Parte dos usuários de 40 linhas precisa utilizar pontos nas ruas do entorno, sem segurança e banheiros; urbanista sugere readequação da rede de ônibus
Por: Redação
Publicado em 24.02.2021 | 22:14 | Alterado em 24.02.2021 | 22:14
Inaugurado há 45 anos e privatizado em 2020, o terminal de ônibus Santana, o principal da zona norte de São Paulo, vai passar por obras de revitalização.
O projeto da empresa Unitah, que venceu a licitação e ficou responsável por 13 terminais integrados ao metrô na cidade, prioriza a exploração comercial, mas não resolve os transtornos causados pela saturação do terminal.
Atualmente, parte dos usuários das 27 linhas regulares e 13 noturnas utiliza pontos de ônibus nas ruas do entorno, em pequenos abrigos, sem segurança e banheiros. Esses passageiros precisam caminhar até as entradas do metrô, expostos ao sol, frio ou chuva.
Segundo a concessionária, durante as reformas não serão ampliadas as áreas de embarque, o principal alvo das críticas dos passageiros e trabalhadores. Da mesma forma, vai permanecer a antiga cobertura, com grandes aberturas entre as plataformas e laterais sem proteção, e não haverá a instalação de escadas rolantes em complementação às fixas.
Já a Prefeitura de São Paulo, por meio da SPTrans (São Paulo Transporte), confirma que mantém linhas fora do terminal, por falta de espaço, e que não há previsão para resolver essa questão.
O órgão informa que, antes do início da pandemia, em março de 2020, foi registrada uma média de 77,7 mil passageiros por dia útil, da empresa Sambaíba e do Consórcio Transnoroeste, totalizando cerca de 1,71 milhão ao mês.
LEIA MAIS
Diversas linhas atravessam o Jaçanã, mas ônibus estão sempre lotados
Para o arquiteto e urbanista Ayrton Camargo e Silva, 58, diretor da Aeamesp (Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Metrô), é correta a adoção de espaços verticalizados, de uso comercial, em terminais de transporte, de acordo com o Plano Diretor da cidade.
Sobre a saturação da capacidade do terminal Santana, ele propõe um novo desenho da rede de ônibus, com base na pesquisa origem-destino.
TERMINAL PROBLEMÁTICO
Gessé da Silva, 36, trabalha como fiscal nos pontos da rua Gabriel Piza e atende motoristas e cobradores em uma cabine na calçada, sem nenhum conforto.
Ele opina que o metrô deveria aproveitar o terreno de uma grande loja popular e estacionamento anexo para a expansão do terminal.
“Aqui na rua é ruim para os passageiros, quando chove ou faz sol forte, principalmente para os idosos. Nesses dias, o motorista tem que abrir a porta do ônibus pra que todos entrem e se abriguem”.
A demonstradora Anacléia da Cruz, 47, mora na Cohab Brasilândia e sempre toma ônibus na rua. Voltando do hospital veterinário e carregando uma caixa de transporte com a gatinha Kiara, ela teve que caminhar 300 metros do metrô até o ponto inicial.
“Aqui é terrível quando chove, as filas são grandes e não tem onde se proteger. No terminal seria muito melhor, com mais conforto e bancos pra gente não ficar em pé tanto tempo”, reclama.
O aposentado João Pires, 62, aguardava um ônibus para o Jaçanã e critica as atuais instalações. “Santana é ruim porque é do governo do estado. Passo por terminais da prefeitura, como o da Casa Verde, e são bem melhores.
Apontando para o acesso do metrô ao terminal, ele diz que “cansa subir todos esses degraus, nem tem escada rolante, mas espero que a reforma dê um jeito nisso e que não seja só um “banho de loja”.
READEQUAÇÃO
Especializado em planejamento de transportes, o urbanista Ayrton Camargo e Silva considera correta a adoção de edifícios comerciais em terminais de ônibus, metrô e trem, de acordo com o Plano Diretor da cidade.
Ele avalia que a edificação nesses locais estimula o chamado não-transporte, encurtando as distâncias e reduzindo o tempo de deslocamento das pessoas.
“Você desce do trem, chega ao mezanino e tem acesso à torre comercial. É mais prático, a pessoa nem pisa na calçada, não precisa atravessar avenidas, diminui a necessidade de mais semáforos e dá menos impacto na fluidez do trânsito.”
Sobre a questão do terminal Santana, o especialista fala que “não é racional que várias linhas ainda terminem ali, quando já há um prolongamento do metrô, com mais três estações: Jardim São Paulo, Parada Inglesa e Tucuruvi.
Como a prefeitura administra a rede de transportes, cabe a ela reavaliar a situação e talvez distribuir as linhas entre as demais estações e redefinir outras com itinerários sobrepostos. Seria um novo desenho da rede, com base na pesquisa origem-destino”.
Questionado se não existe “diálogo” entre prefeitura e metrô para traçar as diretrizes do transporte na cidade, o urbanista afirma que “infelizmente não temos um modelo institucional de gestão que compatibilize as políticas de transporte das várias instâncias, como uma autoridade metropolitana”.
Ele destaca também que a implantação do bilhete único eliminou a necessidade de convergir todos os ônibus para um só local.
“Acho problemático trazer um monte de linhas para um único terminal, causa degradação e a necessidade de uma mega rodoviária. Isso não faz mais sentido. O modelo de terminal tende a desaparecer como um equipamento gigantesco na zona urbana por conta da evolução tecnológica da bilhetagem”, conclui.
OUTRO LADO
A prefeitura de São Paulo, via SPTrans, reconhece que mantém linhas com ponto inicial fora do terminal Santana pela falta de espaço e também por se tratar de “uma região de grande interesse da população”.
O órgão ressalta que, de acordo com o processo licitatório, em setembro de 2019, os novos contratos de concessão permitirão a reorganização do sistema de transporte por ônibus na capital, “com benefícios para os passageiros, ao eliminar a sobreposição de linhas, reduzir intervalos entre os veículos, tornar as viagens mais rápidas e confortáveis e permitir a modernização da frota”.
A SPTrans esclarece que não houve realocação de linhas de Santana para as estações Tucuruvi ou Parada Inglesa do metrô e que não há planos de transferência para esses locais.
A empresa vencedora da licitação justifica não ter competência para ampliar a capacidade do terminal, pois “o remanejamento de linhas de ônibus fica a cargo da SPTrans. Porém, com a implantação do futuro centro comercial edificado, há “tendência de que novas linhas sejam acrescidas ao terminal, assim como a disponibilização de estacionamentos”, prevê.
Em relação à situação atual da cobertura, antiga e que não dá proteção total aos usuários, a empresa diz que a estrutura “não será substituída no curto prazo. A previsão é de que seja construído um shopping center acima do terminal. O projeto de edificação está em fase de elaboração”.
Outra reclamação dos usuários é de que o acesso do nível metrô às plataformas dos ônibus só é feito por escadas fixas. A Unitah alega que “as áreas internas de acesso ao metrô não fazem parte do contrato de concessão”.
Em resposta à questão levantada pelo fiscal de ônibus, a concessionária afirma que “estuda doar novos mobiliários para os fiscais da SPTrans que trabalham nas plataformas. Dessa forma, melhorará o conforto e haverá padronização visual”.
VEJA TAMBÉM
4 em cada 10 paulistanos acham que frota de ônibus deveria aumentar na pandemia
PROJETO DO TERMINAL SANTANA
Segundo a Unitah Empreendimentos, o terminal Santana será transformado em um “destino de compras”, com investimentos em zeladoria, paisagismo e segurança, implantação de área de lojas e alimentação, posto de informações e wi-fi gratuito.
No projeto, também estão previstos novos banheiros e espaços revitalizados, para a realização de atividades culturais e até feiras livres. “Os pequenos boxes e quiosques que existem hoje serão padronizados e se somarão às novas áreas comerciais maiores”, afirma.
Chamado de “Praça Unitah”, o projeto deve representar uma economia de R$ 22 milhões/ano ao Metrô, em manutenção, vigilância e conservação dos espaços.
Os 13 terminais de ônibus integrados ao metrô que passaram para a iniciativa privada, por 30 anos, são: Linha 1-Azul – Ana Rosa, Armênia, Parada Inglesa e Santana; Linha 3-Vermelha – Artur Alvim, Brás, Carrão Norte, Carrão Sul, Patriarca Norte, Penha Norte, Tatuapé Norte, Tatuapé Sul e Vila Matilde Norte. Sete deles, incluindo o de Santana, vão permitir, no futuro, a construção de prédio comercial, residencial ou de serviços. As primeiras lojas já estão em funcionamento no Terminal Tatuapé Sul.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
Se você quer saber como republicar nosso conteúdo, seja ele texto, foto, arte, vídeo, áudio, no seu meio, escreva pra gente.
Envie uma mensagem para [email protected]