Severino Honorato/ Divulgação
Por: Jacqueline Maria da Silva
Notícia
Publicado em 21.02.2025 | 12:53 | Alterado em 21.02.2025 | 16:15
“Quando eu entrei na sala de aula, tinha bastante gente mexendo no celular, aí já veio a coordenadora avisar que era para guardar. Depois, todo mundo desceu para um auditório e junto com as boas vindas explicaram a nova regra: não pode mais celular, nem no recreio”.
A estudante Nicoly Arteli, Faustino, 15, moradora no Jaraguá, na zona norte de São Paulo, lembra como foi o primeiro dia de aula na Etec (Escola Técnica Estadual) de Caieiras. A novidade deu o que falar entre professores e estudantes. E não só lá.
Na Escola Estadual Reverendo Jacques, no Jardim São Luis, zona sul de São Paulo, diversas faixas e banners alertam sobre a proibição de celulares.
Cartazes alertam comunidade escolar sobre proibição do uso de celulares, em escola na zona sul de São Paulo @Severino Honorato/ Divulgação
“Nós tivemos uma reunião de professores em todas as escolas do estado e recebemos as orientações do governo federal e estadual a respeito da restrição. As faixas foram iniciativa da própria escola, para que a comunidade tivesse acesso a essa informação”, comenta o professor de história Severino Honorato, 55.
Desde o começo de fevereiro, todas as escolas estaduais e municipais de São Paulo seguem esta nova regra: a proibição total do uso de celulares, seguindo a lei estadual 18.058/24.
“Tem avisos de proibição e os professores alertam, mas por ser uma uma novidade e boa parte dos alunos estar insatisfeita com essa lei, o uso permanece, mas não igual”, relata Isabella Soares de Jesus, 17, moradora do Grajaú, na zona sul de São Paulo. Ela estuda o terceiro ano do ensino médio na Escola Estadual Adelaide Rosa Fernandes Machado de Souza, no mesmo bairro.
A nova lei, de 2024, criada com a finalidade de mitigar os efeitos do uso do celular,. inclui pontos como a adoção de protocolos para armazenamento dos dispositivos pelas escolas. A lei prevê exceções de uso para atividades pedagógicas e para alunos com deficiência que necessitem de auxílio tecnológico específico.
Diferente de grande parte dos colegas, Isabella e Nicoly são a favor da lei, mas em partes. Elas acreditam que restringir o uso do celular vai diminuir a desatenção em sala e melhorar a interação entre os alunos. Porém, por ser uma imposição e não haver fiscalização, é possível que a lei não seja efetiva, acreditam.
“Passou pouco tempo e vi uma menina com o celular enfiado no estojo, mexendo. Ninguém falou nada. Ninguém viu”, conta Nicoly.
Para Fábio Santos de Moraes, presidente da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), as escolas privadas podem ter mais estrutura para monitorar o cumprimento da lei e é preciso que o governo faça o mesmo.
“Não basta proibir, é preciso convencer as pessoas de que isto é melhor nesse momento”.
Já o professor Severino aposta em uma adaptação progressiva, uma vez que muitos jovens são a favor da restrição. Ele salienta que cabe aos professores e gestores terem o cuidado para orientar os alunos.
Um estudo da Nexus mostrou que 89% dos jovens entre 16 e 24 anos são a favor de algum tipo de restrição ao uso de celular nas escolas. Destes, 46% concordavam com a proibição total do uso dos aparelhos e 43% com a restrição parcial. Apenas 11% são contra.
“Um grande problema é a infraestrutura. Minha escola não tem laboratório próprio de informática”, conta a estudante Isabella @Arquivo pessoal
O que preocupa as estudantes Nicoly e Isabella não é não poder mexer no celular, mas como a proibição do uso pode impactar na aprendizagem dos estudantes de periferias. Isso porque o acesso aos conteúdos didáticos e às avaliações da Secretaria Estadual de Educação são online para a maioria das disciplinas.
“Ontem, tivemos que fazer a escolha de professores tutores, que é uma prática da escola integral e era algo que nós fazíamos através dos nossos celulares. Foi mais complicado, porque um professor teve que ficar responsável por toda uma sala, preenchendo o formulário de cada um”, exemplifica Isabella.
Nicolly estudou em colégio particular com bolsa durante o ensino fundamental. Ela conta que na antiga escola a maioria dos alunos tinham celular e o wifi era de boa qualidade. Cenário diferente da Etec onde cursa técnico em Marketing integrado ao ensino médio.
“Um grande problema para funcionamento dessa lei é a questão de infraestrutura, principalmente nas escolas públicas. Por exemplo, a minha escola não tem laboratório próprio de informática”, complementa Isabella.
Os estudantes ouvidos pela reportagem temem que a medida aumente a desigualdade de acesso à educação, já que em escolas particulares podem oferecer outros recursos, como laboratórios de informática ou até computadores pessoais.
Os professores Severino e Fábio lembram que a lei não restringe o uso de celular para atividades pedagógicas. Eles também concordam que são necessários mais recursos e investimentos para educação pública acessível e inclusiva a todos, sobretudo alunos e professores das quebradas.
“Tem que ter mais estrutura, mais investimento, mais computadores, mais notebook e melhorar a internet na escola”, pontua Severino. Ele ressalta que na rotina do professor, o uso de tecnologias é uma realidade diária, desde fazer a chamada até registrar as atividades dos alunos.
“Boa parte das pessoas estão insatisfeitas com a lei”, diz Nicoly @Acervo Pessoal
“O professor é obrigado, no caso do estado de São Paulo, a ficar linkado o tempo inteiro no tablet, no computador ou no celular, porque as plataformas do governo estadual impõe essa necessidade. Então os professores continuarão usando, mas sempre com uso pedagógico”, completa Fábio, da Apeoesp.
Para ele, o celular não é um vilão, mas a forma como ele vem sendo utilizado é que atrapalha o processo de aprendizagem. Nesse sentido, a lei seria um avanço no debate sobre qualidade do ensino, proteção à saúde dos estudantes e ajuda até a questionar o modelo atual de educação do governo paulista, que prevê que os alunos passem muito tempo diante das telas.
Entre 2 e 5 anos: tempo máximo de 1 hora por dia com supervisão dos responsáveis
Entre 6 e 10 anos: tempo máximo de 2 horas por dia com supervisão
Entre 11 e 18 anos: tempo máximo de 3 horas diárias nas telas e jogos de videogame. Nunca “virar a noite” nas plataformas
Para todas as idades: nada de telas durante as refeições e desconectar pelo menos 1 hora antes de dormir.
Repórter da Agência Mural desde 2023 e da rede Report For The World, programa desenvolvido pela The GroundTruth Project. Vencedora de prêmios de jornalismo como MOL, SEBRAE, SIP. Gosta de falar sobre temas diversos e acredita do jornalismo como ferramenta para tornar o planeta melhor.
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