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Agência de Jornalismo das periferias

Leú Britto/Agência Mural

Por: Livia Alves

Notícia

Publicado em 11.06.2025 | 16:55 | Alterado em 11.06.2025 | 21:26

Tempo de leitura: 4 min(s)

Dias antes de falecer, Neide Abati, 86, ajudou a planejar mais uma “Noite do Caldo” na UPM (União Popular de Mulheres) no Campo Limpo, na zona sul de São Paulo. Pediu que chamassem cantores amigos para um dia de festa e muita alegria, e não apenas para a arrecadação em apoio ao grupo.

No último sábado (7), cerca de 200 pessoas participaram do evento que se tornou uma homenagem a Neide, ativista que lutou contra a ditadura militar e fundadora da organização sem fins lucrativos. Ela faleceu no dia 2 deste mês.

Neide de Fátima Martins Abati nasceu no dia 30 de julho de 1938. Segundo relatos, era uma jovem animada que adorava ajudar os outros.

Neide Abati era a fundadora da União Popular de Mulheres @Leú Britto/Agência Mural

Na adolescência, com 17 anos, já mostrava um lado “rebelde” para aquela sociedade brasileira que ainda desconhecia ou ignorava o poder e a força da união das mulheres.

“A gente era ligada à igreja católica, tinha um cuidado na formação religiosa das pessoas, mas depois isso virou mais para o lado de direito das mulheres, política, principalmente porque a gente vivenciou muito essa questão da luta contra a ditadura”, lembra Norina Rienzi Nunes, 81, assistente social aposentada, que conheceu Neide na adolescência.

Era filha de Victoria Nunes Martins e João Martins, a segunda mais velha de 10 irmãos. Foi casada por 54 anos com Abel Abati, que atuou na década de 1980 como administrador regional do Campo Limpo (subprefeito) e também virou ativista. Deixou três filhos e uma filha.

Enfrentou a ditadura militar brasileira após a prisão do irmão, Elidio Martins. O irmão dela era estudante e trabalhava como metalúrgico. Ficou mais de uma semana na cadeia, por ter ajudado um colega a levar um mimeógrafo, que preparava panfletos contra a exploração de riquezas naturais do Brasil.

Nena Machado e Norina Nunes relembram histórias do passado @Livia Alves/Agência Mural

“Ele foi barbaramente torturado, levaram para a rua Teodoro Sampaio e ninguém socorreu depois dele apanhar”, contou Neide, em entrevista à Agência Mural em 2018. Após a prisão, a família precisou escondê-lo na casa de parentes.

Na época, afirmou que ainda tinha sequelas do período. Neide fazia parte de um grupo de jovens ativistas da comunidade. Discutiam política, sexualidade e democracia, mas eram vigiados pela polícia.

Ainda no período, começou a atuar na luta pelo direito das mulheres. A assistente social Josefa dos Reis Santos Silva, 66, conheceu Neide na década de 1980 no SOF (Serviço de Orientação da Família) que focava em conseguir Diu, que é um método contraceptivo, em uma época em que não havia políticas públicas sobre isso.

“Para fazer o planejamento familiar a mulher precisava da permissão do homem, e a gente orientava as mulheres que não tinham companheiros ou maridos a arrumar alguém para assinar o documento para elas”, revela.

‘Ela deixou a lição de que as pessoas são capazes, e que a gente precisa se unir. Se a gente fizer uma luta em conjunto consegue mudar o mundo

Josefa, assistente social

UPM

Em 1987, fundou a UPM que hoje conta com três núcleos de cuidado a idosos, um centro de defesa da mulher no Campo Limpo e um centro de referência da mulher no Capão Redondo.

A sede principal, que serve de escola para o projeto Mova, é ponto de encontro e acolhimento para idosos, mulheres e LGBTQIAP+. A UPM foi responsável pela criação do primeiro centro de acolhimento provisório para mulheres em situação de violência.

Durante a vida, lutou contra a desigualdade, a fome e a violência nas regiões do Campo Limpo e Capão Redondo, se estendendo em menor escala para outros bairros periféricos.

Durante o evento na UPM, amigos próximos prestaram homenagem para Neide Abati @Livia Alves/Agência Mural

Segundo Norina, ela morou próximo de Embu das Artes, em uma roça com o pai e, após se casar, mudou-se para o Capão Redondo, onde em pouco tempo passou a buscar melhorias para a região.

“Campo Limpo e Capão Redondo tem muito a ver com todo o trabalho dela para conseguir água encanada, luz, saúde e escola”, conta.

Além da vida de ativista pelo direito das mulheres, Norina conta que Abati teve marcos importantes em sua vida profissional na área da saúde.

“Ela era técnica de enfermagem, atuou no hospital das clínicas. Participou do primeiro transplante de coração e ajudou com suporte emocional o período de gestação da mãe do Alexandre Padilha (Ministro da Saúde)”, recorda.

‘Por isso o legado dela é tão importante pelo resultado de toda a luta que ela teve’

Norina, amiga de Neide Abati

Já a administradora Patrícia da Silva, 48, conheceu Neide por meio de um amigo em comum, e passou a dar aulas de informática para idosos no Núcleo de apoio aos idosos nas regiões do Campo Limpo e Rebouças.

“Devo muito a ela, pois quando estava desempregada me acolheu. ensinou que deveria estudar para ter uma profissão”, explica.

Silva lembra que Neide a ajudava em trabalhos da faculdade quando estava trabalhando na ONG. “Ela me deu muita bronca, mas no final valeu a pena, porque hoje sou formada em administração de empresas. Quando recebi o diploma tirei uma cópia e levei para ela. Na verdade, só tenho a agradecer o aprendizado e a confiança dela.”

“Ela fez tanto, em segmentos diferentes pela região que morou, por unidade dos movimentos sociais e emancipação das pessoas. Além disso, fez história com coragem, generosidade e firmeza”, afirma a presidente do UPM, Edilene Souza Machado, 52, conhecida como Nena.

Neide reforçava a importância das mulheres nas periferias da zona sul @Leú Britto/Agência Mural

Dirigente sindical bancária e vinda de movimentos como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), Nena conheceu a Neide em um projeto de alfabetização.

Ela diz que a luta da ativista era sobre um empoderamento não só das mulheres e idosos, mas dos direitos da população periférica. “Abati dizia que a periferia é lugar de força, de criação e de futuro”, afirma.

“Seu legado floresce em cada mulher que se ergue, em cada criança protegida, em cada política pública conquistada a duras penas pela mobilização popular”, diz a ativista, que cita que o trabalho dela serve de inspiração para quem segue na luta.

“Crescemos na sombra do seu exemplo, firmes como a sua voz, doces como seu olhar.”

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Livia Alves

Jornalista apaixonada pela cultura brasileira. Pansexual, youtuber e streamer pelo canal LadoPan nas horas vagas. Correspondente do Campo Limpo desde 2021.

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