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Agência de Jornalismo das periferias

Felipe Barbosa/Agência Mural

Por: Felipe Barbosa

Notícia

Publicado em 09.09.2025 | 16:59 | Alterado em 10.09.2025 | 17:47

Tempo de leitura: 6 min(s)

A ceramista e escultora de terracota Antônia Aparecida Gonzaga, mais conhecida como Tônia do Embu, 75, faleceu na última quarta-feira (3), em decorrência de um câncer no Pronto Socorro Central de Embu das Artes, na Grande São Paulo.

Filha do oleiro José Rosa Gonzaga e da dona de casa Alexandrina Rosa Gonzaga, Tônia iniciou a carreira na Terra das Artes com apenas 9 anos de idade, construindo um legado que ultrapassa o tempo e gerações.

“Ela é uma das figuras centrais da construção de Embu das Artes, junto com Solano Trindade, Mestre Sakai, Mestre Assis do Embu e Wanderley Ciuffi”, afirma o artista plástico e poeta Renato Gonda, 66. É difícil para Gonda falar da amizade com Tônia no verbo do passado, a quem conheceu há mais de 30 anos.

Tônia aos 12 anos ao lado da terracotista dona Sizuca, esposa de Mestre Sakai, em 1962 @Arquivo pessoal/Divulgação

Antônia nasceu em São Paulo no dia 30 de junho de 1950, mas foi em Embu das Artes que se descobriu como artista. O primeiro contato com o barro foi ainda criança, no ateliê de Mestre Sakai (1914 – 1981), um dos mais importantes terracotistas do Brasil.

“A primeira vez que eu entrei no ateliê, eu nunca mais saí. Mexi no barro assim que cheguei, fiz os desenhos pequeninos”, disse ela em entrevista à Agência Mural na reportagem “Como Embu se tornou terra das artes”, em 2024.

“O Embu é a minha vida, não tenho como fugir disso”, ressaltou a artista plástica, que viveu a maior parte da vida no bairro Vila Cercado Grande, próxima do conjunto arquitetônico do Memorial Sakai.

Sakai se instalou no município a partir da década de 1950 e, desde então, foi crucial para o resgate e o fomento da arte e culturas locais.

Ao entrar pela primeira vez no ateliê do Mestre Sakai, Tônia de Embu ficou encantada com as pinturas e esculturas em argila. Não demorou muito para que Sakai lhe ensinasse a técnica e a conexão com a natureza, características que ela fez questão de transmitir às gerações futuras no Memorial Sakai.

A artista com os festeiros na Festa de Santa Cruz, em 1980 @Arquivo pessoal/Divulgação

O professor de artes pela rede pública Alex Bilo, 34, lembra das vezes que saía da escola às 18h para ver o que acontecia no Memorial. Alex tinha 13 anos quando Tônia o chamou para dentro e lhe deu um pedaço de barro.

O adolescente que começou como aluno se tornou amigo de Tônia. Participou da primeira turma das oficinas de modelagem em argila do Memorial e trabalhou com ela em exposições e feiras em Embu e região.

‘A partir dessas vivências que tive com a Tônia eu fui despertando um olhar diferente para o mundo, para a arte. Tudo o que sou devo a ela. Não teria uma referência se não fosse a que ela bebeu. Quando eu penso em arte, ela não existe sem a existência dela’

Alex, professor de artes

Discípula de Sakai, Tônia do Embu conquistou aos 14 anos o segundo lugar no 1º Salão de Artes Plásticas de Embu e dali em diante colecionou uma história de conquistas em salões e exposições em várias cidades pelo Brasil e Europa.

A obra em terracota de Tônia retrata a artista quando era criança conversando com o Saci, antes de ir para a escola @Arquivo pessoal/Divulgação

“Ela construiu um caminho próprio, deixando em cada obra a marca de sua coragem, criatividade e paixão pela cultura”, ressalta a Prefeitura de Embu das Artes em nota de pesar.

Após o falecimento de Mestre Sakai, Tônia se juntou a Sizuca, esposa de Sakai, e ao Grupo Sakai para seguir com os festejos religiosos e o legado na arte da terracota. De acordo com o historiador Márcio Amêndola, 65 anos, os trabalhos de produção de barro seguiram com o Grupo Sakai, fundado pelo próprio em 1959.  Um dos principais trabalhos dos seguidores de Sakai foi a produção de 48 peças em terracota em 1970, entre elas a Via Crucis e os painéis de lendas nacionais e municipais.

As placas foram destruídas na gestão do ex-prefeito Oscar Yazbek, (1997 – 2000). O artista plástico, poeta e professor aposentado da rede pública, Jair Alves Gaiga, conta que Tônia se revoltou com a injustiça e se uniu ao artista plástico Lello e às mulheres remanescentes do Grupo Sakai em busca de apoio financeiro para a restauração das obras.

Tônia do Embu e Gaiga durante a recuperação das peças do Cruzeiro da Paz, que foram as primeiras obras do Memorial Sakai @Arquivo pessoal/Divulgação

“Durante a gestão do Geraldo Cruz, finalmente conseguiram apoio financeiro e realizaram um belíssimo trabalho de restauração [das obras], que foi divulgado pela grande imprensa”, conta Gaiga, que atuava no setor de artes plásticas da Secretaria de Turismo durante esse caso.

Essas peças foram as primeiras obras recuperadas do Memorial Sakai, inaugurado em 2001. Além de assumir a frente da restauração do acervo das obras de Mestre Sakai, Tônia do Embu coordenou o Memorial nos períodos de 2003 a 2019. O espaço foi reinaugurado em março deste ano com a presença dela.

Elemento sagrado da natureza

A ceramista Helaine Malca, 47, conheceu Tônia por acaso na Praça da Lagoa em 2003. Três meses depois, foi procurar ela no Memorial e começou a participar das oficinas. Para a ceramista, Tônia sabia quando depositar total confiança e “puxar a orelha”, era uma relação quase familiar.

“Lembro bem da vez em que precisávamos terminar a pintura da decoração interna da Capela de Santa Cruz, e o pintor contratado não conseguiu chegar a tempo para fazer o efeito degradê. Eu pedi uma chance, mesmo sem nunca ter feito. Ela olhou para mim e disse ‘Então vai, a carta é sua’, essa frase nunca saiu da minha cabeça.“, revela Helaine.

Atelier de L' Herbe  Rouge que a artista finaliza a obra, em Paris 1976
Família Gonzaga durante o 4º Salão de Artes de Embu, em 1967. Da esquerda para a direita: Luiz Carlos Gonzaga, Tônia do Embu, José Rosa Gonzaga, Elias Rosa Gonzaga, Alexandrina Rosa Gonzaga e Antônio Rosa Gonzaga
Tônia e Mestre Sakai em frente ao seu ateliê nos anos 70
A artista com Rosane Medeiros e Irael Luziano em processo de restauração das obras de Sakai, no início deste ano

Atelier de L' Herbe Rouge que a artista finaliza a obra, em Paris 1976 @Arquivo pessoal/Divulgação

Família Gonzaga durante o 4º Salão de Artes de Embu, em 1967. Da esquerda para a direita: Luiz Carlos Gonzaga, Tônia do Embu, José Rosa Gonzaga, Elias Rosa Gonzaga, Alexandrina Rosa Gonzaga e Antônio Rosa Gonzaga @Arquivo pessoal/Divulgação

Tônia e Mestre Sakai em frente ao seu ateliê nos anos 70 @Arquivo pessoal/Divulgação

A artista com Rosane Medeiros e Irael Luziano em processo de restauração das obras de Sakai, no início deste ano @Arquivo pessoal/Divulgação

A educadora social Rosane Soares, 55, saiu do bairro Jardim Colombo, na região de Paraisópolis, zona sul de São Paulo, e foi morar na cidade de Embu das Artes em 2005.

“Minha relação com a Tônia não tem uma definição. Gratidão é a palavra chave pra tudo que ela fez pra mim”, diz a educadora social, que foi incentivada a cursar artes visuais e a participar de projetos socioculturais na Grande São Paulo. Com o tempo, Rosane foi de aprendiz a amiga confidente de Tônia.

Amada e rodeada de carinho

Após a reabertura do Memorial, em março deste ano, a mobilidade de Tônia começou a piorar devido a um câncer. A rede de apoio de amigos e familiares criou um grupo para definir os dias que cada um podia cuidar dela.

Rosane Soares, Alex Bilo, Renato Gonda, Ana Paula, sobrinha, e Luiz Carlos Gonzaga, irmão de Tônia, foram algumas das pessoas que cuidaram da artista plástica nos últimos seis meses.

“Agradeço a Deus por ter ficado com ela de abril a julho. Fiz o que pude para ajudar e retribuir um pouco do que ela fez por mim”, diz Rosane.

Amiga de Tônia há 45 anos, a médica Raquel Zaicaner foi quem iniciou a agenda de exames e consultas da artista plástica, que fez planos de viajar para Paris e retornar às suas atividades no Memorial Sakai. “Há uns dias ela teve que ir para o pronto socorro. Fui lá ver ela. Conversamos. Rimos. Combinamos coisas que faríamos quando ela melhorasse”, conta.

Aniversário da Tônia ocorreu em junho deste ano. Da esq. para dir.: Ramon Medeiros, Alex Bilo, Rosane Medeiros, Márcia Francisco, Renato Gonda, Tônia do Embu, Célia Santiago, Miren Edurne e Levi Santos @Arquivo pessoal/Divulgação

Com a ida frequente ao médico, Tônia mudou-se em julho para a casa da sobrinha, Ana Paula Gonzaga de Souza, 53. Nos últimos dois meses, a estudante de processos de gestão cuidou da tia e esteve ao lado dela nesse momento final da vida. O carcinoma foi descoberto no dia 1º de setembro e a morte foi no dia 3.

Tônia do Embu foi velada na Capela de Santa Cruz, parte do complexo do Memorial Sakai reinaugurada em 2008. “Era a casa da Tônia, mais a casa dela do que qualquer coisa. Era o espaço dela com toda a cerâmica, com todo o barro”, afirma Gonda.

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Felipe Barbosa

Jornalista e profissional de marketing guiado por boas histórias e ideias. A comunicação é sua missão e lugar de fala. Correspondente de Embu das Artes desde 2023.

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