Por: Glória Maria
Notícia
Publicado em 12.03.2024 | 14:00 | Alterado em 12.03.2024 | 14:40
“O que chega na quebrada é o funk, mas o que a universidade produz sobre funk não chega na quebrada”, observa Thiago de Souza, 34, que pesquisa o gênero na USP (Universidade de São Paulo), onde faz doutorado em música. Conhecido como Thiagson, ele lançou o livro “Tudo o que você sempre quis saber sobre Funk… mas tinha medo de perguntar.”
Professor de música clássica, o autor orquestra diversas plataformas voltadas para os interessados no universo do funk, com informações mais aprofundadas sobre o gênero. Só o perfil dele no Instagram @canaldothiagson tem mais de 132 mil seguidores, já no Youtube, o Canal do Thiagson conta com mais de 9,1 mil inscritos.
A iniciativa de fazer um livro sobre funk se deu por meio de um convite da editora Tipografia Musical, especializada em música clássica. Para Thiago, nascido na Bahia e morador de Santo André, na Grande São Paulo, a obra foi um modo de incomodar os haters, divulgar o trabalho científico e conectar as populações periféricas com o livro.
“É fácil fazer um livro sobre funk chegar na mão do playboy que é quem menos precisa conhecer porque não vive o funk”, diz.
‘A escrita desse livro parte do transmitir antes de tudo à comunidade funk, na linguagem funk, de quem lida com o gênero musical em seu dia a dia: a periferia’
A obra, composta por 37 capítulos, traz títulos como: “Funk é arte, não crime”, “Qual é a relação da música com o racismo?” e “A predominância da cor branca no ensino musical”, que refletem desde a percepção do funk como arte até a influência do racismo na música.
O autor reflete ainda sobre o papel das instituições de ensino e universidades de música que, por não reconhecerem a riqueza e a diversidade do funk, se tornam responsáveis pela formação de musicistas preconceituosos.
“As instituições de ensino musical no Brasil e exterior foram lugares de propagação não só de preconceitos musicais mas também de proselitismo. Proselitismo é quando o sujeito vem com aquelas ideias erradas do tipo: minha música é melhor que a sua”, comenta.
Thiago afirma que apesar dos estudos acadêmicos sobre o funk se iniciarem no fim dos anos 1980, as pesquisas sobre o gênero são recentes e se refletem em uma sociedade que ainda não reconhece o funk como uma arte legítima.
“A sociedade ainda não foi significativamente impactada pela percepção do valor e da legitimidade musical do batidão de origem carioca”, afirma.
O Caverna Bar, espaço de promoção de atividades culturais utilizado por diversos coletivos em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, foi o local escolhido por Thiago para um dos lançamentos da sua obra.
‘O livro trata de como o conhecimento produzido sobre o funk não chega às pessoas que o fazem. E se estou aqui na favela realizando esse evento, é uma forma de retribuir o que aprendi’
O evento, ocorrido no último dia 24 de fevereiro, contou com a participação de produtores locais, do estúdio musical Canguru Paraisópolis, músicos locais e da favela do Titã, do coletivo Bolinha Cultura nas Favelas de Santo André; juntos os artistas realizaram uma roda de funk e apresentações de suas faixas.
Para Thiago, a escolha da favela de Paraisópolis é significativa, por ser um território onde o funk se faz presente, a partir de bailes como DZ7 e Baile do Bega e também por ser um dos focos de disseminação de informações. Ele comenta que existem vários livros sobre funk, mas que os funkeiros desconhecem.
Mike Johnnatan, 27, músico e diretor artístico na Canguru Paraisópolis, e ex-comerciante da Rua do Baile do Bega, avaliou o evento como essencial por trazer produção e visibilidade da vivência funk para a comunidade, além de quebrar preconceitos em relação ao gênero musical.
“Eu venho do hip hop e há essa construção também de achar que o funk que não seja o consciente não passa a visão. Não via o funk como algo meu. Também carregava o preconceito contra nossa própria história”, afirma.
Mike destaca que o livro do Thiago é uma forma de incentivar a leitura e a complexidade do viver funk no dia a dia.
Thiago ficou conhecido nas redes sociais com um vídeo que viralizou na internet explicando a complexidade da música “Ô Xanaina”, do Mc Lan. A repercussão dividiu opiniões. Desde então, ele tem se dedicado a compartilhar sua pesquisa em vídeos por meio de uma linguagem acessível.
Para o autor, o conhecimento coletivo é uma experiência social e ele diz querer aprender mais nas discussões com o público e até possivelmente escrever mais um livro. A princípio, Thiago espera ver crescer a participação ativa das periferias nas discussões sobre funk, sobretudo, nos lançamentos que ainda serão feitos do livro, nas favelas e fora delas.
“A cada espaço que vou e lanço o livro sinto que aprendo nas discussões com o público”, diz o autor.
Os próximos lançamentos estão previstos para 22 de março, na Livraria Travessa Pinheiros, em Pinheiros, e 12 de abril no Rio de Janeiro.
Para adquirir o livro, acesse este link do site da Editora Tipografia Musical.
Moradora de Paraisópolis, jornalista, produtora audiovisual e co-fundadora do estúdio 7 Notas, espaço que acolhe artistas locais e movimentando artes
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