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Agência de Jornalismo das periferias

Léu Britto/ Agência Mural

Por: Jacqueline Maria da Silva

Notícia

Publicado em 20.07.2023 | 14:00 | Alterado em 24.07.2023 | 16:46

Tempo de leitura: 5 min(s)

“Fiquei me sentindo muito incapaz até entender que na verdade a diferença de gênero era a única entre a gente. Foi desanimador”, desabafa Ana Maria, nome fictício de uma moradora da Vila Maria, zona norte de São Paulo, que preferiu não quis se identificar, sobre a situação de desigualdade vivida por ela em duas empresas diferentes.

O primeiro evento ocorreu aos 19 anos, quando ela passou de estagiária para funcionária efetiva em uma empresa de varejo e-comerce. Na época, soube por acaso, pelos colegas registrados no mesmo período, que recebia bem menos para exercer as mesmas funções.

“Eu era a única menina que estava sendo efetivada e todos eles foram efetivados com o salário maior do que o meu”, declara.

Mais tarde, formada em publicidade, a jovem foi contratada por outra empresa como analista de marketing. A instituição criou outro setor de estratégia e contratou engenheiros homens, ainda cursando graduação, também como analistas de marketing, mas que recebiam quase o dobro do que ela e as colegas mulheres.

“O argumento era sempre o mesmo, que são áreas diferentes e pelo escopo de trabalho. Eu cheguei a comentar de fazer uma mudança de área, mas ouvi que não tinha mais vaga, então o discurso era a desculpa deles”, comenta.

A Agência Mural encontrou outras mulheres que viveram situação semelhante e que não quiseram falar por receio do que poderia ocorrer.

“As pessoas ficam com medo de colocar em risco o emprego, não se sentem seguras para falar ou denunciar”, argumenta a engenheira civil Mariana Gonçalves dos Santos, 30.

Moradora do Parque Santo Antônio, zona sul da capital, ela nunca passou por isso, mas já ouviu relatos de outras mulheres que atuam na mesma área.

A queixa também é recorrente no grupo de amigas do Whatsapp de Milena Louise de Freitas, 23, que vive no Jardim Guaracá, zona leste de SP.

Foi justamente por meio de postagens das amigas nas redes sociais que a assistente de atendimento hospitalar ficou sabendo da sanção da lei 14.611/ 23, publicada no início de julho, e que prevê a igualdade salarial entre homens e mulheres.

“A lei acabou tomando uma proporção interessante”, revela a advogada trabalhista Ligia Bueno Podorio, que teve um aumento na procura de mulheres por orientação em situações de discriminação na mesma semana.

Para a especialista, a legislação pode encorajar mais mulheres a denunciarem essa discriminação que acabou sendo banalizada.

Mulheres dedicam quase o dobro do tempo do que homens em afazeres domésticos @Léu Britto/ Agência Mural

Entenda a lei de igualdade salarial

Segundo a advogada Ligia, outros documentos já traziam garantias de igualdade de inclusão, como a Constituição Federal, de 1988, a CLT (Consolidação da Leis do Trabalho), por meio do Art 461, e o Decreto Lei 4.377/ 22. Este último criado especificamente para a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher.

Contudo, nenhuma delas trouxe mudanças práticas. Desse modo, a nova lei traz mecanismos de cumprimento efetivo desses direitos.

Ela explica que um dos pontos é que as empresas deverão promover programas de diversidade e inclusão de ambiente de trabalho, o que inclui capacitar as mulheres para que consigam ingressar no mercado, permanecer e ascender na carreira.

Quando não for cumprida, o empregado poderá pedir a correção da diferença salarial pelo tempo que trabalhou ao lado de alguém com essa diferenciação. Além disso, poderá pedir indenização por dano moral.

Se não fizer isso, a empresa será punida com uma multa de dez vezes o valor do salário do empregado discriminado. Antes, essa multa era de apenas um salário.

Já as empresas com mais de cem funcionários deverão implementar mecanismos para efetivação da lei, como transparência sobre o salário e remuneração de seus funcionários, reportando ao governo essas informações de tempos em tempos.

Para a advogada, isso trará maior atuação de sindicatos e facilitará a negociação com os empregadores para estimular a capacitação das mulheres, ampliar as oportunidades dentro das empresas e criar canais de denúncia próprios.

Atualmente o governo dispões de três canais de denúncia e orientações para esse tipo de caso que devem ser aprimorados futuramente para absorver essa demanda.

  • Disque 100 (ou Disque Direitos Humanos)
  • Disque 158 do  Ministério do Trabalho
  • Disque 180 do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania

Lei gera boas expectativas, mas exclui grupos hipervulneráveis

Para as entrevistadas, as mulheres precisam provar sua capacidade e às vezes isso inclui trabalhar o dobro, mas sentir-se desmotivada pela falta de valorização.

“Você está numa reunião com cinco homens e a mulher tem que falar 30 vezes a mesma coisa para ser ouvida”

Ana Maria, moradora da Vila Maria, na zona norte de SP

“Uma coisa muito de machismo, de olhar para as mulheres que a pessoa merece ganhar isso, de achar que a mão de obra dela é inferior a de um homem”

Milena Louise de Freitas, moradora do Jardim Guaracá, zona leste de SP

“Desde que o mundo é mundo existe essa diferença, de homens com mais benefícios e vistos com mais confiança, mais poder, enquanto a mulher não podia falar, não podia se expressar”

Mariana Gonçalves dos Santos, moradora do Parque Santo Antônio, zona sul de SP

“Algo ligado ao patriarcado, da noção de que à mulher cabe o serviço doméstico e cuidado com os filhos e que ao homem cabe o trabalho e a política. Muitas vezes, para as mulheres, são destinadas profissões de cuidado; e aos homens, cargos altos de gestão de competências superiores”

Ligia Bueno Podorio, advogada trabalhista

De acordo com a Câmara dos Deputados, com base em dados do IBGE do (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2019, e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), de 2022, essa desigualdade pode ser constatada em números.

Mulheres recebem, em média, 77,7% do que recebem os homens para exercer a mesma função. Do total de pessoas que ocupam cargos de chefia, apenas 37,4% são mulheres.

Sobre os afazeres domésticos, mulheres dedicam quase o dobro do tempo (21,4 horas semanais) do que homens (11 horas semanais). Apesar de representar mais da metade da população (51,1%), nas eleições de 2022 apenas duas mulheres foram eleitas como governadora de estado (7,5%), quatro como senadoras (14,8%) e 91 como Deputadas Federais (17,7%).

Todas as entrevistadas concordam que a presença de mulheres em cargos de chefia poderia ajudar a combater a desigualdade nos salários e até situações de assédio moral e sexual. A lei também seria benéfica para contribuir para maior respeito e valorização profissional.

Ligia acredita que a lei veio como um divisor de águas, como foi a discussão sobre cotas. “A gente precisa estreitar o caminho dela para que ela consiga chegar igual, porque a gente não tá em pé de igualdade ainda”.

A especialista reforça que um dos pontos importantes da lei é que também inclui o direito para pessoas com origem, raça e idades diferentes. No entanto, a especialista chama a atenção para os outros grupos não contemplados, os hipervulneráveis, em que a questão da vulnerabilidade ultrapassa ou acrescenta à questão do gênero, como PCD (Pessoas com deficiência), imigrantes, indígenas e comunidade LGBTQIA.

Para as entrevistadas a lei é um passo importante para a conquista de espaço e direitos para as mulheres, mas que é necessário fiscalização em seu cumprimento, transparência das empresas, assim como oportunidades mais justas. “Depende muito de como isso vai ser controlado também, porque a sensação que eu tenho é que só existir [a lei], não vai garantir que isso [igualdade salarial] seja cumprida”, conclui a entrevistada anônima.

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Jacqueline Maria da Silva

Repórter da Agência Mural desde 2023 e da rede Report For The World, programa desenvolvido pela The GroundTruth Project. Vencedora de prêmios de jornalismo como MOL, SEBRAE, SIP. Gosta de falar sobre temas diversos e acredita do jornalismo como ferramenta para tornar o planeta melhor.

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