professora quer continuar nas aulas para replicar o curso em sua cidade e evitar que outras pessoas tenham que se deslocar tanto para aprender.
Com a saúde mental afetada e rendimento escolar comprometido, conforme conta, ela enfrenta um impacto no bolso com um custo inesperado de R$ 300 por semana. Para conseguir arcar com as despesas, Thailini transferiu as aulas de teatro e dança para os fins de semana.
Além da distância, o horário da aula, que termina quase às 23h, também a impede de ir e voltar todos os dias – ela já chegou a dormir na rodoviária na primeira semana, por falta de ônibus.
Os alunos afirmam que esperavam que em algum momento haveria o retorno presencial, mas apontam falta de diálogo da coordenação e de flexibilidade em lidar com as demandas dos alunos.
Thailane chegou a sinalizar a instituição sobre a dificuldade em frequentar as aulas devido à ausência de linhas de transporte, sem resposta.
“Algumas das matérias são adaptáveis para o remoto. Se fosse bem organizado a gente conseguiria estar aqui na Etec só três ou quatro vezes na semana”, explica Thailini.
“Se não tem a possibilidade de levar esse curso para outros lugares, uma saída seria criar algum tipo de bolsa auxílio para aqueles que moram [em regiões] mais distantes ou são de outras cidades”
Thailini da Rocha Túlio
Questionado, o CPS (Centro Paula Souza), que administra as Etecs, afirma que no ato da inscrição o candidato é informado que os cursos da modalidade presencial são ministrados dentro da unidade de ensino.
Diz também que, excepcionalmente, por uma questão de saúde pública, as aulas ocorreram temporariamente em ambiente virtual.
“O retorno às aulas presenciais ocorreu de forma planejada e gradativa – baseada em protocolos que apontam prejuízos no aprendizado com ausência em ambiente escolar para que os estudantes pudessem se organizar em relação aos deslocamentos, incluindo a solicitação de passe-escolar para o transporte público”, acrescenta o CPS.
A instituição não informou se houve aumento na evasão de estudantes no período. O CPS diz que avalia a possibilidade futura de implementação de cursos com parte do conteúdo online.
Informa ainda que cumpriu as diretrizes do CEE (Conselho Estadual de Educação) relativas ao retorno integral dos cursos presenciais de nível médio e técnico. Contudo, a presença no ensino superior não é obrigatória.
Por fim, a assessoria do CPS informou que alunos com renda familiar de até meio salário mínimo têm à disposição o programaBolsa do Povo – Ação Estudante, que concede auxílio de R$ 100 mensais, durante 10 meses.
Jornalista formada pela Uninove. Capricorniana raiz. Poetisa. Ama natureza e as pessoas. Adora passear. Quer mudar o mundo e tornar o planeta um lugar melhor por meio da comunicação. Correspondente de Cidade Ademar desde 2021. Em agosto de 2023, passou a fazer parte da Report For The World, programa desenvolvido pela The GroundTruth Project.
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