Por: Lara Deus
Notícia
Publicado em 23.06.2021 | 17:46 | Alterado em 22.11.2021 | 15:42
Desde que chegou ao Brasil, nos anos 1960, o skate mudou de significado algumas vezes. Essa tábua com quatro rodinhas já foi vista como uma atividade marginalizada, um mero meio de locomoção, um estilo de vida e hoje é reconhecida como um esporte olímpico.
A modalidade trouxe a primeira medalha para o Brasil nos Jogos Olímpicos de Toquio, com a prata de Kelvin Hoefler. No domingo (25, foi a vez de Rayssa, 13, levar a mesma medalha. O destaque marca uma competição que já foi febre em bairros da periferia de São Paulo e inspira uma nova geração. .
Na praça Vista Verde, em Pirituba, na zona norte, Henrique Bertani, 10, começou a praticar as manobras quando tinha apenas 5 anos. Em maio, representou o bairro e ficou em segundo lugar no Circuito Futuro da Nação, competição que reúne crianças de toda a cidade.
“Quando ele começou, não conseguia nem carregar o skate. O pessoal [do Coletivo Vista Verde] sempre buscou incentivar e ele começou a andar cada vez mais”, conta Meryellen Bertani, mãe do menino.
O garoto ganhou uma motivação extra este ano. Os Jogos Olímpicos de Tóquio serão os primeiros em que o skate é uma modalidade oficial, o que incentivou o menino. “É importante para as crianças, elas podem se imaginar lá”, diz Henrique, que sonha em chegar à competição internacional.
Em Tóquio, a maranhense Rayssa Leal, de apenas 11 anos, é a aposta do Brasil nesse esporte. Seguindo os passos da atleta olímpica, Nay Tavares, 7, também treina no espaço e diz ter o sonho de ver onde começou a cultura da modalidade nos Estados Unidos. “[Quero] ir para a Califórnia e ficar famosa com o skate.”
Henrique e Nay vivem uma realidade diferente das primeiras gerações de skatistas de São Paulo, que viveram na pele a marginalização da atividade.
Em junho de 1988, o então prefeito Jânio Quadros (1917-1992) proibiu o esporte em toda a cidade. O decreto só foi revogado quando Luiza Erundina assumiu, cinco meses depois.
Foi também nesse período que Pirituba se tornou um dos principais espaços do esporte na capital.
Em 1992, o skatista e empresário Rogério Antigo, 58, morador da Freguesia do Ó, na zona norte, buscava abrir a segunda filial de sua loja Brand-X. “Não tinha valor financeiro suficiente para poder entrar num shopping grande, aí eu escolhi o de Pirituba”, relembra.
Na época, as skateshops, como são chamadas as lojas do segmento, tinham um papel ainda mais importante para reunir os praticantes de uma região, já que a internet era tímida e poucos tinham acesso.
Rogério também era presidente da UBS (União Brasileira de Skate), e realizou no bairro quatro edições do Campeonato de Skate de Pirituba, feito anualmente de 1992 a 1995.
Além da Brand-X, outras empresas que faziam tênis e shapes (parte de madeira do skate) embarcaram na concretização do evento.
Para conquistar a façanha, os organizadores tinham à disposição o estacionamento do Shopping Center Pirituba durante o domingo. Lá, montavam uma pista móvel feita com estruturas de ferro. A competição chegou a ter 150 participantes em um só dia.
O primeiro Campeonato de Skate de Pirituba, em 1992, também foi a estreia em competições de Marcelo Toscano, 45, skatista que hoje viaja o Brasil para disputar a modalidade.
“Participei desse campeonato nervoso. Foi difícil chegar, porque não existia Bilhete Único, integração, metrô, trem como é agora”, relembra ele, que na época morava na Santa Cecília, na região central.
“Foi um evento importante para a cidade e para o skate em geral, porque veio gente de muito longe, e encheu. Também colocou em evidência os skatistas da região, de Pirituba, Perus”, completa.
PISTA FECHADA
Apesar dessa tradição, o principal espaço pensado para a modalidade no bairro está fechado há mais de 10 anos.
Em 2002, o coração do distrito havia ganhado uma pista de skate, no parque Jacintho Alberto, próximo ao terminal de ônibus. Mas o equipamento tinha falhas na construção, fechou para reformas em 2009 e nunca mais foi reinaugurado.
Segundo a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, os problemas estavam relacionados a sua construção, em vários trechos. Os skatistas apontam o material frágil com que foi construída e o ângulo das rampas.
Buscando uma solução para o local, os skatistas do bairro fizeram orçamentos para uma pista adequada e apresentaram ao Conselho Gestor do parque em 2016.
A necessidade de um novo espaço de skate no local até foi incluída no Plano Diretor de 2019, mas não colocada em prática.
Ainda em 2019, a área de 40 mil metros quadrados foi concedida à Urbia Parques, vencedora da licitação que privatizou o local, na gestão do prefeito João Doria (PSDB).
De acordo com a prefeitura, a empresa ainda está no processo de assumir a gestão dos parques. “Assim que a aprovação do Jacintho Alberto ocorrer, as manutenções necessárias, incluindo a pista de skate, poderão ser executadas”. A Urbia Parques foi procurada mas não respondeu à nossa reportagem.
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PISTA DO VISTA VERDE
Em 2013, skatistas da região se reuniram e criaram o Coletivo Skate Vista Verde, e lutaram por um espaço de prática do esporte na praça de mesmo nome.
“Começamos a fazer campeonatos e ações sociais, como aulas e oficinas, para justamente organizar e fomentar a cena do skate no bairro”, conta Gustavo Teixeira, o Cabelo, integrante do coletivo.
Dois anos depois, em dezembro de 2015, foram inauguradas as duas pistas de skate da Praça Vista Verde. O grupo conseguiu o apoio de uma emenda proposta pelo vereador Eliseu Gabriel.
Segundo a Subprefeitura de Pirituba/Jaraguá, a zeladoria na área é feita a cada 90 dias. Por isso, a rotina de limpeza e cuidados fica com os próprios membros do coletivo. “A gente toma conta, pinta, colocamos borrachas para o skate não ‘zoar’”, enumera Cabelo.
‘No skate não existe rivalidade. No campeonato, todo mundo torce pra todo mundo acertar suas manobras e se dar bem. Quem julga é o juiz’ – Marcelo Toscano
Depois de conquistar o equipamento público, os membros do coletivo investiram em montar a 600 metros dali a Catiorro Skateshop, primeira loja do segmento em Pirituba desde que a pioneira Brand-X fechou em 1996. Inaugurada em 2020, também é o local onde Cabelo dá aulas da modalidade.
“Uma loja de skate é muito importante para a cena, porque funciona como se fosse uma igreja. Ela reúne, fornece suprimentos. A gente não precisa mais se deslocar para outros bairros. Cresci tendo que ir pra Galeria do Rock, para o centro, comprar peças. Agora, já não precisa mais”, detalha Cabelo.
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