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Lekinho, o corintiano que trocou tretas nas ruas por lições de pai para filha

Com fama de jogador e briguento, o "karatê kid" aprendeu novas batalhas com a paternidade

Aleksandro e filha Thauane na Arena Corinthians

Arquivo pessoal

Por: Thauane Blanche

Crônica

Publicado em 10.08.2025 | 10:15 | Alterado em 10.08.2025 | 10:15

Tempo de leitura: 5 min(s)

Existe um ditado popular que diz que o primeiro grande amor na vida de uma menina é o pai. Freud talvez tenha uma explicação para isso, mas, particularmente, eu acredito. Neste 10 de agosto, Dia dos Pais, quero tentar traduzir esse sentimento contando como nosso encontro, o nascimento de um pai e uma filha, marcou reviravoltas em uma trajetória. 

Jogador e briguento, essa era a fama do Lekinho – Aleksandro Campos Dionizio, nascido em 1977, criado no bairro Mascarenhas de Moraes, na zona leste de São Paulo. A necessidade de extravasar os sentimentos acumulados de uma infância conturbada e de perdas era tanta que, junto com os amigos, comprou dois pares de luvas de boxe para treinarem entre si e se preparar para os “adversários”. 

Aleksandro no ginásio do colégio em uma época de muitas aventuras @Arquivo pessoal

Com uma autoconfiança invejável, convenceu o parceiro ‘Pulga’ a invadir uma academia de karatê para desafiar os alunos, sentindo-se o próprio Daniel LaRusso, personagem do filme de Karatê Kid.

O episódio ilustra uma das tantas aventuras do destemido corintiano. Mas, por trás dessa coragem toda nas ruas, estava uma criança que não contava com o amor e o carinho do pai; pelo contrário, sofria violências físicas e psicológicas no próprio lar.

Por conta dessa instabilidade, ao ser encontrado dormindo na rua, foi adotado pelos avós paternos. Pouco tempo depois, perdeu a mãe em um incidente doméstico, e teve os irmãos divididos entre os lados materno e paterno da família.

Contudo, Alex, como também é conhecido, tinha em Kátia, a irmã mais velha, um porto seguro. Era com ela que dividia as angústias, os sonhos, as risadas. Mas, por conta de um aneurisma cerebral não tratado, Kátia faleceu ainda adolescente. 

Corintiano, Lekinho tinha fama de jogador no bairro @Arquivo pessoal

A dor de perder outro pedaço do coração o calou por um ano inteiro. Mesmo em uma casa lotada de gente, tias, irmãos, primos, agregados, ninguém percebeu o menino que chorava calado. Na escola nota 10; em casa, nota fome. Sem escolhas, por ser o mais velho dos irmãos, sempre foi cobrado para trabalhar e ser exemplo.

A maior diversão era jogar bola. Os campeonatos de várzea movimentavam a molecada da rua. Por ser o grande camisa 10 do time, os meninos apostavam todas as fichas em Lekinho, que inclusive chamou a atenção de olheiros na época. Porém, não teve apoio e nem permissão da família para seguir em frente com o futebol.

Vó Sebastiana de vermelho e tia Doiô de branco em noivado de Aleksandro @Arquivo pessoal

Frente à educação de Alex estavam sete mulheres, entre elas a vó Sebastiana, que sempre foi a grande protetora. Com essas referências aprendeu o autocuidado na limpeza, alimentação e postura. No receio de perder mais uma delas, passou a defendê-las como linha de frente e cumpre esse papel até os dias de hoje.

Nos embalos de um sábado à noite, conheceu Brendeli Blanche. Foi ódio à primeira vista, mas, conforme as conversas rolavam, perceberam que tinham uma história de vida bem parecida. Assim, o amor foi nascendo. Tudo era uma aventura, o entrosamento das famílias, os passeios com os amigos, até que noivaram e, logo em seguida, receberam a notícia de que teriam uma filha.

‘Meu mundo parou por um momento. Ser pai de menina era o que eu mais queria, parecia uma chance de começar de novo’

Aleksandro

Ele sempre conta que a notícia de que teria uma filha o fez querer mudar de vida, já não dava pra andar com a galera da “malandragem”. A onda agora era apenas jogar bola e curtir com a família. Até a fama mudou. Agora é o engraçadinho, adora lançar os passinhos de flashback, brincar com a galera e tinha como missão passar esses valores pra filha.

Atualmente, Alex é metalúrgico, eletricista, montador de estandes em grandes feiras, mas algo me diz que se ele pudesse escolher, seria confeiteiro ou talvez, cartunista. Ainda guardo seu antigo caderno de desenhos. Já falei que ele é corinthiano? Poderia dizer jogador, porém, os joelhos já não são mais os mesmos. Sua maior virtude é ter fé na vida tratando a espiritualidade como estilo de vida, apesar de não frequentar templos religiosos, vive pregando a palavra do amor e da caridade.

Meu aniversário de 1 ano
Início do namoro de Aleksandro e Brendeli
Noivado Aleksandro e Brendeli
Formatura 1° grau (fundamental)
Aleksandro modelando no quintal de casa
Aniversário de 4 anos do Gu, filho caçula de Lekinho
Aleksandro e filha Thauane na cozinha da cunhada Sandra Consuelo

Meu aniversário de 1 ano @Arquivo pessoal

Início do namoro de Aleksandro e Brendeli @Arquivo pessoal

Noivado Aleksandro e Brendeli @Arquivo pessoal

Formatura 1° grau (fundamental) @Arquivo pessoal

Aleksandro modelando no quintal de casa @Arquivo pessoal

Aniversário de 4 anos do Gu, filho caçula de Lekinho @Arquivo pessoal

Aleksandro e filha Thauane na cozinha da cunhada Sandra Consuelo @Arquivo pessoal

Se tornou o cara que é procurado para resolver uma emergência, dar colo, conselho. Bem quisto por toda a comunidade, “o cara era louco, mas é gente boa demais”, dizem. Alex têm o riso fácil, conversa com todo mundo e passou a ser espiritualizado, seguindo os princípios de Allan Kardec, ele sempre diz: “sem fé, a gente não é ninguém, confie em Deus e sempre acredite em você”!

“Esse é meu pai!”: o homem que sempre penteava meu cabelo e fazia os melhores penteados, que me ajudava na lição de casa, me colocava pra ouvir Mv Bill e me ensinava a cantar o hino do Corinthians. O cara que me ensinou a impor respeito, a analisar o ambiente criticamente e me mostrou que rir das dificuldades pode não resolver nada mas melhora. Este senhor, que assistia programas de receitas e depois ia comigo pra cozinha para reproduzir receitas do Edu Guedes e Ana Maria Braga. Alex enxergava em mim, a Kátia, sua melhor amiga.

Foi pensando nesses ensinamentos que busquei ser mais que uma irmã mais velha, afinal, depois de 11 anos, recebemos um grande presente, Gustavo Leonam, o pequeno princípe da casa. Moramos em quebradas diferentes: ele, em São Mateus, e eu, no Itaim Paulista, ambos na zona leste, mas a conexão não muda.

Hoje, 90% da minha personalidade se resume a amar cozinhar, curtir uma boa música e sofrer pelo Coringão. Fisicamente pareço a minha mãe, mas sou a cópia do meu pai. Talvez por isso, tivemos tantos embates. Em um momento, nossa visão de mundo entrou em conflito e houve um longo afastamento “Vich, é muita treta”, o rapper Pregador Luo já tinha dado a letra de como seria a caminhada da vida.

“Pai, você foi meu herói, meu bandido. Hoje é mais, muito mais que um amigo”, são nas palavras de Fábio Jr. que encontro o equilíbrio do dilema dessa complexa relação entre pai e filha.

A  trajetória de Lekinho em relação às mulheres que marcaram sua vida permitiu com que ele soubesse como guiar a Thauane, ainda que levasse mais tempo do que a própria poderia prever. Apesar de ser contadora de histórias, foi difícil colocar a nossa trajetória em palavras. Que juntos possamos ouvir Racionais Mc, Beth Carvalho, 2Pac Shakur ou Djavan, não importa o ritmo desde que a gente esteja juntos.

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Thauane Blanche

Jornalista em formação, fascinada por arte de rua que me inspira diariamente no quesito adaptação e coletividade. Correspondente do Itaim Paulista desde 2023.

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