Livia Alves/Agência Mural
Por: Livia Alves
Notícia
Publicado em 07.04.2022 | 17:47 | Alterado em 26.04.2022 | 11:06
Moradora da região do Campo Limpo, na zona sul de São Paulo, a diarista Minervina Alves de Oliveira, 56, foi diagnosticada com alta miopia (acima dos seis graus) aos 7 anos de idade e tenta se aposentar desde 2010, quando realizou a segunda cirurgia de descolamento de retina.
Apesar dos médicos afirmarem que o trabalho manual e o esforço físico colocam a pouca visão restante em risco, a fiscalização do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) sempre interfere no pedido da aposentadoria.
“Não posso carregar peso e quase não tenho visão no olho direito. Esbarro nas coisas sem querer, às vezes quebro. Nos últimos empregos onde trabalhei, fui muito maltratada pelas patroas por causa disso”, conta Minervina.
Desde março de 2021, a visão monocular, caracterizada por cegueira ou dificuldade severa de enxergar com um dos olhos, passou a ser classificada como uma deficiência que dá direito à aposentadoria (lei nº 14.126). Até então, somente pessoas com perda de visão total ou extrema em ambos os olhos tinham direito ao auxílio.
Porém, o processo para solicitar a aposentadoria ou o BPC (Benefício de Prestação Continuada) com a nova lei ainda exige a apresentação de exames médicos periciais e laudos realizados pelos serviços de perícia médica do INSS.
Outra exigência é a comprovação de tempo de contribuição (sendo de 33 anos para homens e 28 anos para mulheres em casos leves; e 25 anos para homens e 20 anos para mulheres em casos graves) ou idade avançada (a partir de 65 anos para homens e 61 anos e 6 meses para mulheres).
Essas condições dificultam o processo para pessoas com deficiência que não trabalharam com carteira assinada ao decorrer da vida, como é o caso das diaristas, catadores de materiais recicláveis, feirantes e outros trabalhadores informais.
No Brasil, estima-se que menos de 1% dos vínculos de empregos formais são ocupados por pessoas com deficiência, segundo dados de novembro de 2020 da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais). Trabalhadores com deficiência visual representam 16,68% desse percentual.
Trabalhando como diarista desde os 15 anos, Minervina sempre se deparou com dificuldades na busca por um trabalho formal devido à baixa visão.
“Passei em vários concursos, me chamavam, mas por causa da visão não me aprovavam”
Minervina Alves de Oliveira, diarista
“Uma vez cheguei a passar em uma entrevista [para auxiliar de embalagem] porque coloquei lentes de contato. Mas tive que ir de óculos na primeira semana de trabalho e fui mandada embora porque descobriram meu problema de vista”, recorda sobre a situação que ocorreu em 1987 em uma fábrica.
Em relação às diversas tentativas para solicitar a aposentadoria, Minervina relata que passou a ter problemas de ansiedade que atrapalham as tentativas de dialogar com a perícia médica.
“Não consigo falar. O último perito me intimidou, colocou uma lente nos meus olhos e disse que eu poderia até dirigir”, relata.
A professora Léia Neves de Oliveira, 59, também moradora da região do Campo Limpo, se aposentou pela Prefeitura de São Paulo em julho de 2015 e afirma não ter encontrado muitos obstáculos para isso. Já no Estado, onde trabalhou durante 32 anos, o processo está sendo mais burocrático.
“O processo sempre volta, falando que falta algum documento. Aí envio de novo e retornam dizendo que falta mais alguma coisa”, expõe.
Ela também diz que, devido à alta miopia, diversas portas de emprego se fecharam ao longo da vida. “Na Prefeitura, trabalhei muito mais tempo sem ser professora efetiva porque eu passava no concurso e em todos os exames médicos, mas quando chegava na visão, era barrada”, relata.
“Os entrevistadores diziam: ‘você não tem condições de assumir uma sala por causa da sua visão. Sua miopia é muito alta’”
Léia Neves de Oliveira, professora
Foi com a indicação de uma diretora que Léia descobriu que poderia se inscrever em uma vaga como deficiente visual. Até então, ela nunca soube dessa possibilidade. “Passei em todos os exames e nem foi necessário passar com um oftalmologista porque eles já sabiam [do meu quadro]”, explica.
A advogada Roseti Moretti, especialista em direito e processo civil, afirma que a Justiça tem cada vez mais trabalhado em prol da população com deficiência “desde que preenchidos os requisitos exigidos pela legislação competente”, como o tempo mínimo de contribuição com o INSS e a idade mínima para se aposentar.
De acordo com ela, em casos de deficiência adquirida, existem dois tipos de benefícios: o previdenciário, que é concedido de forma temporária; e a aposentadoria por invalidez, quando existe a constatação da impossibilidade de voltar a trabalhar.
“Em ambos os casos, a pessoa passará por uma perícia médica para avaliação do estado clínico, sempre objetivando a conclusão e o deferimento ou não dos benefícios previdenciários”, explica a advogada.
Segundo dados do censo de 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), existem aproximadamente 45 milhões de pessoas com deficiência no Brasil. Desse número, 6,5 milhões apresentam deficiência visual leve, moderada ou severa.
Jornalista apaixonada pela cultura brasileira. Pansexual, youtuber e streamer pelo canal LadoPan nas horas vagas. Correspondente do Campo Limpo desde 2021.
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